O 4º Distrito se consolidou como o maior polo cervejeiro artesanal de Porto Alegre. Projeção da prefeitura aponta que quase metade das microcervejarias da Capital está na região conhecida por abrigar tradicionais fábricas e ainda manter galpões espaçosos. Os dados da prefeitura mostram que 47% delas se concentram nos bairros que compõem essa área da cidade — São Geraldo, Navegantes, Floresta, Humaitá e Farrapos.
Existem pelo menos dois dados que formam o retrato do setor em Porto Alegre. O primeiro, da prefeitura, mostra que a Capital conta com 47 microcervejarias, sendo que 22 estabelecimentos estão na região do 4º Distrito. O levantamento, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET), é uma projeção com base na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2021. Portanto, a informação de 2023 é uma estimativa com base no dado mais recente, que tem defasagem de dois anos.
O segundo é uma pesquisa do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), também presente no "Anuário da Cerveja", publicação anual do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que reforça a evolução do setor no Estado e na Capital. Em cinco anos, o número de cervejarias em Porto Alegre saltou de 20, em 2017, para 42 em 2022 — período com dado mais recente no levantamento das entidades. Isso representa alta de 110% nesse intervalo de tempo.
No Estado, a elevação é de 118,31% (veja no gráfico abaixo). Esse anuário é abastecido com dados do Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários (Sipeagro) e do Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos (Sipe Oraflex), do Mapa. A pesquisa contabiliza os estabelecimentos elaboradores de cerveja e produtos com a denominação "cerveja" com registro válido no ano da pesquisa.
Incentivo
Em dezembro do ano passado, foi sancionada a lei que ampliou as áreas da região que fazem parte do Programa +4D de Regeneração Urbana. Na ocasião, houve a ampliação do polígono que estabelece a concessão de isenção, por até 15 anos, do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e a isenção do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
Na prática, a ideia é fazer com que empresas, residências, entidades ou qualquer outro tipo de empreendimento escolha se instalar no 4º Distrito gerando empregos e renda para o entorno, além de melhorias urbanas.
— Se focarmos apenas no 4° Distrito, tivemos mais de 7 mil admissões e uma massa salarial gerada de R$ 21,5 milhões somente em 2023 — afirma Douglas Martello, secretário adjunto municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo.
— Além dos incentivos fiscais, também tem a cultura que foi desenvolvida nesta região. Virou um bairro boêmio com espaço para esse tipo de atividade gastronômica e cervejarias — completa Martello.
Uma rota oficial para o setor
O próximo passo da prefeitura será lançar, no primeiro trimestre deste ano, a Rota Oficial do Polo Cervejeiro POA do 4º Distrito. A ideia é oferecer aos visitantes a possibilidade de emitirem opiniões sobre as bebidas por meio de um aplicativo a ser desenvolvido.
— Estão previstos dois financiamentos internacionais para o desenvolvimento social e a infraestrutura da cidade, incluindo o 4º Distrito. Esta região será impactada por melhorias e embelezamento — garante Martello.
A Associação Gaúcha de Microcervejarias (AGM) existe desde 2009. A entidade, que possui cerca de 100 associados, acompanha o desenvolvimento do setor e ressalta que a história começou no bairro Anchieta, nas imediações do Aeroporto Salgado Filho.
Porém, em função da infraestrutura limitada e da ausência de espaço para o recebimento de pessoas, os empreendimentos migraram para o 4º Distrito.
— As cervejarias que estão no 4º Distrito se caracterizam por terem atendimento e uma área para receber público. E temos uma lei em Porto Alegre que permite a instalação de cervejarias em espaços de zoneamento industrial, o que outros lugares do país não permitem — diz o presidente da AGM, Filipe Bortolini.
O dirigente ressalta a importância de se criar uma rota para as pessoas poderem visitar o polo cervejeiro na região. A AGM trabalha no projeto, que deve ser lançado em fevereiro, em conjunto com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo.
— As microcervejarias são muitas vezes tocadas pelo proprietário com a família. Nos eventos, são as próprias pessoas que fazem a cerveja que atendem o público. Essa interação enriquece e faz o consumidor conhecer o produto e quem está por trás dele — menciona.
A busca por uma zona estratégica
Desde 2012 em atividade, a Al Capone ocupa um armazém de cerca de 1,5 mil metros quadrados na Travessa São José, no bairro Navegantes. O estabelecimento é praticamente ao lado de locais como o Instituto Caldeira e o DC Shopping.
— Nossa primeira fábrica era em Canoas. Quando viemos para Porto Alegre procuramos uma zona na saída da cidade para facilitar o transporte, mas que também não fosse afastada dos principais pontos — conta o sócio Andrews Calcagnotto, de 35 anos.
