
*Chef do restaurante Hashi, em Porto Alegre
Em meio a tantas polêmicas no nosso país envolvendo presidente, ex-presidente, ministros, membros do judiciário e uma lista de outros políticos, com notícias avassaladoras que vêm surgindo a toda hora – em uma das maiores crises políticas que já vivemos –, outro assunto ocupou grande espaço na mídia, no tempo e na vida de muitas pessoas.
Há alguns dias, o canal GNT exibiu o episódio de estreia da nova temporada do programa Tempero de Família, com Rodrigo Hilbert, gravado em Santa Catarina. No programa, o apresentador mostra cenas do abate de um cordeiro numa fazenda, carneia o animal para, em seguida, preparar um churrasco rústico. Confesso que não assisti ao programa e, quando tive conhecimento do fato, as imagens já haviam sido retiradas do ar.
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Como interessado no assunto, acompanhei de perto o desenrolar da história, as opiniões de quem concorda e as críticas de quem repudia. Entendo, perfeitamente, quem se chocou com a cena, com o sangue e com a morte. Entendo também quem achou desnecessária essa exposição da lida do campo mostrando o abate dos animais. Respeito a posição das pessoas que se manifestaram de maneira educada nas redes sociais, sejam elas veganas ou não.
Mas essa é a vida real!
A morte e a comida estão intrinsecamente ligadas. A carne vem do abate dos animais do campo, não nasce nos açougues já em formato de costela. Os peixes são pescados nos mares e nos rios, e não na peixaria, eviscerados, em postas e filés sem espinhas. E os hortifrútis... não, eles não brotam nos balcões dos supermercados. A origem do nosso alimento está distante demais da gente. Muitas vezes esquecemos, negamos, ou simplesmente não queremos vê-la. Tão distante a ponto de nos chocarmos com ela.
Nós, cozinheiros, temos nos aproximado cada vez mais dos pequenos produtores para resgatar a origem dos ingredientes, entender e preservar a cultura e as tradições de cada região. Trazer esses produtos de qualidade para dentro dos nossos restaurantes, encurtando a distância entre a mesa e o campo, é um desafio.
Compreender os costumes e as práticas de um povo é fundamental para respeitarmos hábitos e comportamentos que não nos são familiares. Olhar um ambiente rural com olhos urbanos, sem adequar nossa compreensão, é míope e incongruente.
No campo, o abate de um animal é uma cena comum. A carne e o sangue são alimentos. Na última edição do congresso Mesa Tendências, em São Paulo, vários cozinheiros gaúchos integraram a apresentação A Ferro e Fogo. No palco de um dos maiores eventos de gastronomia da América Latina, exibiram a carneação de um cordeiro, chamando a atenção para o total aproveitamento do animal. Essa é a vida de quem cozinha, de quem lida com alimentos, de quem cria animais.