Vai ter samba no aniversário de Porto Alegre. E pop rock e MPB e pagode e sertanejo e hard rock nos palcos, bares e pelas calçadas também. Depois de dois aniversários marcados por silêncio, os 250 anos da Capital serão celebrados com gente na rua neste sábado (26) — e uma vontade represada de viver a cidade.
Com o arrefecimento da pandemia da covid-19, a impressão que dá é que Porto Alegre renasce. E quem esperou a terceira dose da vacina para retomar a vida social encontra uma cidade bem diferente daquela de 2020: muitos negócios não resistiram à crise sanitária e econômica gerada pelo coronavírus, é verdade, mas novidades surgem em ritmo acelerado.
Somente no 4º Distrito, há pelo menos 10 bares novos para conhecer. Aberto há 10 meses, o Cais Embarcadero já ampliou de 13 para 28 o número de operações, e a Cidade Baixa se reinventa com espaços culturais e gastronômicos. Até mesmo um eixo entre os super-residenciais Bela Vista e Petrópolis tem ganhado status de polo boêmio.
— A cada semana, tem coisa nova na cidade. Dá mais vontade de viver aqui — comenta a jornalista Natália Blumberg, 34 anos, dividindo um vinho com amigas na Dinarte Ribeiro, novo point do Moinhos de Vento.
Os shows também voltaram com tudo. O Kiss vem à Arena do Grêmio no mês que vem para sua turnê de despedida, e o Maroon 5 se apresentará na Fiergs. Em maio, será a vez da banda de hard rock Metallica.
A Opinião Produtora mais do que dobrou a oferta de eventos, segundo o sócio-diretor Rodrigo Machado. Depois de amargar “um filme de terror” na pandemia, a empresa voa atrás do prejuízo: passou de aproximadamente 40 shows em processo de venda antes da pandemia aos cerca de 90 sendo divulgados hoje, somando a programação do Auditório Araújo Vianna, do Pepsi On Stage e do Bar Opinião.
— Não temos mais data boa livre para o primeiro semestre e é difícil encontrar para o segundo semestre. É um show bombado atrás do outro — destaca Rodrigo Machado.
Nos próximos 30 dias, a Opinião Produtora trará Skank, Paralamas do Sucesso, Gloria Groove, Fábio Júnior, Marina Senna e Fresno a Porto Alegre. E a recepção tem surpreendido. Com a turnê Meu Coco, Caetano Veloso vendeu todos os ingressos. Abriu-se uma segunda data, também esgotada, e agora se vende lugares para a terceira, no mesmo final de semana.
Machado enxerga uma “sede grande por cultura e diversão”.
— As pessoas querem se abraçar, querem conviver, querem sorrir novamente — afirma.
Samba, esporte e roller
Tem gente fazendo tudo isso toda semana na Travessa dos Venezianos. A região, que foi um dos berços do Carnaval de Porto Alegre, volta a ser palco para o samba e de outras manifestações artísticas, por iniciativa de bares que ocupam as casinhas coloridas da ruela.
O bar e espaço cultural Guernica realiza “serenatas invertidas” ali — os músicos ficam dentro do imóvel e se apresentam por uma janela para o público na travessa.
— A gente vem tentando fazer movimentos de rua, partimos da ideia de que as ruas devem ser ocupadas — destaca o sócio Leonardo Serrat.
O esporte também tem sido um meio importante de o porto-alegrense ocupar espaços públicos. Especialmente a partir dos trechos revitalizados da orla do Guaíba — as quadras esportivas são usadas até tarde da noite.
O professor de patins Emerson Oliveira Gomes, conhecido como Som, organiza passeios noturnos de pelo menos 10 quilômetros pela cidade. O grupo TopRoller RS já existia antes da pandemia, mas, nos últimos dois anos, ficou gigante. Passou de umas 60 para mais de 300 pessoas.
— O pessoal ficou muito tempo em casa e decidiu procurar esporte ao ar livre — conta Som, destacando que o público é diverso: — Patina com a gente brigadiano, anestesista, advogado, nutricionista. Tem gente que vem de Capão da Canoa, já vieram de Tabaí (no Vale do Taquari).
