A gruta da Maria Degolada, na Vila Maria da Conceição, na zona leste de Porto Alegre, está de cara nova. O espaço de devoção, situado em um beco junto à Rua Irmã Nely, na lateral da Pequena Casa da Criança, passou por revitalização e foi entregue para a comunidade nesse fim de semana.
No local, devotos fazem orações e pedidos para Maria Francelina Trenes, assassinada por um policial militar em 12 de novembro de 1899, e considerada pelos moradores da região uma santa popular. A mulher vítima de feminicídio, quando essa denominação sequer existia, ficou conhecida no imaginário do povo como Maria Degolada.
— Nessa revitalização foram feitas a ampliação e o restauro do muro. O telhado ganhou telhas novas e colocamos os suportes para as velas. O portão e a cruz também foram restaurados — afirma a guardiã da grutinha, Fulvia Cristina Almeida Garcia, de 51 anos.

As obras eram para ter começado em setembro de 2023, porém sofreram atrasos. O recurso empregado por meio de emenda impositiva da Câmara de Vereadores foi de R$ 26 mil.
O vereador Aldacir Oliboni (PT), autor da proposta de tombamento da gruta de Maria Degolada como patrimônio histórico-cultural de Porto Alegre, menciona que a revitalização era um sonho antigo da comunidade da Vila Maria da Conceição.
— As pessoas cuidam desse espaço como algo sagrado. Muitos procuram o local como ponto de encontro, oração e agradecimento — observa Oliboni, que descreve a grutinha como um lugar ecumênico e cultural.
No acesso à gruta da Maria Degolada foram instaladas uma imagem em cerâmica com o rosto retratado de Maria Francelina Trenes e uma placa com uma homenagem (veja na galeria de fotos acima). A obra ficou sob os cuidados do escultor uruguaio Mario Cladera, que ainda executou um medalhão em bronze.
— Fiz a reprodução da imagem em cerâmica na entrada do beco. Ingressando no espaço da capelinha tem a mesma imagem fundida em bronze deste rosto — explica o escultor, que ainda instalaria uma terceira figura no pequeno santuário.
A importância da grutinha para a comunidade é em acreditar e não perder a fé. O ser humano, hoje em dia, está muito desacreditado.
VANESSA VIANA SOARES
Moradora da comunidade
Segundo Cladera, não existem em arquivos fotos de Maria Francelina Trenes. O artista procurou representar o rosto de uma pessoa jovem de origem alemã na virada daquele século.
— Tentei colocar o rosto mais forte e duro para mostrar a resiliência da mulher na contemporaneidade. É o que inspira muito as mulheres da comunidade — diz o uruguaio.
Beco cultural e de devoção
Nesta segunda-feira (10), era possível ver velas acesas no local e flores junto às imagens religiosas. A gruta da Maria Degolada está com o muro pintado em azul celeste, o telhado em amarelo e o portão em branco. Mais de 80 placas com agradecimentos por graças alcançadas podem ser vistas nas paredes.
A proprietária do Quiosque das Gurias, Vanessa Viana Soares, 42, vive há 20 anos na comunidade. Ela é uma das pessoas encarregadas de cuidar e orientar quem chega para rezar ou pedir alguma graça. O estabelecimento onde trabalha fica no começo do beco de acesso ao local.
— A importância da grutinha para a comunidade é acreditar e não perder a fé. O ser humano, hoje em dia, está muito desacreditado — reflete Vanessa.

Moradores da Vila Maria da Conceição auxiliaram no processo de restauração. O artista plástico e jornalista Getulio Souza Velho, 74, foi o responsável por pintar as paredes.
— Pintei a grutinha nesse tom de azul. Acho que está havendo agora uma grande preocupação em manter isso aqui preservado. Isso aqui se tornou um beco cultural — comenta.
No passado, a grutinha era ponto de romarias e peregrinações. Os devotos levavam flores e acendiam velas para a santa popular. Atualmente, as visitas são menores e ocorrem especialmente em datas como Dia de Finados, das Mães e dos Pais. O acesso ao espaço é gratuito.
Como Maria Francelina foi morta

De origem alemã, Maria Francelina Trenes tinha apenas 21 anos quando foi assassinada. O autor do crime, Bruno Soares Bicudo, 29, era analfabeto e policial na Brigada Militar. Ele havia nascido em Uruguaiana. Os dois eram solteiros.
Naquele distante 12 de novembro de 1899, quatro soldados do 1º Regimento de Cavalaria da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, entre os quais o autor do crime, participavam de um piquenique na parte leste do então Morro do Hospício, no arraial do Partenon. Todos estavam acompanhados por mulheres nas proximidades da Chácara das Bananeiras.
Após um churrasco, Bicudo e Francelina teriam discutido. Motivado por ciúmes, o policial a teria degolado ao pé de uma figueira. Os companheiros tentaram detê-lo, porém não tiveram êxito. Comunicaram o crime no quartel ao qual serviam. Uma escolta prendeu o autor do feminicídio.
O soldado utilizou uma faca para cortar o lado direito do pescoço da jovem. O PM alegou que a matou após ser agredido. Porém, foi preso e julgado quase três meses depois, em 8 de fevereiro de 1900.
Foi condenado a 30 anos de prisão com trabalho na Casa de Correção de Porto Alegre. Também acabou expulso da Brigada Militar. Ele morreu preso, em 16 de setembro de 1906, em decorrência de nefrite intersticial, uma doença nos rins.
O corpo de Francelina foi sepultado em 14 de novembro de 1899 na sepultura nº 741 do Campo Santo do Cemitério da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Conforme a crença dos devotos, por ter sido assassinada por um policial militar, a santa popular só não atende a pedidos de brigadianos.