Entrevista - Carlos Comassetto, vereador pelo PT e autor do projeto de lei que impede homenagens a torturadores em bens públicos de Porto Alegre.
Pelo menos nove locais mudariam de nome com projetos que proíbem homenagens a ditadores e opositores
Qual foi o seu objetivo ao entrar com o projeto?
Carlos Comassetto - A CNV apresentou um relatório que apontou oficialmente 377 cidadãos brasileiros à frente de ações em nome do Estado que tolheram a liberdade, tiraram vidas, torturaram, censuraram, castraram a liberdade. Os próprios autores das ações que consideramos crimes contra a humanidade resolveram prestar auto-homenagens aos seus. E fizeram isso, dando indicativos de nomes de espaços públicos. Estamos sugerindo que a cidade de Porto Alegre retire as homenagens feitas a esses cidadãos.
Logo a seguir a vereadora Mônica Leal entrou com um projeto que serve de contraponto ao seu.
Comassetto - Para mim é muito claro que a iniciativa da Mônica nada mais é do que uma postura de reação. Isso é legítimo e ela tem o direito de fazer o seu contraponto.
A vereadora diz que o senhor está querendo mudar a história.
Comassetto - Não. A história continua sendo contada, e ela tem que ser contada tal e qual aconteceu. Creio que esse trabalho da CNV está readequando a história. O que estou sugerindo é que Porto Alegre faça um debate para se manter ou não as homenagens, feitas quando não se tinha direito ao contraditório. Não se tinha o direito à contestação. Se eu contestasse algum homenageado, dizendo "esse é um torturador", bom, eu também seria torturado.
Ela propõe que outros nomes, de subversivos, sejam retirados, também.
Comassetto - Esses outros nomes podem ser retirados, no entanto, se eles foram escolhidos pela comunidade de uma forma democrática, bem, aí é outra coisa. Eles foram instalados com uma lógica diferente dos que nós estamos sugerindo.
A sua proposta pode ser malvista pelo Exército?
Comassetto - A Mônica aponta que temos uma postura contra o Exército brasileiro, que isso é buscar uma retaliação. Isso não é verdade. Eu sou um defensor da Forças Armadas, e creio que neste momento o Exército, a Aeronáutica e a Marinha estão cumprindo fielmente o seu papel constitucional, e é isso que queremos das Forças Armadas, que sejam fortes, democráticas e constitucionais. Eu as respeito com essa postura, ainda que exista alguns que sejam saudosistas da ditadura. E a intervenção da Mônica tem esse viés do saudosismo da ditadura. Sou oficial da reserva do Exército. Sempre defendi e defendo o fortalecimento das Forças Armadas.
O senhor serviu ao Exército na época da ditadura.
Comassetto - No final da ditadura, de 1979 a 1980.
O senhor chegou a ouvir comentários sobre as torturas lá dentro?
Comassetto - Não. Sou natural de Santa Maria, fiz NPOR (Núcleos de Preparação de Oficiais da Reserva). Depois, quando entrei na faculdade ainda servi um ano como oficial em Bagé. Onde eu servi, não vi nada de tortura. Como eram quartéis muito de base, com instrução de artilharia, era muito cálculo, muita topografia, fiquei muito envolvido nessa parte técnica.
Na época o senhor já tinha uma tendência de esquerda?
Comassetto - Como sou filho de colonos, fui formado em uma vida com muitos temas sociais. (Na época do Exército) não tinha ainda uma formação política, não tinha nenhum envolvimento com nenhum partido ou grupo organizado. Me criei no campo, isolado. No dia 1º de abril de 1964, eu tinha cinco anos e lembro como se fosse hoje: estava ajudando meu pai a carregar adubo orgânico e ele era contra reforma agrária. Tinha 14 hectares. Ele comentou isso naquele dia: "Olha, morreu na casca a reforma agrária". Tinha essa relação com uma postura mais de direita, mesmo sendo pequenos agricultores, mas era mais por uma questão cultural do que formação ou entendimento político. Só depois que entrei na universidade comecei militar na juventude do MDB, e em 1985 me filiei ao PT.
As homenagens aos militares citados pela CNV são maléficas?
Comassetto - Em Porto Alegre tem escola com o nome do Costa e Silva, listado como um dos torturadores. Será que é educativo para uma criança que estuda nessa escola? Ela vai saber que era um torturador que comandou um Estado que reprimiu, tirou liberdades? Não é educativo nem humanitário que isso seja uma referência para a juventude brasileira.
Dá para fazer um paralelo entre o seu projeto e outros semelhantes que existem no país com o que ocorreu após a queda do Muro de Berlim, quando nações ocupadas pelos soviéticos passaram a derrubar estátuas de Lênin, por exemplo? É uma revisão histórica parecida?
Comassetto - Não deixa de ser. O que houve no Leste Europeu foi uma ditadura de esquerda. Regimes de intolerância, sejam eles de esquerda ou de direita, não os cultuo nem os defendo. Tenho um princípio mais da social-democracia do que, enfim... Marx e Lênin tiveram conceitos filosóficos avançados que eles não conseguiram ver implementados em sua plenitude. O que ocorreu no Leste Europeu foi que em nome do proletariado se matou muita gente, o Stálin comandou muitos campos de extermínio na Sibéria. Pessoas que defendem princípios ou que são rebeldes, como eu, se eu estivesse lá talvez tivesse ido para a Sibéria, mesmo dentro de um conceito maior que eu defenderia.
O seu projeto prevê a retirada dos nomes. Mas depois os lugares precisam ser renomeados. E se o escolhido pela comunidade for, por exemplo, Costa e Silva?
Comassetto - Bom, se a comunidade escolher, né...
Seu projeto inclui espaços estaduais e federais. Isso não sai do âmbito do Legislativo municipal?
Comassetto - Estamos propondo espaços públicos DO município de Porto Alegre. Vai abrir um debate jurídico, porque tem DO município e NO município. Nesses próximos quatro, cinco meses vai haver um debate legal sobre isso. O importante é que o debate se instala.