Fechada há mais de um mês por conta da enchente, a Estação Rodoviária de Porto Alegre voltou a funcionar na manhã desta sexta-feira (7). A abertura oficial ocorreu por volta das 6h, quando uma bandeira do Rio Grande do Sul foi estendida, simbolizando o recomeço. Neste horário, já era possível ver movimentação de passageiros desembarcando no terminal onde, até poucos dias, só era possível transitar de barco. Já a primeira partida, rumo ao Litoral Norte, ocorreu às 7h11min, sob aplausos. Para o dia, estão previstos outros 91 horários de embarque.
O número é inferior ao que normalmente se via no principal terminal rodoviário do Estado, de onde, diariamente, partiam em média 240 coletivos. Ainda assim, a reabertura implica na ampliação da oferta de viagens em relação ao que vinha sendo disponibilizado na rodoviária provisória do Terminal Antônio de Carvalho, na zona leste da Capital.
Neste primeiro momento, partidas e chegadas estão concentradas na área onde antes ocorriam apenas os desembarques. A operação está ocupando 18 dos 72 boxes disponíveis. A área de venda de passagens também está funcionando, mas com menos guichês. Os demais setores da rodoviária, como o segundo andar e o antigo terminal de embarque, permanecem com acesso bloqueado ao público.
Somente viagens intermunicipais estão ocorrendo nesta sexta-feira. Na próxima semana, rotas interestaduais também devem ser incluídas - atualmente, os deslocamentos têm como referência a rodoviária do Osório. Contudo, conforme o diretor de Operações da Estação Rodoviária, Giovanni Luigi, ainda não há confirmação de quais serão os trechos para fora do Estado disponíveis.
— Essa questão fica subordinada à Agência Nacional de Transportes Terrestres. Temos a informação de que a retomada das linhas interestaduais será no dia 13 (próxima quinta-feira), mas ainda não sabemos quais empresas estarão aqui — explica.
Esperança para passageiros
O espaço que opera nesta reabertura tem cenário que reflete um princípio de normalidade. Há energia elétrica, bancos para sentar e banheiros em funcionamento. Tudo ali também foi tomado pela água, mas não há mais vestígios de sujeira naquele pequeno espaço da rodoviária. O que difere de um dia comum é o fluxo de pessoas, inferior ao que normalmente se veria em uma manhã de sexta-feira, e a inoperância dos estabelecimentos comerciais, ainda fechados. O processo de limpeza dos comércios começou na quinta-feira (6) e deve ser retomado na segunda (10).
Mas a volta das operações, ainda que de forma atípica, trouxe uma dose de esperança a quem circulou pelo local nesta manhã. Passageiro do primeiro ônibus a partir dali, o missionário Ed Ferreira, 28 anos, saiu de Muzambinho, no interior de Minas Gerais, e veio ao Rio Grande do Sul para trabalhar como voluntário. Embarcou no coletivo estacionado no box 64 com destino a Osório, onde fará conexão até Florianópolis e, depois, seguirá para São Paulo para participar de um evento. Mas volta ao Estado já na semana que vem, com a intenção de seguir seu voluntariado até, pelo menos, agosto.
Momentos antes de subir no ônibus, o mineiro ganhou uma bandeirinha do Rio Grande do Sul para levar de lembrança. Os souvenirs foram distribuídos pela administração da rodoviária e emocionaram os passageiros. Entre eles Ed, que viu de perto os reflexos da tragédia climática e, agora, celebra o recomeço do Estado.
— Essa bandeira vai ficar na minha caixinha de memórias. A catástrofe deixou tudo muito marrom, deixou marcas de morte, e a cor dela traz alegria — reflete o missionário. — Esses primeiros movimentos de volta ao normal, como a retomada da rodoviária, são pontos de esperança que a gente encontra. Eu fico muito grato por ver isso, pois sei que a população anseia pela retomada da vida. As pessoas precisam disso — diz Ed, emocionado.
