Prestes a completar 25 anos de fabricação, uma caminhonete Fiat Fiorino branca carrega a idade em marcas na lataria. A pintura não chega a reluzir, mas isso é o de menos para Carlos Alexandre Reis, 38 anos.
– É meu orgulho. Comprei vendendo bergamota na sinaleira, e ela leva minhas coisas para cima e para baixo - conta, sorridente, sobre a "companheira".
Morador da Vila Esmeralda, o porto-alegrense transpira no semáforo das avenidas João de Oliveira Remião e Bento Gonçalves, bairro Agronomia. Vende pão caseiro assado pela esposa no início do dia, e frutas como bergamota e pitaia quando o horário do almoço se aproxima. À tarde, uma nova fornada é buscada em casa, e o autônomo retorna à sinaleira até o início da noite.
Em uma hora de conversa com a reportagem - dividida em dois dias, para o trabalhador dar conta de atender ao público -, ficou evidente a amizade entre o vendedor e os condutores que passam pelo mesmo cruzamento todos os dias.
– Eu compro sempre, é muito bom - afirma o empresário Juliano lima, 37 anos.
O pão tem cerca de 300 gramas, e custa R$ 5.
Enquanto o marido corre entre os automóveis, aproveitando a pausa no trânsito pelo sinal vermelho, Mirian de Abreu Alves continua a sova da massa manualmente. Com três filhos para sustentar, o casal sonha em ter uma batedeira industrial, mas as necessidades do dia a dia impedem a aquisição da máquina.
Mirian produz de 70 a 90 pães por dia. Cada leva vai ao forno a gás com no mínimo 18 unidades.
– O gás está muito caro. Não vale a pena assar com menos. Por isso eu queria muito um fogão industrial elétrico - afirma.
A ideia de produzir o alimento surgiu de uma necessidade: ela foi demitida após o nascimento do filho mais novo. Sem qualquer renda, buscou tutoriais no YouTube e aprendeu o ofício. Há dois anos, o companheiro largou a profissão de entregador ao perceber a qualidade do que era produzido pela mulher, afirma.
Comunicativo, Carlos demonstra a lábia de um bom negociador.
– Eu não tive estudo, mas tudo que aprendi na vida me faz ser melhor, às vezes até do que muitos que são formados - repete.
Desde que a pandemia de coronavírus começou a ceifar empregos, diz ter percebido aumento no número de pessoas que pedem ajuda na rua. A ele, imploram pela chance de vender seus produtos, em troca de qualquer comissão - quando pode, garante compartilhar o lucro com os ajudantes espalhados pela avenida de chegada e saída da Lomba do Pinheiro.
A falta de ensino formal não o deixa distante das notícias. Pelo telefone celular - sem acesso à internet, mas com sinal FM -, escuta a Rádio Gaúcha desde o amanhecer.
– A fonte da informação - diz, repetindo o slogan da rádio em entrevista ao programa Gaúcha Hoje, na manhã desta quarta-feira (28).
Por vezes, o vendedor chega em casa depois das 21h, esgotado. Antes, passa no culto, local em que agradece as vitórias do dia. E aproveita para negociar mais uma vez:
– Meu Deus, me ajuda a ter uma grande fábrica de pães, para levar o alimento para mais gente.
Ouça a participação no programa Gaúcha Hoje, na Rádio Gaúcha: