Com mais de 1,3 milhão de árvores espalhadas pelas vias públicas, Porto Alegre é um prato cheio para a primavera que começa neste fim de semana. Enquanto alguns exemplares famosos como as tipuanas da Gonçalo da Carvalho, a paineira da Siqueira Campos ou as palmeiras da Avenida Osvaldo Aranha são árvores exóticas, 190 espécies nativas da Capital se oferecem à contemplação de quem circula pelas diferentes regiões da cidade.
— Porto Alegre está em uma área de transição entre a mata atlântica e o pampa, o que faz com que tenha vegetação desses dois biomas. É um conjunto bastante diverso — explica o mestre em botânica Paulo Backes.
Características geográficas específicas fizeram com que fosse possível, por exemplo, árvores como as figueiras, características da mata atlântica, e os butiazeiros, naturais do pampa, crescessem naturalmente na cidade. Apesar da facilidade em se desenvolverem, já há espécies nativas escassas. Sem planejamento de arborização, em décadas passadas, foram plantadas diversas espécies exóticas. Enquanto algumas cresceram saudáveis — e tornaram-se marcos, como as descritas no começo da reportagem —, outras viraram presas fáceis de pragas como a erva de passarinho. Algumas das exóticas, consideradas invasoras, passaram a disputar espaço com as espécies de Porto Alegre.
— Em algum momento, as pessoas acharam interessante trazer espécies de fora para a Capital: o próprio Getúlio Vargas ganhou uma quantidade enorme de mudas de ligustros na década de 1940 que foram plantados pela cidade. Nos anos 2000, junto com a extremosa e o jacarandá, as três exóticas, representavam quase 50% das árvores nas vias públicas — conta a bióloga Maria do Carmo Sanchotene.
Ex-funcionária da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smams), Maria do Carmo lembra que o esforço para plantar espécies nativas começou na década de 1980, mas só ganhou força nos anos 2000, a partir da publicação do Plano Diretor de Arborização de Vias Públicas. O documento prevê que as espécies locais sejam privilegiadas entre os novos plantios, respeitando um percentual mínimo de 70%. A medida também é uma questão de sustentabilidade: por terem melhores condições de adaptação, as espécies locais são menos suscetíveis a pragas urbanas. Além disso, a prevalência dessas espécies ajuda a preservar a paisagem natural.
Projeto prevê plantio de mais 7 mil em vias públicas
De acordo com o mais recente Censo de Entorno do IBGE, de 2012, Porto Alegre era a quarta capital brasileira com maior percentual de casas com árvores por perto na cidade: mais de 80%. Desde então, a paisagem já se modificou: um temporal em janeiro de 2016 varreu cerca de 3 mil árvores das vias. E não há um plantio massivo de novas espécies desde 2015, segundo a Smams.
— Existe uma obrigação dos loteadores em entregar os loteamentos arborizados. Nesses casos, nós ajudamos a escolher as espécies e planejar o plantio. Mas, nas vias públicas, temos feitos apenas plantios pontuais — diz Cláudia Ruschel, da equipe de planejamento e implantação da arborização urbana da Smams.
A situação pode começar a se modificar a partir dos próximos meses. Está em fase de licitação um projeto que prevê o plantio de 7 mil novas árvores na Capital. As mudas devem ser distribuídas para recuperação de áreas de preservação permanente degradadas, canteiros centrais e passeios públicos, especialmente, da Zona Norte, região com menor densidade de arborização da cidade.
Com a ajuda de técnicos da Smams, a reportagem levantou 10 exemplares de árvores nativas de Porto Alegre e uma do Rio Grande do Sul _ os ipês roxos que colorem a Capital às vésperas da primavera _ que se destacam nas vias públicas. Tamanho da copa, preservação do vegetal, floração na primavera e valor histórico foram alguns dos critérios utilizados para montar um roteiro que passa por diferentes regiões da cidade.
Árvores nativas que você precisa conhecer
Butiazeiro (Butia odorata)
Difícil não reparar na dupla de butiazeiros que desponta à entrada do Parque Germânia, perto das quadras de tênis. Altos e levemente encurvados, os dois exemplares são os primeiros de uma série de árvores dessa espécie que os visitantes irão deparar em um passeio pela área verde, um oásis de verde em meio aos múltiplos prédios altos da região.
