A regulamentação das feiras ecológicas de Porto Alegre reacendeu um debate entre produtores e o poder público municipal. Recentemente, a prefeitura protocolou o projeto de lei 037/2023, sob a justificativa de que as "legislações se encontram defasadas e não contemplam as necessidades contemporâneas".
A legislação proposta prevê editais de seleção publicados pela prefeitura para selecionar feirantes e decreto municipal para definir organização, estrutura e funcionamento das feiras ecológicas, o que muda o atual cenário, em que o Conselho de Feiras é responsável pela organização e seleção das bancas - a autogestão defendida pelos comerciantes.
Atualmente, sete feiras estão em atividade na Capital, sendo promovidas em seis bairros: Auxiliadora, Bom Fim, Lindóia, Petrópolis, Três Figueiras, Tristeza. Elas consistem na comercialização de produtos orgânicos certificados pelo Ministério da Agricultura, seguindo uma linha agroecológica, com enfoque na preservação do meio ambiente.
Segundo o secretário municipal de Governança Local e Coordenação Política, Cássio Trogildo, se trata de uma atualização da norma hoje em vigor.
— A legislação que se aplica, que é a dos ambulantes, não é apropriada para regular a atividade dos feirantes, que não são ambulantes. Até então, havia uma instrução normativa. Agora, estamos transformando em uma lei permanente, duradoura, em que é garantida a autogestão dentro dos limites de cada responsabilidade - afirma
Em entrevista a GZH, Trogildo argumentou que sempre houve um amplo diálogo com a categoria, que teve a maior parte das reivindicações atendidas, incluindo garantias como a sucessão familiar do negócio, licença de saúde e licença-maternidade.
— Nós acreditamos que chegamos a um consenso em 95% de tudo aquilo que foi debatido. Tem 5% ao final que são visões de mundo diferentes e que nós entendemos que o Executivo tem a sua forma de pensar sobre a organização.
O que dizem os feirantes
Um dos feirantes ouvidos pela equipe de reportagem, Edmilson dos Santos, é agricultor familiar e membro do Conselho das Feiras Ecológicas de Porto Alegre. Ele atua junto à feira do bairro Menino Deus, onde aproximadamente 150 famílias têm seus produtos expostos em 41 bancas, e faz parte de grupo que tenta regulamentar a atividade desde 2012.
— O secretário afirma, equivocadamente, que sua proposta foi amplamente discutida com os agricultores. O que ele fez, de fato, foi buscar conversar com grupos isolados de produtores, dentro de interesses específicos, desconsiderando completamente o Conselho de Feiras Ecológicas de Porto Alegre - critica.
Edmilson ressalta que a intenção é continuar trabalhando em parceria com a prefeitura, não se sujeitando a uma "estrutura vertical de comando", com "domínio absoluto do poder público municipal".
— Não queremos um instrumento legal que determine como devemos executar nossas atividades, pois isso já fazemos há mais de 30 anos - declara o feirante.
A agroecologista Franciele Bellé afirma que o artigo 22 do projeto de lei, que estabelece que "a organização, estrutura e funcionamento das feiras ecológicas serão definidos através de decreto municipal", coloca a atividade em risco.
— Os decretos podem ser modificados conforme a conveniência dos gestores municipais. Uma lei não deveria ser para se pensar só nos quatro anos de governo, mas para uma vida. Sem saber quem vai estar ali decretando, isso nos traz bastante preocupação.
Já no artigo 23, Bellé observa que o Conselho de Feiras chega a ser mencionado, mas sem qualquer garantia de que a vontade dos produtores será levada em consideração.
— Fala que compete ao Executivo "estabelecer normas de funcionamento dentro dos critérios de conveniência e oportunidade, ouvidas as comissões das feiras ou o Conselho das Feiras Ecológicas". Não fala que será respeitado o que for dito pelas comissões ou pelo conselho. Simplesmente, que serão ouvidos. Podemos perder muito, com uma desconfiguração do modelo criado há 34 anos e com uma perda de identidade irreparável.
Discussão continua na Câmara
Na justificativa do PL 037/2013 (clique aqui para acessar), o município destaca que um dos objetivos da proposta é reforçar o caráter cultural da atividade, que promove a relação comercial direta entre consumidor e agricultor, "resgatando nesses dois elos suas responsabilidades na preservação e na conservação da vida e da saúde".
Durante a entrevista, o secretário municipal informou que a prefeitura está atenta ao setor e que estão sendo selecionados, através de edital, seis feirantes para recomposição das bancas vagas na Feira Ecológica da Tristeza, na zona sul da Capital. De acordo com Trogildo, os espaços haviam sido desocupados por agricultores que desistiram, se aposentaram ou estavam com dificuldades de produção.
Cássio Trogildo esclarece que, apesar do canal de diálogo permanecer aberto, o debate deve se concentrar, a partir de agora, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Antes da matéria ser colocada em votação, está prevista a realização de uma audiência pública - já solicitada pelo líder do governo no Legislativo.