
A utilização de um acordeon no desfile da Acadêmicos de Gravataí durante o carnaval de Porto Alegre deste ano fez a escola perder um ponto, jogou uma das favoritas ao título para o 7º lugar na classificação e levantou um grande debate. Isso porque a agremiação perdeu um ponto sob o argumento de que o instrumento fere o regulamento do desfile da capital. Conforme o artigo 71, é vedado o uso de "instrumento de sopro, teclado e/ou qualquer equipamento eletrônico nos desfiles, sobe pena de desclassificação sumária da entidade".
Com a punição, a Acadêmicos de Gravataí terminou somando uma pontuação de 238,9. Caso não tivesse perdido o ponto, teria sido vice-campeã. A escola vencedora este ano foi a Imperadores do Samba.
Os dias que se seguiram ao resultado foram de avaliações internas e lamentações dentro Acadêmicos de Gravataí, vencedora do carnaval de Porto Alegre em 2024. Confiante em um bom resultado novamente este ano, a escola apostou no enredo "Paraíso nordestino: um repente encantado de um povo arretado!". Um contexto que justificaria o uso de uma sanfona (como o acordeon é mais conhecido no nordeste brasileiro) na melodia do samba-enredo.
— Alguns presidentes (das outras escolas) acham que a gaita é um instrumento de sopro. Eu procuro o bocal ali e não acho. Acham que é um instrumento eletrônico. Acho que todos os sanfoneiros poderiam explicar melhor para eles — argumenta Anderson Nascimento, presidente da Acadêmicos de Gravataí.
O presidente da escola de samba rompeu o silêncio quase cinco dias após a apuração. Em vídeos gravados para as redes sociais, Anderson Nascimento disse que a perda do ponto o abalou e feriu não só a ele, mas "toda a comunidade de Gravataí". A escola tomou conhecimento da punição somente horas antes do início da apuração, na última segunda-feira (17), o que segundo o presidente desrespeita o próprio regulamento.
— As escolas tinham seis horas (após o desfile) para se defender, para fazer um recurso. E não houve nenhum tipo de denúncia ou recurso em cima disso (do uso do acordeon) — alega Anderson Nascimento nos vídeos.
O dirigente da agremiação diz que se sente vice-campeão do carnaval. Apesar de contestar a punição, a escola ainda não informou se pretende tomar alguma medida administrativa ou legal contra a organização do carnaval de Porto Alegre. Anderson Nascimento salienta ainda que, mesmo se tivesse mantido o ponto, a Acadêmicos não teria sido campeã.
— A gente não perdeu o carnaval pelo um ponto, que foi tirado injustamente. A gente perdeu no quesito alegoria. Parabenizo a co-irmã Imperadores do Samba, que gabaritou toda a planilha — diz o presidente.
Assista ao desfile completo da Acadêmicos de Gravataí no carnaval de Porto Alegre 2025:
Borghetti comenta polêmica
A polêmica tem levado acordeonistas e amantes da música a opinarem. O que é um acordeon? Um dos músicos que divulgou as suas impressões sobre o assunto foi o instrumentista Renato Borghetti, após ser provocado pela filha de um amigo.
Em vídeo divulgado pela Acadêmicos de Gravataí, Borghetti afirma que os instrumentos podem ser classificados como cordofones (que produzem som a partir de cordas, como um violino), idiofones e membranofones (de percussão), eletrofones (que usam eletricidade) e aerofones (que usam o ar).
— Dizer que o acordeon é um instrumento de sopro acredito que não, por um motivo. O acordeon utiliza o ar e é um aerofone, mas de palhetas livres, que usam o ar feito pelo fole. Quem provoca esse ar não é um sopro, é o fole — explica Renato Borghetti.
Para o músico, o debate remete à origem do acordeon, há 2.700 anos antes de Cristo. Foi quando surge o "pai" do instrumento.
— Os chineses construíram o sheng, um instrumento de sopro que faz com que uma palheta se mova. Isso é um instrumento de sopro. Talvez por isso se dê essa confusão — avalia Borgetti.
A reportagem fez contato, mas não teve retorno da União das Entidades Carnavalescas de Todos os Grupos e Abrangentes de Porto Alegre (UECGAPA) e da coordenação-geral do carnaval de Porto Alegre para repercutir o caso.