O lar provisório da família de Maurício Ferreira Paim tem mais de 20 troféus. As premiações, no entanto, não contemplam as vitórias almejadas pelo jardineiro de 30 anos.
– Quero terminar de construir a minha casa e sair daqui – resume.
Eles vivem na copa do campo de futebol de várzea Nova Gleba, no bairro Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre. O local de acolhida foi ocupado após a perda da casa, em um temporal ocorrido no mês de julho. Primeiro, uma parede foi arrancada pelo vento. O piso também cedeu, e o casal abandonou a residência com os três filhos, levando apenas a roupa do corpo.
A bebê tinha um mês de vida quando a construção começou a ruir. As crianças maiores, 8 e 9 anos. Dias após deixarem a casinha de madeira, o resto da estrutura veio abaixo.
No bar do saguão da quadra esportiva, os moradores dividem o chão com dois freezers e três geladeiras, eletrodomésticos que pertencem à administração do espaço. Em uma mesa, os canecos dourados e prata têm a companhia de chocalho, bonecos de super heróis e roupas infantis. Os móveis da família foram danificados pela chuva e viraram sucata.
– Mal tenho dois colchões para os meus três filhos e minha esposa – diz o jardineiro, apontando para os cobertores em que dormem o menino e a menina mais velhos.
A liberação do esporte amador, que havia sido suspenso com a série de medidas de combate ao coronavírus, trouxe o público de volta ao local, que passou a ser insalubre como lar.
– Eu conheço o Maurício desde criança. Como ele ficou em dificuldade, cedemos o local como ajuda. Mas agora os jogos voltaram - explica o serralheiro Jorge Furtado, 53 anos, administrador do campo.
Maurício se diz grato aos administradores do campo e mostra compreensão com o retorno das atividades. Mas está incomodado de seguir no espaço, agora frequentado por jogadores aos finais de semana. O desejo, reafirma, é finalizar a obra iniciada há mais de dois meses, no mesmo terreno onde vivia, aos fundos da casa da sogra, e, com isso, dar o conforto que os filhos merecem.
– A gente é forte. O difícil é para eles. Tudo na minha vida eu faço por eles. São minha alegria, minha vida - afirma.
O pedreiro contratado ainda não foi pago, pois a máquina de cortar grama usada pelo jardineiro está estragada. O campo que hoje é seu jardim, não tem qualquer mato aparente, e foi cuidado com esmero pelo trabalhador quando o equipamento funcionava a pleno - a profissão, aliás, é definida como prazerosa, ocupação que ele não pretende abandonar.
A história da família que tem da janela do bar a vista do gramado foi contada na manhã desta terça-feira (27), ao vivo, na Rádio Gaúcha. Em menos de uma hora, 10 ligações foram recebidas, e um número ainda maior de mensagens chegaram ao WhatsApp (51) 98489-2431. Outro contato para ajuda é (51) 98227-6859.
Um dos ouvintes da Gaúcha exibiu um comprovante de depósito: R$ 450. Com pedido para não ser identificado, ele diz ter se unido a um amigo para alcançar o valor.
– Se cada um fizer um pouquinho, essa corrente do bem se multiplica. Que a nossa atitude motive mais gente a ajudar o próximo - escreveu, pelo Twitter, em mensagem privada.
Ao ver o marido ao telefone, a esposa de Maurício - e mãe das crianças - Tainá Garcia Rodrigues, 27 anos, alarga o rosto em um sorriso escondido pela máscara.
– Deus abençoe essas pessoas. Só tenho a agradecer. Sempre tivemos sorte onde a gente trabalha. Bate palmas e o pessoal nos da o que precisamos - diz a jovem.
Uma das pessoas que organizou uma campanha na comunidade, já responsável pela compra de materiais de construção, é uma cliente. Fernanda Pedri, 50 anos, contrata os serviços de poda de galhos e de cuidados com o jardim há cerca de três anos. Ela classifica Maurício como “pontual” e “muito educado”. No meio do ano, a primeira falha nos serviços ocorreu, e ela estranhou.
– Ele ficou um tempo sem vir, fiquei preocupada. Quando apareceu estava com aparência abatida, mais magro. E contou que havia perdido a casa - diz.
O imóvel não tem, ainda, portas e janelas para serem instaladas. Para a cobertura, faltam algumas telhas. O que provoca ainda mais preocupação a Fernanda é a chuva que atinge a Capital, instabilidade que retornou à Região Metropolitana na última segunda-feira (26).
– Ele precisa de dignidade, voltar para casa todos os dias e ter a família mais bem amparada - finaliza.
O jardineiro se despede da reportagem com uma série de agradecimentos. E promete: irá receber os amigos já na nova casa, nos próximos dias. Um desejo compartilhado.