A chegada do aplicativo Uber a Porto Alegre, há pouco mais de um mês, causou polêmica. Em menos de uma semana de operação do serviço, a Câmara de Vereadores aprovou uma lei que proíbe o transporte remunerado de passageiros em veículos particulares cadastrados por aplicativos - exatamente como o Uber trabalha -, e um motorista do serviço chegou a ser espancado por taxistas.
Um grupo de trabalho foi criado pelo prefeito José Fortunati para a regulamentação do aplicativo, mas propostas ainda não foram apresentadas. Enquanto isso, o Uber segue operando na Capital. Zero Hora percorreu quatro cidades com um número de habitantes semelhante ao de Porto Alegre (1,4 milhão) para saber como o serviço foi recebido por lá e se encontrou reações semelhantes.
Aplicativo para taxistas ameniza polêmica em Milão
Laura Ebert, especial
Milão, Itália
Desde abril de 2013 disponível em Milão e em Roma, o Uber tem seguido por um percurso incerto na Itália. Assim como ocorre em diversos países, a chegada da tecnologia californiana foi recebida por numerosos protestos liderados por taxistas.
Atualmente, o Uber Black é regulamentado pela lei que normatiza os meios de transporte públicos de aluguel de veículos com motorista - uma legislação anterior à chegada do aplicativo, criada em 2008.
Em meio a protestos contra a empresa americana, os taxistas ganharam um forte aliado, o aplicativo MyTaxi, que oferece um serviço muito parecido com o do Uber: coloca em contato taxistas e clientes, organiza a corrida e permite que o passageiro realize o pagamento com cartão de crédito, mesmo que o taxista não possua essa facilidade. Em Milão, cerca de 200 taxistas independentes já aderiram à inovação.
De acordo com a Coordenação das Associações pela Defesa do Ambiente e dos Direitos dos Usuários e Consumidores, a suspensão do serviço Uber na Itália geraria dano aos usuários, pois limitaria a concorrência e a possibilidade de escolha dos cidadãos. A organização sustenta ser necessária a integração do Uber ao mercado italiano, tornando-o compatível com as leis em vigor, assegurando a legalidade e a segurança sem danificar outras operações.
O Uber não divulga informações sobre a frota em atividade em Milão. A cidade conta com 4.885 táxis que realizam, em média, oito corridas por dia, segundo Nereo Villa, secretário-geral do sindicato dos taxistas. Uma viagem com o serviço Uber Black dentro da cidade, da zona boêmia Navigli até a Estação Central de trem, por exemplo, custa aproximadamente 30 euros. O mesmo percurso, quando realizado por um táxi, custa 17 euros.
Demanda alta entre os boêmios de Belo Horizonte
Eric Samuel Abreu e Silva, especial
Belo Horizonte (MG)
Belo Horizonte foi a terceira cidade brasileira a oferecer os serviços do Uber. Em setembro, o aplicativo - que está disponível nas modalidades Uber X e Uber Black - completou um ano de operação. A empresa não revela números, mas indica que o uso do aplicativo quase triplicou as viagens.
Na cidade considerada a "capital dos bares", o serviço registra um aumento expressivo de corridas nas madrugadas de sexta-feiras e sábados. Boates conhecidas como a NaSala, no bairro Santa Lúcia, e casas de shows como Chalezinho, no Buritis, Woods, no Vila da Serra, e Studio Bar, no Centro, estão entre os pontos com maior demanda pelo serviço. O aplicativo vem investindo em tarifas promocionais, brindes e até viagens gratuitas.
Assim como em outras cidades do país, a convivência entre taxistas e motoristas que trabalham para o aplicativo é conturbada, inclusive com agressões aos parceiros do Uber. Em julho de 2015, a empresa criou um serviço de segurança com agentes particulares, que pode ser acionado pelos condutores parceiros por meio de um número para o qual a ligação é gratuita.
Os usuários parecem já ter aprovado o novo serviço. A administradora Natalia Resende migrou para a nova plataforma após não conseguir achar um táxi que aceitasse pagamento em cartão de crédito. Em um dia de chuva, teve problemas para transportar duas malas:
- Tirei tudo do carro sozinha e na chuva. Foram várias decepções consecutivas com táxi, e agora é só Uber.
Taxistas tentam impedir regulação
Em 1º de dezembro, a Câmara de Vereadores da capital mineira recebeu taxistas para discutir o texto de um projeto que regulamenta o uso de aplicativos dentro do sistema de táxi em Belo Horizonte.
O sindicato que representa a categoria tenta impedir que a prefeitura regulamente o uso do aplicativo.