Quando me vi de patins na Ipiranga indo para a Lima e Silva, de noite, a sensação foi de liberdade e de pertencimento à cidade onde eu fui criada. É como se fosse tudo nosso naquele momento
CELISA CORRÊA
Promotora publicitária
Pode ser que você já tenha visto os TopRoller patinando fantasiados ou de pijamas, algumas brincadeiras que fazem para tornar “as bandas” ainda mais divertidas. A promotora publicitária Celisa Corrêa, 35, certamente estava no meio deles, revisitando um hobby de infância. De brinde, descobriu uma conexão nova com Porto Alegre:
— Quando me vi de patins na Ipiranga indo para a Lima e Silva, de noite, a sensação foi de liberdade e de pertencimento à cidade onde eu fui criada. É como se fosse tudo nosso naquele momento.
O que tem de novo...
Pelo 4º Distrito
Da mesa do happy hour dá para ver os tanques de fermentação da cerveja Alcapone. Aberto no ano passado, o Alcabar simboliza uma tendência do 4º Distrito: explorar as fábricas de cerveja da região e convidar a clientela para “beber direto da fonte”, como destaca o gestor do bar, Felipe Boni, 34. Vai ao encontro da pregação em giz na porta de ferro da entrada: “A fonte nunca secará”.
No cardápio, as cervejas da casa e a parrilla são estrelas. A decoração explora a atmosfera industrial da região, mantendo as esquadrias metálicas de galpão e o chão de cimento. A fábrica já existia há cinco anos no galpão da Travessa São José, no bairro Navegantes, na Zona Norte, e a vontade de abrir um bar ali deve ser da mesma época.
— A ideia foi freada pela pandemia, mas, em junho, julho, com sinais de reabertura, decidimos encabeçar. A nossa percepção é de que havia uma demanda reprimida muito grande por lazer, o pessoal queria muito sair — conta Boni.
Uma dessas pessoas era o desenvolvedor de softwares Felipe Neves Ricardo, 26, que ficou “supertrancado” durante a maior parte da pandemia. Foi só após a terceira dose da vacina que se sentiu à vontade para sair.
— O cara desaprendeu a socializar, tem que retomar a prática. E bebendo, ajuda — ri.
A uma quadra dali, junto ao DC Shopping, foi inaugurado em janeiro o food market Mercado Paralelo. A novidade juntou um bar com 30 torneiras de cervejas artesanais produzidas pela Cubo Cia Cervejeira, o restaurante de comida mexicana Pueblo, a pizzaria Lazca, o café Startt & Brothers, versões do Complex Skatepark e do 20barra9 e outros estabelecimentos conhecidos do porto-alegrense.
As pessoas estão enlouquecidas. Acaba aqui e alguém já pergunta: pra onde a gente vai agora?
LUÍZA BRITZKE
Head de comunicação e marketing
— É um espaço que tem a conveniência de múltiplas escolhas. Se no mesmo grupo um quer um hambúrguer, o outro quer pizza, o outro, carne, tem tudo aqui. E ainda tem a programação bem ativa de shows ao vivo e discotecagem de DJ — conta o sócio Emiliano Jobim.
Nascida no Humaitá, Luíza Britzke, 24, head de comunicação e marketing, vive pela primeira vez uma cena noturna perto de casa. Formou um grupo de happy hour com outros trabalhadores do Instituto Caldeira, que fica na outra quadra, e se descobriu uma “inimiga do fim”:
— As pessoas estão enlouquecidas. Acaba aqui e alguém já pergunta: pra onde a gente vai agora?
Pubcrawl
A região recebeu a primeira edição do Festival Quarto Poa em novembro, com shows e atrações simultâneas em 13 bares diferentes, e, há duas semanas, sediou a maior festa de Saint Patrick’s de Porto Alegre, com público previsto de 10 mil pessoas.
Por trás dessas iniciativas, está o hub criativo Quarto Poa, que busca fomentar o empreendedorismo na região. A última inventada por eles é um pub crawl, um tour por bares feito em grupo, em parceria com o Viva+POA.
O tour passa por quatro bares, cada qual com um “game” e um objetivo: no primeiro, se quebra o gelo com um jogo entre equipes; no segundo, há segredo individual; no terceiro, uma dança coletiva. No último bar, vira festa.
