Quem trocou o táxi – ou o próprio carro – pelo Uber já está discutindo a relação. Estremeceu-se o romance dos usuários com o aplicativo de transporte individual.
Nos últimos 30 dias, a empresa é a nona no ranking nacional de queixas (4.943) do portal Reclame Aqui, no qual consumidores registram sua insatisfação e alertam sobre produtos e serviços. Por dia, antes de fechar um negócio, mais de 600 mil pessoas pesquisam as reputações das marcas no site. O Uber, que em 2015 mantinha uma reputação "boa", viu seu conceito cair para "regular".
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Em Porto Alegre, todas as 28 reclamações contra o Uber registradas pelo Procon em 2016 foram protocoladas a partir de julho e referem-se à tarifa dinâmica (adotada quando a demanda por veículos é maior do que a oferta) e ao não cumprimento do valor inicial estimado para a corrida. Do total de queixas, 18 foram registradas nos últimos 30 dias.
– Sabemos que o número de reclamações é muito maior do que o que chega até nós – diz a coordenadora jurídica do Procon-POA, Priscila Telles dos Santos. – Em uma das queixas, o usuário pagou R$ 100 na ida. Na volta, no mesmo trecho, o valor foi de R$ 24. A diferença de R$ 24 para R$ 100 é muito grande. Devem ser criados critérios melhores do que os atuais, que estão muito fora da realidade – completa.
Sobre a tarifa dinâmica, o Uber afirma que sempre procura informar os usuários sobre os preços de suas viagens com antecedência, inclusive quando esta modalidade de preço está vigente. Acerca do eventual não cumprimento do valor estimado no início da corrida, a empresa garante que o preço final só se diferencia da estimativa quando o usuário "faz paradas adicionais durante o trajeto ou altera o endereço de destino" (leia mais abaixo).
Moradora do centro de Porto Alegre, a jornalista Sandra Anflor, 53 anos, utiliza táxi, Uber ou Cabify de uma a três vezes por dia. Sua confiança no Uber vem diminuindo. Em dezembro, Sandra protocolou dois pedidos de ressarcimento de valores cobrados a mais em corridas. No último deles, indignada, ainda deixou um recado aos diretores da empresa: "Por essas e outras, vocês estão (e vão continuar) perdendo mercado para o Cabify, que ainda sustenta uma relação ética com os clientes. Meus pêsames".
Sandra reclama da falta de transparência quanto à cobrança dos valores das corridas, incluindo a polêmica tarifa dinâmica. Na opinião da usuária, o serviço oferecido atualmente pelo aplicativo é, qualitativamente, inferior ao da época em que foi lançado na Capital, em 19 de novembro de 2015:
– Está muito pior em todos os sentidos: preço, atendimento, qualidade dos carros, relacionamento com o cliente. Nem o conhecimento das rotas pelo motorista melhorou, porque está sempre entrando gente nova, e o GPS muitas vezes atrapalha.
A estudante Bruna da Silva Fonseca, 20 anos, exemplifica a perda de clientes para o Cabify. Em um sábado de dezembro, ela pediu um Uber no Menino Deus com destino ao bairro Campo Novo, na Zona Sul – uma corrida, que, segundo ela, sairia entre R$ 40 e R$ 45 em um táxi.
– Não sabia dessa "tarifa dinâmica". Quando vi que o valor deu R$ 40, fiquei ressabiada, mas não dei bola – conta Bruna. – Quando peguei um Uber para voltar, vi que sairia caro, mas não tinha alternativa, porque não ando com dinheiro. Só não esperava que daria tanto: R$ 66. Naquele dia, gastei mais de R$ 100. Estou acostumada a gastar isso de táxi, mas nunca de Uber. Foi um choque, uma decepção.
Bruna acredita que a empresa falhou na comunicação com os usuários acerca da tarifa dinâmica, mas disse se sentir mais "confortada" nas últimas semanas ao ouvir outros relatos de pessoas que tiveram a mesma "infelicidade".
– Vou deixar de usar. Já baixei outro aplicativo, o Cabify. Uber nunca mais – sentencia.
Serviço tem taxa extra de R$ 0,75 por corrida
Desde a quinta-feira passada, o Uber está cobrando dos usuários uma taxa extra fixa de R$ 0,75 por corrida. Os motoristas parceiros foram informados da nova tarifa por meio de mensagens. Segundo a empresa, o novo custo não terá impacto sobre os ganhos dos condutores parceiros. "Para você (motorista), permanece tudo igual", assegura a mensagem.
O Uber recebe entre 20% e 25% do valor de cada corrida. O restante é pago ao motorista. O preço mínimo de uma viagem pelo aplicativo era de R$ 4. Agora, com a nova taxa, passará a ser de R$ 4,75.
Procurada pela reportagem, a empresa manifestou-se por meio de nota oficial: "Ao longo do último ano, cada vez mais pessoas utilizaram a Uber para conseguir transporte confiável e rápido nas cidades. Para manter o crescimento saudável da plataforma no Brasil, estamos implementando uma cobrança de custo fixo de R$ 0,75 a cada viagem, que ajudará a apoiar iniciativas de segurança para motoristas parceiros e usuários, além de outros custos operacionais".