Os taxistas questionam termos do texto, que estabelece regras para o credenciamento e a utilização de aplicativos para o transporte individual remunerado de passageiros. Eles querem uma definição mais clara da atividade como transporte público individual remunerado, a fim de garantir exclusividade na prestação do serviço.
Ação por Mariana
Em novembro, o Uber coletou doações para as vítimas do rompimento da barragem de rejeitos de minério da Samarco, em Mariana, na região central de Minas Gerais. Para participar da ação, bastava que os usuários enviassem o seu endereço, por meio do aplicativo, e um motorista recolhia gratuitamente as doações, que foram levadas ao município.
Debandada de motoristas de táxi na Califórnia
Daniela Machado, especial
San Diego, Estados Unidos
Distantes quase 10 mil quilômetros, Porto Alegre e San Diego, no sul da Califórnia, nos Estados Unidos, têm duas características em comum: o número de habitantes - cerca de 1,4 milhão - e algumas polêmicas envolvendo o Uber.
O aplicativo passou a operar em San Diego em 2012 e hoje conta com mais de 11 mil motoristas cadastrados. Além do Uber, operam em San Diego o Lyft e o Sidecar, serviços semelhantes. As empresas de táxi da cidade dizem não ter perdido clientes por conta do Uber, porém sofrem com um êxodo de motoristas. A United Taxi Workers of San Diego, associação que representa os motoristas de táxi na cidade, confirmou que 700 associados, cerca de metade dos membros, passou a dirigir para o aplicativo.
Para ser motorista de táxi em San Diego é preciso seguir uma lista de especificações referidas em lei e ter uma licença municipal. Legalmente, é aceito que o detentor da licença alugue o veículo para outros motoristas, que pagam em média
US$ 400 por semana pela locação, valor que representa 40% do ganho total do taxista. A mensalidade anual para a operação de um táxi na cidade é de US$ 600 e a aplicação para a solicitação da licença é de US$ 3 mil, somando-se a esse valor inspeção do veículo, aulas e prova de direção, requisições operacionais e serviço de rádio.
Em contrapartida, os motoristas do Uber pagam 20% do valor da corrida para a empresa e, por isso, têm mais flexibilidade de horários, já que não precisam repassar um valor fixo semanal pela locação do veículo. O paulista Ronie Gomes de Melo, 45 anos, é motorista do Uber em San Diego há dois anos e quatro meses e faz, em média, sete corridas por dia. Segundo ele, é possível faturar US$ 45 mil (cerca de R$ 180 mil) por ano trabalhando até 35 horas semanais.
- Você pode ganhar até mais, mas eu prefiro trabalhar num ritmo menor e com corridas mais longas - comenta.
Direitos trabalhistas ainda em discussão
Essa flexibilização do Uber, entretanto, também leva ao principal debate em relação ao serviço na cidade: a aplicação de leis trabalhistas. O aplicativo argumenta que não é uma entidade, mas, sim, um mercado, funcionando como uma plataforma de pessoas que procuram o serviço (uma corrida) com prestadores de serviços (motoristas) correspondentes. Alguns motoristas alegam que são empregados, já que a empresa controla a maior parte dos aspectos de como o serviço deve funcionar.
Segundo as leis trabalhistas da Califórnia, os empregadores são obrigados a reembolsar os funcionários pelas despesas necessárias para fazer o seu trabalho. Porém, como as empresas de rideshare (carona compartilhada) têm a força de trabalho independente do contratante, não há exigência por parte da empresa sobre o pagamento de despesas, plano de saúde e seguridade do salário mínimo previstos em lei.
Uma mexida nas leis californianas
- Em 2014, passou a vigorar a obrigatoriedade da aquisição de uma apólice de seguro de responsabilidade civil no valor de US$ 1 milhão. O formulário do seguro deve ser apresentado pelo motorista no momento em que ele ativa o aplicativo.
- É obrigatória a inspeção do veículo por uma oficina credenciada e, mensalmente, é realizada uma auditoria em 1% da frota.
- A lei prevê levantamento de antecedentes criminais dos motoristas, programas de formação de condutores, exibição da foto do condutor no aplicativo, estimativa da tarifa e envio de um recibo eletrônico após a conclusão da viagem.
Restrições no aeroporto
Depois de vários meses de negociação, apenas em julho deste ano as empresas de rideshare conseguiram licença para operar no Aeroporto Internacional de San Diego. O programa ainda é considerado piloto e ficará em execução até 30 de junho de 2016. O Uber, assim como os outros aplicativos, só podem pegar os passageiros em uma parte específica do estacionamento do aeroporto, sendo proibido parar na mesma fila dos táxis.