— É uma forma de as pessoas se conhecerem além do Tinder — conta o fundador do hub, Wayner Bechelli.
A brincadeira custa R$ 110, incluindo alguma bebida em todos os bares e ingresso para festa no Cortex, ao final.
Junto ao Guaíba
Aberto em maio do ano passado, o Cais Embarcadero mais do que dobrou o número de operações desde então. Comparado com o Puerto Madero, de Buenos Aires, e outros cais revitalizados mundo afora, o complexo tem de comida italiana a peruana, de xis a frutos do mar — passando por pizza, carnes e sorvete preparado na pedra gelada.
A última novidade anunciada é uma unidade do Fuga Bar. Um dos galpões do Armazém A7 está sendo reformado para receber o negócio de vocação musical — shows de jazz, blues, hip hop, rock, música popular brasileira e rodas de samba são algumas das promessas.
— Surgimos também como um palco de reforço para acolher artistas e bandas gaúchas, dando espaço para músicos já consagrados e para aqueles que ainda estão formando seus públicos — acrescenta o empresário Gustavo Sirotsky, um dos sócios do novo negócio.
Em seu espaço interno, o Fuga no Embarcadero terá capacidade para receber até 300 pessoas. A operação ainda se estenderá pelas calçadas, ocupando a área em frente ao armazém e uma parte do chamado Beco do Cais.
O primeiro Fuga foi fundado em 2019 em um galpão do 4º Distrito, região outrora industrial. Para Sirotsky, não existia lugar melhor na cidade que o Embarcadero para criar uma segunda unidade:
— Fez todo o sentido levar essa atmosfera do Fuga para dentro do Cais, ainda mais quando se identificou a viabilidade de ser dentro do Armazém A7.
As obras estão na reta final, com a preocupação de “preservar ao máximo o DNA do armazém”, destaca Sirotsky. A abertura deve ocorrer em abril.
Pela Cidade Baixa
Basta caminhar pelas ruas do tradicional reduto da boemia da Capital para perceber que ele vibra de um jeito novo. Bares temáticos e alguns dos mais tradicionais fecharam as portas, mas tem bastante lugar novo para conhecer na Cidade Baixa.
Na Rua Sarmento Leite, uma boa pedida é provar os chopes artesanais tirados na hora das 18 torneiras existentes no Bar Baldhead, aberto no bairro em 17 de novembro de 2021. O gerente Fábio Ribeiro, 27, detalha que 15 torneiras oferecem chope de fabricação própria, e as outras três são de marcas convidadas.
Além da variada oferta de marcas de cervejas, o lugar oferece petiscos, com destaque para as iscas de carne acompanhadas por batatas fritas. E a pizza servida no Baldhead também é bastante procurada por gente de fora.
Localizado mais para o meio do fervo do bairro, uma opção para passar a noite é o Imaculada (Rua da República, 367). Com mesinhas intimistas na calçada, o bar possui 23 torneiras de cerveja, sendo 90% de produção própria. Trata-se de uma franquia, pois a cervejaria existe desde 2012 e fica em Caxias do Sul.
— Abrimos o bar em fevereiro de 2020, um mês antes de estourar a pandemia. Tivemos de negociar o aluguel do imóvel com o proprietário e as dívidas com os fornecedores para superar o período fechado. Nos primeiros meses, nem abrimos a cozinha. Por cerca de oito meses, vendemos no sistema pague e leve — recorda a gerente Bianca Damasceno, 25.
Caminhando adiante pela Rua da República, outra novidade pode ser visitada. A Alameda República, 574, lançamento da Melnick, possui mesinhas e cadeiras ao ar livre em um espaço ao qual se chega após cruzar uma espécie de pórtico e passar por um leve corredor inclinado. Os muros no entorno exibem desenhos coloridos. O público encontra a Pazza Pizza Street, a Soul Dogs Beer e a Buddha Burger. Ali o forte são os hambúrgueres veganos, além de cervejas artesanais.
Pelo Bela Vista
Em letreiro emendado de luz neon, ocupando boa parte da parede, uma frase emprestada do filme Campo dos Sonhos virou mantra para o bar 4Beer: “Se você construir, eles virão”.
Eles vieram ao 4º Distrito, onde o bar foi fundado em 2016, e vieram também aos três novos endereços abertos durante a pandemia, no Menino Deus, no Moinhos de Vento e ali no Bela Vista.