Motoristas também estão insatisfeitos
Os condutores parceiros do Uber estão descontentes com o aplicativo depois que a empresa passou a admitir o pagamento das corridas em dinheiro, o que na Capital ocorreu no começo de novembro. Em mensagem postada na última quarta-feira, um motorista relata que teve o carro e a carteira roubados em um assalto. O passageiro também teria perdido outros bens. "Esse número (de ataques a motoristas do Uber) está crescendo depois que o Uber começou a aceitar dinheiro, nos colocando no alvo dos bandidos", reclama o condutor.
O motorista André Ruschel, 40 anos, que agora só opera pelo Cabify, conta que foi desabilitado pelo Uber depois da adoção da cobrança das corridas em dinheiro:
– Eu estava cancelando as chamadas em dinheiro, por questão de segurança. E, pelo índice de cancelamento de chamadas, o Uber acabou me excluindo.
Ruschel diz que um grande número de motoristas cadastrados no Uber tem migrado para o Cabify, o que diminuiu a oferta de veículos, gerando uma maior incidência de tarifa dinâmica.
– O pessoal saiu do Uber. Está indo para o Cabify. Agora, o passageiro (do Uber) já entra no carro reclamando do preço da dinâmica e, por fim, como tu estás na ponta do atendimento, ele acaba derrubando as tuas notas, o que prejudica a tua reputação – diz Ruschel.
Outro condutor, que prefere não se identificar por medo de ser banido do aplicativo, afirma que o cadastro exigido pela empresa aos usuários é falho e torna os motoristas "vulneráveis" ao crime. Ele admite ter pensado em deixar o Uber após a liberação para cobrança em dinheiro, mas, em meio às queixas, encontra um motivo para comemorar:
– A remuneração até aumentou, pois ficamos menos tempo parados. A demanda está bem alta. Estamos a uma média de R$ 30 por hora.
Vozes de protesto: queixas registradas no site Reclame Aqui
Usuário 1 (26/12, às 14h27min)
Ao solicitar o trajeto, o aplicativo sugeriu um trajeto muito maior, que não foi seguido pelo motorista, que inclusive confirmou que o aplicativo comete esse erro quando o destino é a Rodoviária de Porto Alegre. Pois bem, o valor previsto foi de R$10,90. O motorista fez o trajeto normal, que deveria dar um valor bem menor. Porém, o sistema me cobrou pelo trajeto estimado e não real. Antes da regulamentação na Câmara de Vereadores, o Uber era uma coisa. Agora, é outra.
Usuário 2 (26/12, às 19h08min)
Na sexta feira (23), agendei uma corrida para sábado (24), às 20h. A corrida sairia da Avenida Caí, bairro Cristal, Porto Alegre, com destino à Rua Lagoas, bairro Monte Alegre, em Viamão. Valor da corrida de R$ 27 (...). Esse foi o valor que o aplicativo nos passou. Chegou sábado, então, no horário agendado, o primeiro rapaz recusou a corrida. Logo, o segundo apareceu, identificado como Rodrigo. Quando chegamos no endereço de destino, o motorista disse que a corrida era R$ 73, uma diferença de R$ 46. Como assim? Pois para que tudo saísse certo, agendamos um dia antes, até mesmo para ter o dinheiro certo para o pagamento da corrida e simplesmente acontece o inesperado? Uma diferença absurda. Falta de respeito e transparência com os clientes. Aí, questionamos o motorista. Ele falou que os valores das corridas são de acordo com o fluxo de carros Uber disponíveis na região. Não entendi até agora de onde saiu essa palhaçada que o cliente nem sonha com essa regra que vocês criaram. E o que acontece com clientes desprevenidos? Clientes que saem com o dinheiro contado para pagar pelo serviço de vocês. Para vocês, essa diferença de R$ 46 pode ser absolutamente nada. Mas tenham certeza que acabou com nosso Natal, pois nos sentimos traídos, enganados. Quero meu dinheiro de volta.
Usuário 3 (27/12, às 9h25min)
No domingo (25), chamei um Uber até minha residência no Centro de Porto Alegre, e às 12h40min veio o Logan de cor preta para levar minha família e eu até o bairro Alto Petrópolis. Chegando lá, o motorista nem desceu do carro para abrir o porta-malas e nós também não lembramos de pegar a mochila que foi colocada naquele espaço. Entendemos que o motorista tem a obrigação de lembrar da bagagem do passageiro. Após vários contatos com o Uber, não obtivemos nenhum retorno, pois eles não fornecem o telefone do motorista. Já mandamos até o vídeo das câmeras do prédio onde resido, e nada.
