O parecer jurídico da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) que sugere o cancelamento do atual contrato para revitalização do Cais Mauá aponta uma série de falhas protagonizadas pela empresa contratada na condução do projeto, transcorridos mais de oitos anos sem obras relevantes.
Avalizado por cinco procuradores, entre eles o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, o documento de 41 páginas elenca morosidade para pedido de licenças e apresentação de projetos, inexistência de execuções de serviços no local, descumprimento de prazos para pagamento do arrendamento e falta de manutenção dos armazéns, entre outros problemas contratuais.
O acordo do Estado com o consórcio Cais Mauá do Brasil (CMB) foi assinado em novembro de 2010, permitindo à empresa, por meio de arrendamento, explorar a área por 25 anos, com a obrigação de remodelar as instalações e erguer novas estruturas, divididas em três etapas: reforma de armazéns (fase 1), construção de espaços comerciais junto à Usina do Gasômetro (fase 2) e na área das docas próximo à Estação Rodoviária (fase 3). O projeto está orçado em R$ 600 milhões.
O relatório afirma que a concessionária não teria condições de cumprimento do projeto em razão de dificuldades financeiras, citando que o consórcio deve ao Estado R$ 6,7 milhões referentes a parcelas do arrendamento. O parecer reproduz considerações da CMB, que diz que a empresa teria expressado que “não tem, por ora, recursos disponíveis para a finalização do projeto” e propôs o “perdão da dívida”.
A empresa alegaria que o débito existe apenas em “razão de uma interpretação equivocada do contrato”. Em abril de 2018, ainda ocorreu uma Operação da Polícia Federal, deflagrada com o objetivo de apurar supostos desvios do fundo de investimento que capta recursos para as obras. O relatório da PGE aponta que há licença de remediação ambiental vencida para a reforma de armazéns (fase 1) e que nem sequer foi apresentado projeto executivo ou licenças para as demais etapas (fases 2 e 3).
“Se foram necessários seis anos para obtenção das licenças (uma das quais, inclusive, já vencida porque o pedido de renovação não foi tempestivamente formulado) relativas a um único subsetor do empreendimento, remotas são as perspectivas para obtenção, em tempo hábil para a conclusão da revitalização dentro do prazo contratual, das licenças relativas a todo o objeto contratual”, informa o texto.
A falta de conservação de armazéns históricos também é abordada no parecer como “grave violação contratual” e lembra que estragos nos telhados dos pavilhões A e B, provocados por temporal, em fevereiro de 2018, até hoje não foram reparados, provocando danos ao patrimônio público e risco a pessoas que circulam pelo entorno.
O CMB, segundo a PGE, seria responsável por deficiências na vigilância patrimonial, sendo notificado em julho de 2018 por contratar empresa sem habilitação ao trabalho e que, em 20 de março, teria ocorrido abandono de posto no portão central de entrada do Cais. Em relação a obras, a PGE enfatiza que foram apresentados, ao menos, três cronogramas, todos descumpridos, e que, se o último, divulgado em janeiro de 2016, estivesse em ritmo adequado na fase 1, metade dos restauros dos armazéns poderia estar concluída.
Desde fevereiro, a Secretaria Estadual de Logística e Transportes se dedica a avaliar o projeto de revitalização. Em abril, um grupo de técnicos do órgão apresentou estudo recomendando a rescisão do contrato. O assunto foi levado ao Palácio Piratini, e o governador Eduardo Leite pediu uma nova análise, dessa vez incluindo avaliação da PGE. Caberá a Leite decidir a questão nos próximos dias.
Falhas apontadas pela PGE
Em um capítulo do parecer da PGE, chamado de "análise fático-jurídica", são elencadas razões para o cancelamento do contrato com a CMB:
Dificuldade financeira
"A situação financeira da arrendatária é precária, sabidamente incapaz de efetivar o compromisso público, culminando na total inoperância do empreendimento."
Inexistência de obras
"No curso de mais de oito anos de contratação, não houve execução alguma do objeto do arrendamento. Sequer atos preparatórios às obras, como as licenças, foram providenciados a contento."
Dívida com o Estado
"Os valores relativos ao arrendamento já representam soma milionária, deveras elevada para a (in)capacidade financeira da contratada, considerados os balanços contábeis apresentados".
Falta de conservação de armazéns
"O bem público, além de tudo, está em risco pela falta de manutenção, principalmente, dos armazéns A e B, outra obrigação descumprida pela contratada, o que foi qualificado pela fiscalização do contrato como potencial risco à integridade física das pessoas que circulem pelos arredores."
Perda do patrimônio público
"Parte da história do povo gaúcho pode estar se perdendo em razão da total falta de operação da arrendatária. Armazéns históricos, tombados por órgãos municipais e federais, nunca receberam a mínima conservação e estão, por conta disso, com as estruturas ameaçadas".
Opção pela rescisão
"...Inexistem indicativos de que o contrato possa ser minimamente cumprido". "Não há, sob nenhum aspecto, vantagem a ser cogitada com a manutenção do contrato, tendo-se bases suficientes para a rescisão contratual".
Contraponto
Por meio da assessoria de comunicação, o Cais Mauá do Brasil diz que aguarda o acesso ao parecer jurídico da Procuradoria-Geral do Estado. Só assim poderá ter ciência do conteúdo e das conclusões oficiais da PGE. O CMB mantém a convicção de que há amparo legal e jurídico suficientes para o ajuste do contrato já proposto ao governo do Estado do Rio Grande do Sul. A disposição da CMB e LAD Capital, gestora do fundo controlador do consórcio, é de se manterem firmes na busca de uma alternativa viável que atenda às necessidades das partes envolvidas. O consórcio ainda faz ressalva que o ambiente de insegurança jurídica instalado afeta o interesse de potenciais parceiros.