Corticeira-da-serra (Erythrina falcata)
Pétalas alaranjadas no passeio da Rua Carlos Huber indicam o começo da floração da corticeira-da-serra localizada quase à esquina com a Rua Balduíno Roehring, perto do Colégio Farroupilha. Ainda tímidas, as flores em cacho devem tomar conta da copa nos próximos meses, destacando a espécie nativa de Porto Alegre entre as outras árvores da via.
Jerivá (Syagrus romanzoffiana)
Um conjunto de oito jerivás à altura do número 544 da Rua Santo Antônio chama a atenção de quem circula pela via íngreme. Alguns dos compridos exemplares ultrapassam a altura do prédio, que, em aparente alusão às árvores, foi batizado de Palmeiras. Apesar do aspecto tropical, a espécie é nativa de Porto Alegre.
Pitangueira (Eugenia uniflora)
Vira atração da boêmia Cidade Baixa, na primavera, uma pitangueira vistosa na Rua da República, entre a Travessa Comendador Caminha e a Rua General Lima e Silva. O exemplar _ de grandes proporções para a espécie, dizem os técnicos da Smams _ tenta quem passa por perto à época da frutificação, nos últimos meses do ano. É preciso sorte para conseguir provar seus frutos, que somem tão logo amadurecem.
Cedro (Cedrela fissilis)
Em meio aos ipês roxos abundantes no canteiro central da Avenida Erico Verissimo, em frente ao Ginásio Tesourinha, uma copa de folhas verdes começa a se destacar com a chegada da primavera. Depois de perder as folhas no período de inverno, o cedro começa a recompor sua ampla copa para, em novembro, dar início à floração.
Pata-de-vaca (Bauhinia forficata)
Parar na sinaleira à esquina das ruas Barbedo e Múcio Teixeira, no bairro Menino Deus, é também uma oportunidade de apreciar a copa quase toda branca da pata-de-vaca que encerra um conjunto de seis árvores nesse trecho da via. Quem circula a pé pode ver em detalhes a beleza da espécie, cujas flores atraem abelhas nessa época do ano.
Ingazeiro (Inga marginata)
Espécie abundante nas margens do Guaíba, um ingazeiro ajuda a compor a paisagem de cartão postal em frente à Fundação Iberê Camargo, na Avenida Padre Cacique. De copa ampla, em formato de guarda-chuva, ele é um elemento a mais a ser observado no pôr do sol, além de, nos meses de floração, fazer sombra para os ciclistas que passam sob a sua copa.
Corticeira-do-banhado (Erythrina crista-galli)
Completa o clima de romance à beira do Guaíba o exemplar de tronco retorcido junto à obra Namorando o Pôr do Sol, que exibe um casal apaixonado sentado em um banco ao lado da corticeira-do-banhado. Espécie característica de ambientes úmidos, como banhados e beira de cursos d'água, a árvore já começa a exibir as flores avermelhadas que irão se multiplicar nos meses primaveris.
Umbuzeiro (Phytolacca dioica)
Mais lembra um paquiderme recostado às margens do Arroio Dilúvio o tronco do umbuzeiro localizado à esquina das avenidas Ipiranga e Borges de Medeiros. De base alargada e aspecto rugoso, é a parte da árvore que mais dificulta sua ocorrência nas áreas urbanas, pois precisa de espaço para se desenvolver.
Figueira (Ficus cestrifolia)
Local onde nasceu a cantora Elis Regina, o IAPI, na Zona Norte, cresceu ao redor da frondosa figueira cuja copa atravessa a Rua Rio Pardo. Quando foi construído, na década de 1940, a árvore já estava lá. Localizada em frente a um bloco de prédios, ela pode ser apreciada dos bancos do Largo Elis Regina, mas também há um banco na calçada para quem quer curtir a sombra da copa exuberante.
Ipê-roxo (Handroanthus heptaphyllus)
Retrato do começo da primavera em Porto Alegre, os ipês floridos estão por toda a cidade. Dois exemplares na Avenida Ipiranga, no entanto, chamam a atenção pela copa preservada: às esquinas com a Avenida da Azenha e com a Rua Getúlio Vargas. Datados da década de 1970, os dois exemplares foram plantados em locais onde os fios da rede de alta tensão são mais elevados, protegendo-os das podas.