Depois de circular orgulhoso exibindo a impecável organização dos cômodos da cobertura de 470 metros quadrados onde funciona a Oka Bom Fim, na Rua João Teles, Ricardo Neves para à porta de um dos três banheiros coletivos. Um odor desagradável emana do local.
— Então, esse é o banheiro. Alguém acabou de usar, pelo jeito... Convivência é assim, gente. Quando alguém usa o banheiro, fede mesmo — sorri o fundador e morador da casa.
Propiciar o convívio em todas as suas dimensões — nem sempre agradáveis — é parte do princípio do projeto iniciado em 2017, em um imóvel na Rua Coronel Lucas de Oliveira, onde viveu com outras três pessoas. Depois de passar três anos no Exterior e trabalhar com o pai no mercado imobiliário, Ricardo buscava implantar em Porto Alegre uma opção de moradia facilitada, acessível e que permitisse aos moradores compartilharem, além de um teto, sua intimidade, seus conhecimentos, dificuldades e angústias.
— A gente poderia deixar as pessoas morando sem nenhum contato, mas não é nisso que a gente acredita. Para nós, é mais que um negócio. É uma solução de moradia que ajuda a viver de uma forma digna e se desenvolver como ser humano.
Ao todo, são quatro residências. Além do Bom Fim, há duas coberturas no bairro Moinhos de Vento e um prédio inteiro no bairro Auxiliadora — a casa da Lucas de Oliveira, um piloto, não faz mais parte da Oka. Juntas, somam quase 50 moradores. Somente na João Teles são 13 quartos, que podem acomodar uma ou duas pessoas. Os sanitários, a cozinha, a lavanderia e as áreas de convivência são compartilhados, e todos precisam contribuir com a organização — uma faxineira limpa as áreas comuns semanalmente, mas cada um é responsável por lavar a sua louça, por exemplo.
Segundo o "cacique" da Oka Coliving, apenas um terço dos atuais moradores são estudantes universitários — a maioria encontra-se na faixa dos 30 anos. O valor pago por mês é fixo — varia entre R$ 700 e R$ 2 mil (nos imóveis do Moinhos de Vento)—, e inclui, além do aluguel, condomínio, IPTU e água, luz, internet banda larga, faxina e serviços de manutenção.
Interessados em morar nas Okas precisam passar por um processo seletivo que inclui um questionário com perguntas como o que o candidato "acha que pode agregar na comunidade", e tem avaliação subjetiva — quando a vaga é disputada, a decisão é dos moradores, que votam por WhatsApp. Ganham preferência pessoas que queiram se envolver com a casa e seus habitantes, e que vejam na experiência uma oportunidade de aprimoramento pessoal.
Permuta de serviços e terapia de grupo
A estudante Vitoria Ryssina, 19 anos, chegou à Oka Bom Fim, onde vive desde agosto, de forma mais direta. Ela frequentava o local como amiga de um dos moradores quando um dos quartos ficou vago — à época, morava na Zona Norte e levava cerca de uma hora para se deslocar até a UFCSPA, onde cursa biomedicina.
— As pessoas não entram aqui só porque têm dinheiro para pagar. Elas se importam com as outras. Esses dias cheguei da faculdade cansada, pensando em dormir sem jantar, e os que estavam cozinhando literalmente me alimentaram — conta a caçula da casa, que paga cerca de R$ 1 mil mensais.
Nascida em uma família russa que vive no Espírito Santo, também já deu sua parcela ao grupo, ensinando algumas palavras em russo — no dia em que a reportagem visitou a casa, havia lições de italiano no papel de parede com textura de quadro-negro da área de convivência. Atividades em grupo, como as aulas, jantares coletivos e festas não são incomuns, mas ela garante que o clima, em geral, é de tranquilidade.
Para além do compartilhamento de saberes e de algumas refeições em grupo, há também troca de serviços entre habitantes das quatro residências. Moradora da Oka Padre Chagas, a educadora física Joana Souza, 41 anos, fez uma permuta com uma colega de outra casa para receber lições de coach. Em contrapartida, dá aulas de ioga.
Prestes a mudar-se para a Espanha, Joana fez parte do "laboratório" da Oka na Lucas de Oliveira, em 2017. À época recém-chegada do Exterior, viu na moradia compartilhada uma oportunidade de conhecer pessoas novas e redescobrir a cidade.
— Na minha faixa etária, as amigas estão casadas e com filhos. O coletivo é uma maneira de se conectar com as pessoas. Sempre digo que quem está num relacionamento ruim, se vier morar na Oka, vai terminar. Rola muita terapia de grupo — diz.