Para evitar demissões em massa, as empresas de ônibus buscam ideias para redistribuir os cobradores em outras funções. É o caso, por exemplo, de Cachoeirinha, onde a empresa Transbus mantém um curso para a formação de motoristas, principal função para a qual são transferidos os profissionais.
Atualmente, há 12 cobradores inscritos. São profissionais que já eram habilitados e tinham curso obrigatório do Sest/Senat. Outros cinco foram reaproveitados em áreas como fiscalização ou atendimento ao público.
— Tínhamos algumas vagas abertas e não buscamos no mercado profissional para eles serem recolocados. Estamos aproveitando esse pessoal internamente. Quando começaram as mudanças, há cerca de seis meses, abrimos processo de demissão voluntária. Houve algumas demissões também, mas buscamos reaproveitar a maior parte — conta o gerente operacional da Transbus, Clíferson Pelisson.
No município, há cinco linhas que circulam diariamente. Nos horários de pico, cerca de 20% das viagens mantêm cobradores; nos demais horários, 100% circula sem os profissionais. Aos domingos, o atendimento é feito com micro-ônibus.
— A situação ficou bem complicada. Tem muita isenção, muita gente usando cartão. A empresa está fazendo redução de custos e, por isso, houve demissões — protesta o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário Municipal de Cachoeirinha, Telmo Vidal Reinaldo.
Em Canoas, o secretário Ademir Zanetti garante que o processo ocorre sem nenhuma demissão. São 51 trabalhadores inscritos desde outubro na escola de formação de motoristas da Sogal, onde aprendem sobre legislação e recebem treinamento prático. A previsão é de que eles estejam prontos para a nova função em maio de 2020.
— Canoas é um lugar diferente porque conseguimos fazer algo extremamente equilibrado. Houve uma posição do governo municipal de que poderíamos trabalhar o ajuste sem demissões. Como não demitimos ninguém e temos qualificação, estamos fazendo a roda girar, dando uma nova profissão a eles — ressalta o diretor da empresa, Marlon Casagrande.
Além de atuarem como motoristas, os cobradores trabalham na função de origem nas linhas que ainda mantêm esse tipo de atendimento. Parte dos profissionais também foi aproveitada na área administrativa.
Peter Silva, 43 anos, trabalha há seis anos como cobrador na Sogal — e sempre quis trabalhar como motorista. Há pouco mais de um mês, ingressou no curso de formação da empresa para mudar de função:
— Todo mundo quer virar motorista. A gente tem mais responsabilidade, carrega vidas, mas tem um melhor retorno financeiro. Estou ansioso.
Na terceira das seis etapas do curso, Peter divide a rotina de trabalho entre atuar como cobrador e assistir às aulas. Para ele, a retirada dos cobradores dos ônibus é um movimento que pode ser considerado normal:
— Caiu muito o movimento e o número de pessoas que paga com dinheiro. A maioria usa cartão. Eu acho que não atrapalha dirigir o veículo e receber a cobrança, desde que o ônibus esteja parado, que é o certo.
O sindicato da categoria admite que, até agora, não houve demissões.
— Os trabalhos têm sido mantidos até agora, os cobradores têm sido remanejados para outros horários. Mas o sindicato não concorda com essa mudança. Caso a gente perceba que vai haver demissão, vamos nos posicionar — diz o vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Canoas, Eloir Soldi.
Preocupação com segurança
O vice-procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul, Gilson Luiz Laydner de Azevedo, demonstra preocupação com a segurança do motorista frente às mudanças verificadas pela reportagem de GaúchaZH:
— Há a questão da segurança, de não utilizar dinheiro em espécie, mas também o desenvolvimento de uma tecnologia que não havia há 20 ou 30 anos, que é o pagamento com cartão. Por outro lado, há uma preocupação com o fato de o motorista trabalhar sozinho dentro do ônibus, o que pode levar a problemas de segurança dentro do transporte. Uma coisa é ter um companheiro de viagem, duas pessoas no mesmo ambiente, ou só o motorista.
Uma das alternativas ao impasse envolvendo funcionários e empresas é o acordo de mediação, que pode ser feito pelo MPT. Um caso recente ocorrido em Curitiba, no Paraná, previu a manutenção dos cobradores por quatro anos, com extinção gradual das funções e qualificação dos trabalhadores.
Conforme o vice-procurador-chefe do MPT-RS, não há casos semelhantes sendo acompanhados no Rio Grande do Sul. Laydner diz que analisou o projeto de lei proposto pela prefeitura da Capital e que, inicialmente, não vê problemas:
— O que eu vi é que não vai haver demissões em massa, que é o que nos preocupa. O que tem que ser observado é o pagamento dos direitos rescisórios. Esse projeto de lei tem que ser discutido, estudado, e estamos à disposição para mediar. Mas, em um primeiro momento, não há nada que vá contra a Constituição.
Atualmente, conforme o sindicato, Porto Alegre conta com cerca de 3,6 mil cobradores de ônibus. A proposta do Executivo permite a circulação sem cobradores das 22h às 4h, em dias úteis, e em todos os domingos, feriados e dias de passe livre. Segundo a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), nessas ocasiões, a passagem só poderia ser paga com o cartão TRI. O projeto tramita em regime de urgência e está previsto para ser votado na próxima semana.
Ainda de acordo com a EPTC, a lei prevê que todos os ônibus devem circular com motorista e cobrador. A empresa informou ter conhecimento de quatro linhas que estão circulando somente com motorista: A98, A99, A99.1 e A439 — linhas alimentadoras gratuitas que levam os passageiros até o eixo principal de atendimento. O órgão está fazendo a análise da situação pontualmente.
O Sindicato dos Rodoviários de Porto Alegre diz que não concorda com o projeto e que preocupa-se com as demissões que têm ocorrido recentemente devido à diminuição de horários de ônibus.
* Colaborou Amanda Caselli