Vestindo uniformes dos mais variados estabelecimentos ou camisas amarelas em alusão aos 150 anos do Mercado Público — completados no último dia 3 de outubro —, cerca de 200 trabalhadores, empresários e interessados no futuro do prédio histórico acompanharam nesta quarta-feira (23) aquela que deve ser a última audiência pública antes da definição do edital de concessão do espaço.
A expectativa da prefeitura é de que a licitação seja lançada em dois meses, com abertura das propostas dos concorrentes em fevereiro de 2020. Pelo cronograma, o contrato com o concessionário será assinado em maio do ano que vem.
O encontro foi realizado no auditório Araújo Vianna, no Parque da Redenção, na manhã desta quarta-feira. Logo na entrada da casa de espetáculos um banner anunciava a criação de um abaixo-assinado. Auto-intitulado "contra a privatização do mercado, que é público", o documento tem mais de 2 mil assinaturas, segundo o seu organizador, o servidor da Câmara de Vereadores Cláudio Marquiori, 56 anos.
— Esse projeto fala em prioridade, mas não garante a permanência de quem está hoje. Faz, na verdade, um leilão. Quando um empresário oferecer R$ 500 mil por um box, como o atual permissionário irá cobrir? — questiona.
O servidor explica que o abaixo-assinado foi idealizado com a intenção de buscar auxílio do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado (TCE) em uma possível ação contra o projeto.
Ao assinar a petição, a comerciante Cláudia De Paoli, 44 anos, afirma temer a descontinuidade da empresa familiar.
— Queremos melhorias, mas a história tem que ser preservada. Precisamos garantir o que vem de nossos pais e avós — define a proprietária da Flora Bandeira, de posse de seu pai há mais de 30 anos.
A concessão à iniciativa privada prevê um investimento de R$ 41,5 milhões nos primeiros três anos. O valor deverá ser investido na manutenção e na reforma da estrutura do prédio. Outros R$ 43,5 milhões devem ser gastos com gestão e manutenção do local durante os 25 anos de contrato. Tombado, o prédio deverá ter mantida sua arquitetura.
Durante a audiência, a presidente da Associação do Comércio do Mercado Público Central (Ascomepc), Adriana Kauer, disse estar preocupada com a manutenção do perfil das pequenas lojas.
— O mercadeiro é a cara do Mercado. Não queremos nada pasteurizado, ou que o Mercado vire uma grande rede. Já existem shoppings suficientes, não precisamos de franquias dentro do Mercado.
Representantes das matrizes africanas também estiveram no Araújo Vianna:
— Temos 20 mil casas (religiosas) em Porto Alegre. No Mercado temos a identidade dos povos que vieram nos navios negreiros. O acesso dos povos tem que ser garantido, com cotas para nós — solicitou aos representantes da prefeitura a religiosa Iyá Vera Soares, sob aplausos dos participantes.
Um permissionário — que não se identificou antes de discursar — pediu que o espaço não tenha carrinhos de supermercado, pois “vai mudar a essência" do espaço.
Patricia Oliveira, diretora do projeto de concessão, apresentou algumas mudanças previstas a partir de investimentos e afirmou que a revitalização trará "mais clientes e incremento no faturamento".
O número de lojas, 110 no total, pode ser alterado, segundo o secretário de Parcerias Estratégicas de Porto Alegre, Thiago Ribeiro.
— O projeto prevê um aumento da área bruta de lojas. Se vai aumentar o número de lojas ou o espaço de cada uma, será decisão da concessionária que vencer a licitação.
Atualmente, 1,2 mil trabalhadores atuam no Mercado Público e, diariamente, cerca de 100 mil pessoas circulam pelo prédio.
A audiência desta quarta-feira servirá para “contribuições de refinamento ao modelo estudado”, segundo o representante da prefeitura. Na nova modelagem, os comerciantes terão de manter o rodízio estipulado para aberturas aos domingos e feriados, com o risco de sofrer sanções caso haja descumprimento, alerta Ribeiro.
A prefeitura afirma “estar avaliando” maneiras de minimizar o risco de uma disparada nos valores dos aluguéis e que estudos mostram que isto não deve acontecer. O executivo garantiu também que quem assumir o Mercado Público “não poderá desvirtuar os negócios, como abrir grandes lojas de vestiários”, outra demanda dos atuais comerciantes.