No espaço onde as cervejas artesanais são produzidas é possível ver aproximadamente 25 tanques de aço inox, além de outros equipamentos e insumos para a fabricação da bebida. A elaboração da bebida conta com o trabalho de profissionais como o cervejeiro Wagner Rui e o supervisor André Silveira Souza. A fábrica está passando por reforma e existe um bar parceiro dos empreendedores na parte da frente. A produção é de 40 mil litros de cerveja por mês.
— Viemos em 2017 para essa zona, que era mais industrial e não tinha tantos bares. O preço do aluguel foi um fator muito determinante e procurávamos uma região para podermos nos desenvolver e termos um movimento cíclico — explica Calcagnotto.
Questionado sobre qual é o perfil de público que a microcervejaria pretende atrair, o sócio afirma não haver uma figura específica.
— A gente tenta fazer com que as pessoas experimentem a cerveja artesanal e tomem algo de mais qualidade. Nosso lema é: uma cerveja boa por um preço justo.
A Al Capone é bastante conhecida entre os consumidores de cerveja artesanal. Além de possuir fábrica própria, distribui nas principais regiões do RS e em outros Estados, como São Paulo, Maranhão e no Distrito Federal. Pode ser encontrada ainda nas gôndolas dos supermercados.
Aposta em área com potencial de desenvolvimento
Por sua vez, a Cubo surgiu em 2020 da fusão de duas cervejarias que já estavam no 4º Distrito desde 2015 — a Distrito e a Suricato. Localizada na Rua Moura Azevedo, no bairro São Geraldo, a microcervejaria ocupa um armazém de 250 metros quadrados com pé alto. Mais da metade da área é usada pela fábrica, que possui um pequeno bar na frente. O cliente pode enxergar o processo de fabricação por meio de uma parede de vidro.
— Apostamos muito na região do 4º Distrito por ser um local que ainda vai ter alterado o perfil de habitação, com novos empreendimentos e com a macrodrenagem urbana, como o Conduto Álvaro Chaves, que já melhorou bastante a situação — cita o sócio Raí Nunes dos Santos, 31, que empreende e vive na região há anos.
Na matriz está a fábrica com 20 torneiras para os clientes. A empresa vende cerveja para todo o país, com uma distribuição ativa em São Paulo. Além disso, a Cubo possui bar com mais 30 torneiras no Mercado Paralelo, dentro do DC Shopping, e abriu um outro no BarraShoppingSul, com mais 16 torneiras.
— Enxergamos o 4º Distrito como um grande potencial de desenvolvimento. Fica na entrada da cidade, com avenidas largas e há esses grandes galpões do distrito industrial — ilustra o empreendedor.
A Cubo participa muito de eventos de rua, como o conhecido Saint Patrick's Day, e chega a convidar os vizinhos da fábrica deixando bilhetinhos nas caixas de correspondências para outros eventos que promove. A capacidade de produção é de 7,2 mil litros de cerveja por mês. A questão geográfica também é citada pelo sócio.
— O 4º Distrito é a ligação de Porto Alegre com a Região Metropolitana. A entrada e a saída da cidade passam por aqui, e o aeroporto está nas nossas bordas — observa.
O perfil do público consumidor varia dos 30 aos 40 anos, além dos entusiastas de cervejas artesanais. Na sequência, aparecem os consumidores dos 40 aos 60 anos, que frequentam o bar pelo ambiente, para conversar e beber.
— O grande desafio que enxergo para o 4º Distrito se tornar um polo cervejeiro é desenvolver a indústria de turismo cervejeiro e trazer as pessoas para cá — conclui Raí, dizendo que questões relacionadas à segurança e à iluminação precisam ser melhoradas.
Veja alguns dados sobre cervejarias*
- Em 2022, o número de estabelecimentos produtores de cerveja registrados no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) era de 1.729, o que representa um aumento de 11,6% em relação ao ano anterior;
- O Brasil é o terceiro maior produtor de cerveja do mundo com mais de 1,7 mil fábricas, 1,2 milhão de pontos de venda e com uma produção superior a 16 bilhões de litros por ano;
- O RS é o segundo Estado do país com mais fábricas da bebida, apresentando 27% de seus municípios com ao menos uma cervejaria registrada;
- As fábricas estão presentes em 134 municípios do RS e atingem uma população de 6,8 milhões de pessoas;
- Em 2022, o RS chegou a um total de 310 cervejarias registradas no Mapa;
- O RS ocupa uma posição de destaque gerando 2.322 empregos diretos. Para cada emprego em uma cervejaria são criados 34 novos postos de trabalho em toda a cadeia produtiva;
- Porto Alegre é a segunda cidade brasileira com o maior número de cervejarias.
* Números da Associação Gaúcha de Microcervejarias até 2022. A entidade ainda não possui os dados referentes ao ano passado