O autônomo Alexandre Martau, 48 anos, também foi tomado pela emoção ao desembarcar na rodoviária perto das 6h desta sexta. Ele havia viajado para Buenos Aires em 21 de abril com o objetivo de assistir à partida do Grêmio contra o Estudiantes pela Libertadores, no dia 23 daquele mês. Iria passar mais uma semana na Argentina para, então, retornar à Capital, mas foi impedido pela enchente.
— Foi um período muito triste, marcado pela sensação de impotência. Eu recebia uma grande quantidade de informações, porque a imprensa argentina estava divulgando, e acompanhava tudo longe, de mãos atadas, sem poder fazer muita coisa. E, pior, querendo fazer muita coisa — lembrou, com lágrimas nos olhos e, por entre as mãos, o ingresso do jogo que motivou a viagem até o país vizinho.
Para conseguir voltar para casa, Alexandre foi de Buenos Aires até Uruguaiana e, de lá, pegou um ônibus para Porto Alegre. Ainda tomado por um misto de alívio e angústia, o autônomo quer recuperar suas forças para poder ajudar o Estado:
— O Rio Grande do Sul pode ter certeza de que chegou mais um soldado para a batalha.
Morador de Bento Gonçalves e soldado de profissão, Rafael Côrrea, 39 anos, também estava na rodoviária na manhã desta sexta. Integrante do Comando Ambiental da Brigada Militar, ele atuou na linha de frente das operações de resgate em Porto Alegre. Foram semanas difíceis.
— Passei 20 dias dentro da água. Foi uma experiência que eu espero não viver de novo na minha carreira, porque foi difícil ver as pessoas passando trabalho. Foi satisfatório poder ajudar, mas muito duro — diz o soldado, que agora, a partir da rodoviária, vai voltar a Bento Gonçalves. — Ver essa retomada das coisas é até um pouco estranho, porque a gente se acostumou à rotina do caos. Mas que bom que agora está tudo se ajeitando.
Experiência parecida foi vivida pelo bombeiro militar Fausto Farias dos Santos, 42 anos, morador de Santa Cruz do Sul. Lotado em um quartel de Porto Alegre, ele costuma realizar escala de 24 horas de trabalho por 72 horas de folga, quando volta para Santa Cruz. Mas a rotina de viagens, que já se repete há seis anos, foi quebrada no início de maio, quando Fausto foi convocado para vir à Capital atuar nas operações de resgate, sem expectativa de retorno.
Depois de ver a cidade ser tomada pela água, ele diz que embarcar em um ônibus com destino a Santa Cruz na rodoviária de Porto Alegre, o que costumava fazer todas as semanas, é sinônimo de alívio.
— São seis anos de idas e vindas nessa rodoviária. Para mim, o retorno é muito importante, um alívio. Sabemos que a retomada vai ser lenta, mas precisamos compreender que, direta ou indiretamente, Porto Alegre inteira foi afetada pela enchente.
A rodoviária também era um local importante para o casal Maria Clara Neuman, 20 anos, e Enzo Bertoldi, 23. Naturais do Vale do Taquari (Arroio do Meio e Roca Sales), os dois se mudaram para Porto Alegre por conta do trabalho e dos estudos, mas costumavam voltar à região todos os finais de semana. O ciclo do casal foi interrompido desde que a enchente atingiu a Capital e, também, suas cidades natais.
— A casa da minha família, em Arroio do Meio, ficou totalmente debaixo d'água. Mas era de se esperar, porque isso já tinha acontecido em setembro e em novembro. Já não temos mais aquela vontade de reconstruir tudo, sabe? O que importa, agora, é que está todo mundo bem — diz Maria Clara.
Por volta das 8h desta sexta, os dois embarcaram para Lajeado. De lá, seguirão a pé até Arroio do Meio, atravessando a passadeira montada pelo Exército para religar as cidades.
— Nem tudo já voltou ao normal, mas já é um alívio que as coisas estejam, pelo menos, começando a normalizar — conclui a estudante, que anseia pelo reencontro com a família.