Com quase 30 torneiras de cerveja, o bar é um dos endereços que tornaram o eixo entre as ruas Passo da Pátria, Barão de Ubá e Neusa Goulart Brizola um polo boêmio. Reportagem publicada em fevereiro em GZH mostra que a quantidade de bares, cafés e restaurantes se multiplicou nessa região, com foco principal na própria vizinhança.
O diferencial do 4Beer está na ampla parte externa, com mesas de madeira, chão de brita e cordão de lâmpadas pendurados entre as árvores.
— A gente notava que em Porto Alegre tinha pouca oferta de bares ou restaurantes com um ambiente externo. Os empresários têm medo do inverno, mas é um período curto. E se torna algo seguro e aconchegante — conta o sócio Caio de Santi.
Porto Alegre ano 250
Porto Alegre completou 249 anos em 26 de março de 2021. Para o Grupo RBS, a data também marcou o início da contagem regressiva para os 250 anos, que são completados neste sábado (26). Assim, têm sido publicados mensalmente em Zero Hora e GZH, até o aniversário de quarto de milênio da Capital, conteúdos que abordam aspectos fundamentais na tentativa de entender a formação de a identidade porto-alegrense. As reportagens tratam da Porto Alegre das ruas, das pessoas, do futuro, da cultura, do empreendedorismo e das paixões. Esses conteúdos lançam um olhar para trás, como forma de compreender o que nos trouxe até aqui, retratam o presente e projetam o amanhã da Capital, sempre com foco voltado a aproximar nosso público da cidade que escolheu viver.
Foi exatamente ali que o servidor público Isaac Luiz Ribeiro Oselame fez sua festa de aniversário de 36 anos com uns 30 convidados na quarta-feira passada (16). Comemorou a data com amigos depois de três anos — passara a pandemia isolado no Litoral Norte com os pais.
— É bom voltar para Porto Alegre pra viver a vida social. Foram dois anos sentindo falta disso — desabafa.
No Moinhos de Vento
Bairro com vocação gastronômica, o Moinhos de Vento também não ficou parado durante a pandemia. E a rua que se consagrou como novo point é a Dinarte Ribeiro, perpendicular à badalada Padre Chagas.
Recentemente, o Destemperados listou alguns dos destaques da via, incluindo o Eat Kitchen e sua “nova forma de pensar em comida saudável”, a Vineria 1976, que ganhou um espaço novo e bem maior, os gelatos italianos da Gelateria Gianluca Zaffari, recém-chegados à região.
Eu não esperava que fossem abrir tantas coisas novas. Está certo que muitos lugares fecharam, mas choca o peitaço que tantos empreendedores deram. Tem muita coisa nova em Porto Alegre
RENATA VIVIAN
Quase na esquina com a Barão de Santo Ângelo, o Mesa Bar e Restaurante abriu as portas em outubro de 2020. O sócio João Felipe Justo, 31, não enxerga os outros restaurantes como concorrência.
— A gente compõe um destino da cidade. A pessoa pode vir, parar o carro e escolher o que quer, se sentido segura com esse movimento — destaca.
A comida italiana é o forte da casa, e o drinque que tem o nome da casa não poupa em ousadia: leva uísque irlandês, xarope de maple, limão siciliano e shrub de cenoura. Elementos industriais e parede de tijolos à vista se aliam a quadros e tapetes trazidos da casa dos donos para dar uma sensação de aconchego na parte interior, e o charme da Dinarte garante também um bom público nas mesinhas da rua.
Citada no começo dessa reportagem, a jornalista Natália Blumberg ocupava um balcão na parte externa com as amigas Renata Vivian, 33, Juliana Ulbrich, 32, e Bruna Salazar, 32 anos. Elas relatam que ainda têm alguma cautela com relação à vida social porque a pandemia não acabou. Mas a vontade de explorar a cidade só cresce, assim como o roteiro de lugares a conhecer.
— Eu não esperava que fossem abrir tantas coisas novas. Está certo que muitos lugares fecharam, mas choca o peitaço que tantos empreendedores deram. Tem muita coisa nova em Porto Alegre — diz a administradora Renata.
* Colaborou: André Malinoski