Usuária 4 (28/12, às 12h42min)
Desde que a nova versão do aplicativo do Uber entrou no ar, estou odiando. Sou usuária frequente em Porto Alegre e São Paulo. Antes, havia a informação imediata de quem era o motorista, a placa, e, antes disso, sobre o valor e se havia a tabela dinâmica e a opção em aceitar ou não. Na madrugada do dia 25/12, pedi um Uber em Novo Hamburgo para ir a Porto Alegre onde resido, e em nenhum momento apareceu que eu pagaria R$ 394, com uma tabela dinâmica de 4,9x. Propaganda enganosa e valor abusivo. Não há mais a opção de aceitar ou não. (...) Vou parar de usar o Uber, está impraticável.
* Os nomes dos usuários do Reclame Aqui não são informados
Em 2016, foram mais de 30 mil reclamações da empresa no Brasil. O principais motivos foram:
Cobrança abusiva: 2.535
Dificuldade de cadastro: 2.450
Estorno do valor pago: 2.327
Índice de atendimento: 75,5%
Fonte: reclameaqui.com.br
Como reclamar
Procon de Porto Alegre
No aplicativo do Procon Municipal de Porto Alegre, o usuário efetua a reclamação em apenas três passos, além de poder anexar um arquivo (como um print da tela do problema, por exemplo) e enviar ao órgão de defesa do consumidor. A queixa também pode ser feita no site proconpoa.rs.gov.br (aba Reclamações e denúncias/Atendimento eletrônico) ou pessoalmente, no Procon (Rua dos Andradas, 686, térreo). O telefone (51) 3289-1774 só é utilizado para esclarecimento de dúvidas.
Clonagem de cartão é outro problema
Nas redes sociais e em sites como o Reclame Aqui, usuários do Uber queixam-se também da clonagem de seus cartões de crédito cadastrados no aplicativo. Professor do programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação na PUCRS, Avelino Zorzo dá dicas de segurança para evitar a ação de hackers e, assim, a cobrança de corridas que você não fez:
1) Faça uma senha forte, que contenha oito ou mais dígitos, com letras, números e caracteres especiais (como arroba, hashtag e cifrão).
2) Troque de senha regularmente.
3) Evite usar a mesma senha para diferentes aplicativos.
4) Verifique sempre a sua fatura, para conferir se há cobrança de algo que você não comprou. Peça ao seu banco para receber mensagens no celular de toda movimentação.
5) Não clique em links de sites que você não conhece ou acesse e-mails com anexos suspeitos no seu celular.
O que diz o Uber: empresa respondeu, em nota, a questionamentos de ZH
Por que aplicar a tarifa dinâmica?
"O preço dinâmico é aplicado quando a demanda por viagens aumenta, para incentivar que mais motoristas se conectem ao aplicativo e, assim, os usuários tenham um carro sempre que precisar. Quando a oferta sobe, os preços rapidamente voltam ao normal. O mecanismo do preço dinâmico ajuda a equilibrar a oferta e a demanda, pois incentiva os motoristas a estarem disponíveis, por exemplo, após o fechamento de bares no sábado à noite ou durante uma tarde chuvosa. Assim, nossos usuários podem confiar que não ficarão na mão."
Quando é aplicada?
"Trabalhamos para que você consiga um Uber a qualquer hora, quer seja na saída de um show ou de um jogo de futebol, ou em qualquer outra situação onde pode haver mais pessoas buscando o serviço pelo aplicativo do que motoristas parceiros disponíveis para atendê-las. É aí que o preço dinâmico entra em ação. Lembre-se que, mesmo quando o preço dinâmico está ativo, antes de solicitar qualquer viagem, você consegue ver o valor exato que vai pagar."
Como evitá-la?
"O preço dinâmico está sempre mudando. Se, ao solicitar sua viagem, você receber o aviso de que os preços estão um pouco ou muito mais altos do que o normal, significa que o preço dinâmico está ativo. Nesse caso, você pode esperar os preços baixarem e abrir o app após alguns minutos."
Faltou comunicação?
"O preço final da viagem sempre é exibido antes mesmo de o usuário solicitar um carro. Dessa forma, ele tem total autonomia para pedir sua viagem ou optar por esperar um pouco até os preços caírem."
Por que o preço cobrado por vezes é maior do que a estimativa?
"O preço final só se diferencia da estimativa apresentada quando o usuário faz paradas adicionais durante o trajeto ou altera o endereço de destino. As estimativas são úteis, mas não são garantidas, porque os preços das viagens podem variar de acordo com o trânsito, o clima e outros fatores. As estimativas não incluem descontos ou promoções. As rotas exibidas são apenas exemplos."
A segurança dos motoristas ficou prejudicada após a liberação do pagamento em dinheiro?
"Antes de iniciar qualquer viagem, todos os usuários da Uber devem se cadastrar na plataforma. Não existe viagem anônima na Uber. Os motoristas parceiros contam com um número de telefone 0800 para casos de emergência – todas as viagens são rastreadas utilizando GPS."
O que a empresa faz para evitar a clonagem de cartões de crédito?
"A Uber leva a segurança dos dados de usuários muito a sério – por isso, segue protocolos internacionais de segurança para manter seus bancos de dados a salvo. Recomendamos que os usuários nunca compartilhem ou divulguem suas senhas, nem a utilizem fora do app e do site da uber."