Uma guarita e uma estrutura metálica isolada chamam atenção em meio a uma área de vegetação na Avenida Senador Tarso Dutra, 422, em Porto Alegre. Um vigilante faz a segurança do local, porque há ali uma fonte de água mineral. O terreno é onde será construído o Shopping Belvedere, que ainda não tem previsão de inauguração.
A existência da fonte não é novidade. Há 25 anos, ela virou motivo de um conflito de interesses entre a empresa LVP Mineração Ltda e a Condor Empreendimentos Imobiliários S/A, a proprietária da área. Pela legislação, a propriedade de minérios, incluindo a pesquisa e a exploração, cabe à União. Por isso, é de responsabilidade federal a concessão ou autorização da prática da exploração da fonte, mesmo que em propriedade privada.
Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), a LVP teve autorização para realizar uma pesquisa na região, fase que iniciou em 2002 e durou dois anos. No dia 31 de dezembro de 2004, a empresa fez o requerimento de lavra, que é o pedido para instalação de um empreendimento de água mineral. No entanto, a solicitação está paralisada no órgão federal desde então, porque não houve consenso entre as companhias.
Em nota, a diretora-executiva da LVP, Veronica Della Mea, afirma que "o projeto não foi implantado por falta de autorização do proprietário do solo, que é pré-requisito para que seja obtida a Licença Ambiental e a posterior Concessão de Lavra".
A LVP entrou na Justiça tentando conseguir a posse sobre a área da fonte, mas perdeu a causa. Em resposta a GZH, a diretora diz que "espera que o aquífero seja preservado e segue com expectativa de que os envolvidos possam reavaliar a implantação de um projeto que agregaria tanto à comunidade, inclusive mantendo o local da fonte resguardado e protegido por quase 20 anos".
GZH procurou a Condor Empreendimentos Imobiliários S/A, que também se manifestou por nota através da empresa Belvedere Participações Ltda. A empreendedora do shopping alega que "a lavra é proibida pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU)" e que atualmente está implantando a infraestrutura (do shopping) conforme projetos aprovados e licenciados pelas autoridades municipais". Perguntada se a questão afetaria a construção, a empresa limitou-se a dizer que "não compromete em nada" e que "nenhuma construção que vier a ser edificada na superfície poderá afetar a 'fonte'".
Buscando um consenso para a questão, a ANM diz que tentou facilitar o diálogo entre as empresas no ano de 2020, mas não teve sucesso. A agência afirma que em 2006 foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com a participação do Ministério Público (Federal e Estadual), da empresa Condor, da prefeitura de Porto Alegre e do antigo DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral, hoje substituído pela ANM).
O termo foi encerrado em junho de 2020, em comum acordo entre as partes, com o compromisso de um monitoramento periódico da qualidade da água do aquífero pela autarquia federal e com a emissão da licença ambiental pela prefeitura de Porto Alegre para a implantação do Shopping Belvedere.
A ANM explica que a área de proteção de uma fonte de água mineral tem a função de delimitar o local onde deve haver um cuidado especial para evitar possíveis contaminações do aquífero. Segundo a autarquia, qualquer intervenção subterrânea, escavação ou construção de porte significativo dentro dessa área de proteção deverá ter garantias de que não haverá riscos à fonte. Em razão disso, o termo buscou estabelecer as medidas a serem tomadas pela empresa Condor, para garantir que, durante a construção do Shopping Belvedere, fossem tomadas medidas de controle e proteção do poço perfurado.
O que diz a prefeitura
A Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus) confirma que não tramita na prefeitura processo de licenciamento ambiental para exploração de água mineral, apenas o projeto para licenciamento urbanístico do empreendimento imobiliário Shopping Belvedere, dividido em etapas.
Caso houvesse a concessão de lavra pela ANM, caberia à pasta a análise do pedido de licenciamento da atividade de engarrafamento de água. No entanto, a avaliação só pode ser feita após o encaminhamento da documentação, por parte do interessado, a empresa LVP. A partir disso, o Plano Diretor é verificado para consultar a permissão de acordo com tipo e porte da atividade.
O projeto do shopping
Conforme noticiado pela colunista Giane Guerra em março deste ano, o Shopping Belvedere começou a sair do papel após mais de duas décadas, com a poda de vegetação no terreno. O empreendimento terá enfoque em operações de serviço, além do varejo.
A reportagem de GZH esteve no local durante a tarde do dia 1º de agosto. Não havia movimentação de obras no terreno, mas moradores da região relatam que parte da vegetação foi removida.