![Andy Newcombe / Wikicommons Andy Newcombe / Wikicommons](http://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/17452373.jpg?w=700)
* Músico, compositor, produtor musical e curador do Porto Alegre Jazz Festival.
É possível que a maioria das pessoas já tenha ouvido falar na expressão Free Jazz. E quando a reconhecem, associam-na diretamente a Ornette Coleman, o controvertido e inovador compositor e saxofonista americano que lançou em 1959 e 1960, respectivamente, dois discos revolucionários na história do Jazz: The Shape of Jazz to Come e Free Jazz.
O estilo absolutamente original de Coleman foi recebido de início com hostilidade, tanto pelo público como por colegas músicos em seu Estado natal, o Texas. Se mudou então para Los Angeles, no início dos anos 1950, onde trabalhou até como ascensorista enquanto estudava livros de música. Depois de muitas tentativas frustradas de se unir aos músicos mais conhecidos de LA, foi particularmente com Don Cherry e Charlie Haden (falecido em 2014) que Ornette pode fazer soar suas ideias de modo mais consistente. Com a ajuda de John Lewis, Coleman e Cherry frequentaram a Lenox School of Jazz, em 1959, e neste período fizeram uma longa temporada de shows no Five Spot, em Nova York. Foi neste momento que o mundo do jazz se abriu para a música radical e nova de Coleman, e a cada noite o pub lotava de músicos curiosos, muitos deles já bem famosos, que, alternadamente, rotulavam o saxofonista ou de gênio ou de embuste. A inovação tem seus preços, mas ele se manteve firme construindo sua música e sua lenda.
Uma característica na origem do free jazz era a insatisfação com as limitações e a rigidez estéticas do bebop, do hard bop e do jazz modal que se desenvolveram nas décadas de 1940 e 1950. Paralelamente, em uma época efervescente, conceitos musicais oriundos da música clássica, como atonalismo e música aleatória, começavam a fluir entre os músicos de Jazz. John Cage, uma das figuras chave nas vanguardas artísticas do pós-guerra, foi o pioneiro da música aleatória (assim como Pierre Boulez) e da música eletroacústica, do uso não convencional de instrumentos convencionais. Vale dizer que, em uma conferência em 1957 sobre música experimental, Cage descreveu a música como "um jogo sem propósito, que é uma afirmação da vida - não uma tentativa de trazer a ordem no caos, nem sugerir aperfeiçoamentos na criação, mas simplesmente um jeito de acordar para a vida". Conceitos que, no espírito inquieto e inovador de Ornette, ecoavam de forma clara, inclusive em algumas obras clássicas atonais e totalmente compostas para grupos de câmara que ele escreveu.
A começar pela formação nada convencional de seu grupo, que não tinha um instrumento como o piano fazendo a cadência de acordes, Ornette introduzia uma filosofia musical e um método de composição/improvisação que batizou de "harmolodic", que simbolizava a importância igualitária de harmonia, melodia, andamento, timbre e ritmo, todos com igual posição nos resultados que surgem das ideias. Para ele, as linhas melódicas improvisadas livremente deveriam servir como base para a progressão harmônica nas suas composições. A liberdade na improvisação era também a mesma liberdade de reler e (re)estruturar as melodias escritas, buscando organicidade como uma reinvenção. Além dos diálogos livres entre os músicos, ora soando como uma coisa só, ora trilhando caminhos paralelos em uma mesma música, extraíam também sons não convencionais de seus instrumentos. Essa "liberdade" reinando quase absoluta é uma inovação polêmica que se mantém atual até hoje. Você raramente colocará um disco de Coleman como pano de fundo. É uma música de mergulho, como de fato deveria ser esta capacidade cada vez mais perdida nas pessoas atualmente: parar tudo para exclusivamente ouvir música. E viajar. Free Jazz - Free Music - Free Travel - Free Mind - Free Sound - Free Soul.
Em 1976, Coleman criou o grupo Prime Time (com duas guitarras, dois baixos e duas bateristas, além dele na liderança e sax alto) que foi uma grande influência para artistas como Pat Metheny (um admirador de Ornette ao longo da vida). Juntos criaram o controvertido disco Song X (1986, Geffen Records) gravado em uma sessão de três dias no final de 1985, com Charlie Haden no baixo, Jack DeJohnette na bateria, e o filho de Coleman, Denardo, em vários instrumentos de percussão. Este disco, considerado inaudível/incompreensível por muitos, não é um retrato fiel da música de Ornette, que hoje está certamente entre os Gigantes do Jazz, uma verdadeira lenda. Especialmente por ser um inovador em um estilo de música cuja essência é, mesmo diante de certos formalismos estéticos, a música da liberdade. Não é para muitos.
Em 2007, ele recebeu um Grammy pelo conjunto da sua carreira. Ornette Coleman faleceu, aos 85 anos, no último dia 11. Dá próxima vez que você entrar em um elevador e o ascensorista estiver estudando música, talvez você esteja diante de alguém que pode ascender para outras alturas.
Voe livre Ornette Coleman.