Na Austrália, clima de concorrência acirrada
Cintia Antunes, especial
Perth, Austrália
Implementado em julho de 2014, o Uber tornou-se o maior inimigo dos taxistas em Perth, na Austrália, e vem gerando polêmica também entre os moradores. Há quem defenda o serviço e seja adepto desde a sua chegada. Outros afirmam que os prestadores de serviço não seguem as regras administrativas tradicionais deste mercado.
Muitos australianos estão escolhendo o Uber porque o consideram seguro, confiável e acessível e eles adoram tê-lo em sua cidade. Porém, os taxistas estão longe de se adaptar aos concorrentes. Em 21 de abril, cerca de 250 taxistas se reuniram nos degraus da Parliament House (Casa do Parlamento) para protestar contra o Uber. A manifestação foi organizada pelo Transport Workers Union - Uniao dos Trabalhadores dos Transportes - para chamar a atenção do governo do Estado de Western Australia sobre a autorização da implementação desse serviço em Perth. Os taxistas alegaram que os condutores do Uber violam gravemente as leis do Estado.
Entre os manifestantes estava o motorista de táxi Abdulaziz Alharbi, do Iraque, morador de Perth desde 2003. De acordo com ele, que trabalha na função há seis anos, o problema não está na concorrência, que ele considera sadia, mas na forma como os condutores do Uber chegaram à cidade.
- Vida de taxista não é fácil. A gente gasta com câmera de segurança, uniforme, certificações, enquanto a maioria dos motoristas de Uber apenas investe na compra do carro. E muitos trabalham de forma ilegal, sem registro - afirma.
Alharbi ainda critica a falta de apoio dos órgãos públicos.
- Toda vez que nós, taxistas, pedimos alguma providência em relação ao Uber, eles dizem que estão investigando e que vão averiguar as informações. Mas até quando vai essa investigação? Enquanto nada acontece, somos prejudicados, estamos perdendo dinheiro - lamenta.
Há pouco mais de uma semana, durante pronunciamento em um programa de TV local, o ministro dos transportes Dean Nalder disse aos motoristas que o governo do Estado está trabalhando em uma série de reformas para o mercado de táxi. "Eu entendo que, infelizmente, existe este problema de concorrência em Perth. Ainda não temos uma resposta do que será feito, mas, como governo, estamos tentando trabalhar em uma solução", afirmou.
Em Perth, um motorista de Uber pode arrecadar mais de 2,5 mil dólares australianos por mês (cerca de R$ 7 mil) com 20 horas de trabalho semanais. Cristopher Plank é motorista do aplicativo há um ano. Começou a trabalhar em Sydney e hoje dirige em tempo integral, cinco dias por semana, em um total de cerca de 45 horas de trabalho.
- Quando cheguei a Perth, logo comecei a procurar trabalho na minha área de formação, a arquitetura. Como estava difícil encontrar algo, acabei transformando o trabalho extra em fixo - conta.
Opiniões divididas entre moradores
Geralmente conduzindo carros novos e de cor escura, os motoristas do Uber buscam agradar a clientela e diferenciar o serviço daquele oferecido pelos táxis. Garrafa de água, balas, cabo para celular, música e ar-condicionado são alguns dos itens disponibilizados por eles. Conhecedores da área em que transitam, são capazes de chegar ao cliente tão rapidamente que, às vezes, a espera pode durar menos de cinco minutos. Além disso, fazem de tudo para que o passageiro sinta-se confortável durante todo o percurso, não importando quanto tempo levará a corrida.
Foram esses diferenciais que fizeram com que a brasileira Talice de Jesus aderisse ao Uber. Segundo a estudante, o fato de ter sempre um veículo próximo é um grande diferencial - além de os carros serem novos e limpos.
- Eu acho sensacional o trabalho do Uber, e apoio muito esse serviço. Já utilizei o aplicativo várias vezes e nunca mais chamei um táxi - diz.
Já o colombiano Ruan Gonzales Thomaz entende que o Uber incentiva o trabalho clandestino. Morador de Perth desde 2011, ele acredita que os motoristas do Uber tiram o serviço dos taxistas que estão em dia com a lei e as normas de trânsito.
- Nunca utilizei o serviço e nem pretendo utilizar - afirma.
Uber tem preços convidativos
Em Perth, a diferença no valor das corridas entre táxi e Uber pode chegar a 50%. Um trajeto de cerca de oito quilômetros custa 14 dólares australianos pelo Uber, contra 26 dólares australianos pelo táxi.
* Zero Hora