* Professor do PPG em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
De acordo com um relatório divulgado esta semana pela Oxfam, ONG britânica que se dedica a estudar e propor ações de combate à pobreza no mundo,1% dos habitantes do planeta possui mais riqueza do que os outros 99% juntos. O estudo destaca, com certo tom alarmista, que os 62 indivíduos mais ricos do mundo em 2015 possuíam riqueza equivalente à da metade mais pobre da população mundial, um total de aproximadamente 3,6 bilhões de pessoas. É difícil não se indignar com a disparidade expressa nesses números. Entretanto, o próprio estudo reconhece que a desigualdade entre os países diminuiu nos últimos 30 anos, especialmente por causa do desempenho dos países em desenvolvimento, como Índia e China. Além disso, a proporção de pobres na economia mundial também caiu nesse período. A desigualdade de renda vem diminuindo em nível global e aumentando dentro de muitos países. Afinal, estamos piorando ou melhorando?
O estudo trata da desigualdade tanto da renda quanto da riqueza, enfatizando a última. É importante distinguir os dois tipos porque eles têm implicações diferentes em termos de políticas públicas. Suponha que dois indivíduos têm a mesma renda de R$ 5 mil por mês. O primeiro formou-se recentemente e está em seu primeiro emprego, e tem uma dívida de crédito educativo de R$ 50 mil, a ser paga nos próximos 10 anos. O segundo concluiu o ensino médio, trabalha na economia informal e possui R$ 50 mil em poupança. Quem está melhor? Em termos de renda, os dois estão na mesma condição, pois auferem os mesmos R$ 5 mil. Levando-se em conta a riqueza, o primeiro indivíduo poderia estar entre os 10% mais pobres do estudo da Oxfam, pois tem uma dívida líquida de R$ 50 mil. Já o segundo, pelo patrimônio, estaria melhor situado na escala de riqueza. Mas ninguém consideraria justa uma política pública que reduzisse essa suposta desigualdade transferindo riqueza do segundo para o primeiro. Faz menos sentido ainda se considerarmos indivíduos em diferentes países. Ainda que os números da Oxfam sobre riqueza estejam corretos, não contam toda a história.
Afinal, toda desigualdade de renda ou de riqueza é necessariamente ruim e deve ser combatida? O ganhador do Nobel em Economia em 2001, Michael Spence, menciona que há dois tipos de desigualdade de renda, a "boa" e a "má". A teoria econômica assevera que a desigualdade "boa" resulta de recompensas distintas que correspondem a diferentes níveis de esforço e de produtividade. Quanto maior ou mais qualificada for a contribuição de um indivíduo para o total produzido na sociedade, maior a sua renda. É o que se chama em economia de "produtividade marginal". A desigualdade nos resultados serve de estímulo para que os indivíduos se esforcem mais e que sejam mais criativos e inovadores. Seria difícil argumentar que a desigualdade existente decorre unicamente de diferenças de produtividade, mas elas não devem ser desconsideradas. Tais diferenças explicam em boa medida, por exemplo, por que um trabalhador americano ou alemão ganha mais do que um brasileiro ou boliviano.
A desigualdade "má", e que, portanto, deve ser combatida, é a que resulta de privilégios políticos e econômicos concedidos a indivíduos ou grupos. Quando uma empresa obtém melhor resultado ao investir em campanhas eleitorais, de forma lícita ou ilícita, do que em inovação de seu produto, cria-se uma desigualdade em que toda a sociedade sai perdendo, com exceção, é claro, dos usufrutuários do privilégio. Em economia usa-se o termo "rent-seeking" para definir ações dessa natureza. É uma "busca por renda" que não resulta do esforço produtivo ou inovador, mas do acesso privilegiado aos recursos da sociedade, ou da proteção contra a concorrência. Enquanto a desigualdade "boa" aumenta a eficiência e estimula o crescimento, disponibilizando uma maior quantidade de bens e serviços para a coletividade, a "má" produz o efeito inverso, com consequências negativas, inclusive, sobre o grau de coesão social.
A questão passa a ser como combater o bom combate. Como reduzir a desigualdade que é prejudicial à sociedade? O Brasil dos últimos anos deu um bom exemplo do que não fazer. Não se deve utilizar políticas de estímulo artificial do consumo das camadas de menor renda, seja por meio de preços administrados, seja por meio de crédito subsidiado. Os governos são tentados a implementar tais medidas por causa de seus efeitos imediatos. Esse tipo de política pode reduzir a desigualdade a curto prazo, mas provoca distorções tão grandes na economia que as perdas futuras superam quaisquer ganhos eventuais. Essa prática, de matiz populista, ainda encontra, infelizmente, espaço na América Latina, apesar de seu histórico de fracassos.
Não há fórmula mágica ou algoritmo que possa ser utilizado no combate à desigualdade de renda indesejada. Mas as experiências bem sucedidas mostram que a redução de desigualdade que faz diferença na vida dos indivíduos e das sociedades é obtida por políticas públicas que dão a todos as mesmas oportunidades iniciais, e tais políticas devem ser direcionadas para as crianças. O principal instrumento para a igualdade de oportunidades é o acesso universal a uma educação de qualidade. Ao lado de políticas de curto prazo, que lidem com as situações extremas de pobreza e de vulnerabilidade social, a ação dos governos deve visar à igualdade de oportunidades. Ela será alcançada quando uma criança nascida pelas mãos de um bombeiro na Vila dos Papeleiros tiver acesso ao mesmo tipo de educação que terá uma criança nascida em um quarto de luxo em um hospital da cidade.