Os segredos do chaveiro Édison da Silva Santos, 63 anos, são facilmente desvendados: reggae e bom humor são a chave da vitalidade dele. Dono da banca mais animada do bairro Santo Antônio, ele faz a conexão Porto Alegre-Jamaica diariamente através do rádio, ligado a todo volume no portão de entrada do comércio. O aparelho embala a dança do trabalhador em frente ao torno, no pequeno pátio e na calçada da Rua Luiz de Camões, entre a São Luís e a Bento Gonçalves — performance que tem até touca rastafári cobrindo os falsos dreads da velha peruca. O artista mais tocado nos shows, obviamente, é Bob Marley.
— Sou fã pelo que o Bob diz. Eu não sei nada de inglês, mas captei a mensagem pelos clipes na TV: fazer o bem, cuidar da natureza e tratar bem os irmãos — lista, na análise irretocável.
Na manhã desta segunda-feira (2), a reportagem de GZH acompanhou a rotina do chaveiro/dançarino. A banca no movimentado cruzamento da Capital chama atenção de motoristas e passageiros, principalmente crianças que são levadas a escolas da região no início do dia. Os estudantes baixam o vidro e acenam para o dublê de astro dos palcos.
— O cliente diz que voltou aqui porque o filho falou “pai, me leva no chaveiro do reggae” — se diverte.
O empresário Maurício da Silva Pinto, 37 anos, confirma que o reggae toca o dia inteiro, mas diz que a trilha sonora não incomoda a vizinhança ou quem transita pelo quarteirão. Myrella Centeno, 26 anos, classifica o comerciante como “uma atração à parte”.
— É a vibração que a gente precisa para começar o dia. Eu levo minha irmã pra aula, e a gente se sente mais segura com ele aqui também — afirma, contornando a quadra.
Bob Marley em todo canto
A “casinha”, como Édison chama o ponto, é colorida e decorada por quadros de Bob Marley. Nas grades azuis que protegem a banca, foram pendurados materiais que tinham como destino a lata do lixo: óculos quebrados, o quebra-sol de um automóvel, um globo de discoteca e peças de eletrodomésticos. Vasilhames estão preenchidos por tampas de garrafa PET e guarda-chuvas quebrados aguardam conserto.
— De dois guarda-chuvas quebrados eu faço um bom e dou pra quem precisa. As tampinhas também vão pra doação — diz.
Há 42 anos na profissão, o chaveiro passou de uma improvisada loja de consertos dentro de uma Kombi a duas bancas na mesma região em que atua hoje. O ofício foi ensinado por um tio e pelo dia a dia no manuseio das fechaduras.
— Só não faço essas codificadas, porque não mexo em computador — pondera.
A aposentadoria deve sair em breve, mas só no papel, garante.
— O advogado tá fazendo o processo (no INSS), mas enquanto tiver saúde eu vou seguir aqui. É o que me mantém ativo, mantém sem pensar besteira. E é uma troca, eu dou e recebo alegria, principalmente das crianças.
Maluco de cara
Santos garante ser “um maluco de cara”, eufórico por natureza. Porém, um estereótipo relacionado aos fãs de Bob Marley leva parte dos clientes a confundirem tamanha empolgação.
— Não caí nessas de usar droga a vida toda, não vai ser agora que vou me perder — se defende.
O semblante sorridente, no entanto, fecha por alguns instantes quando a dependência de um outro químico é posta em pauta.
— Faz cinco anos que eu não bebo nada de álcool. Antes, eu pegava o dinheiro do cliente e já ia direto pro boteco beber cachaça. Hoje eu não entro mais em bar pra não correr o risco — relembra.
Esposa não suporta reggae
O morador do bairro Guarujá, na Zona Sul, vai às praias de Ipanema com o rádio sobre o ombro, rodando o mesmo pen drive que toca Bob Marley na banca.
— Eu já o encontrei no supermercado com o rádio, sempre feliz da vida — diz Tatiana Amaro, que ouviu a história do vizinho na Rádio Gaúcha.
Quando Édison chega em casa, ao fim do dia, Bob Marley é silenciado. Segundo o chaveiro, a esposa não suporta o ritmo.
— Minha nega é braba — sorri, voltando à dança de No Woman No Cry.
Ouça a entrevista com Édison da Silva Santos, no programa Gaúcha Hoje desta segunda-feira (2):