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O 1m30cm do estudante Yuri Gabriel Duarte, oito anos, logo se perde em meio à multidão - embora ele vista uma chamativa camiseta laranja neon da seleção da Holanda. Ao seu lado, mais discreta e a passos mais lentos, anda a aposentada Laudelina da Silva, 80 anos, de sacolinha à mão para quando for hora de tirar os chinelos.
Os dois, sem se conhecerem, personificam a ideia de que fé não tem idade: a procissão para saudar Nossa Senhora dos Navegantes, que teve sua 140ª edição nesta segunda-feira pela manhã na Capital, pode ser 8 ou 80.
A religiosidade está presente na rotina de Yuri desde que nasceu, em Alvorada, onde mora com a família. Tímido, conta baixinho como é seu momento íntimo com Deus:
- Na hora de dormir, eu junto as mãozinhas assim e rezo bem direitinho - explica.
Aos oito, devoção nos ombros do pai
O falar é seu principal milagre, dizem os parentes. Há quatro anos, foi identificado no pequeno romeiro um atraso linguístico que quase o impedia de se comunicar. Os pais tentavam estimular. A escola também fez a sua parte. Foi acionado um fonoaudiólogo, mas não custava nada pedir uma ajudinha à santa. Tudo deu certo: ainda que pouco, Yuri começou a conversar.
- Cumpri a promessa de fazer todo o trajeto com ele sobre meus ombros - conta o pai, o pedreiro Rafael Duarte, 34 anos, há pelo menos 15 assíduo na procissão (leva mulher, filho, irmãos, tios, sobrinhos).
Hoje em dia, Yuri caminha com satisfação os 5,5 quilômetros que separam a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, de onde a imagem de Nossa Senhora sai, até o Santuário de Navegantes, onde o percurso termina.
- Cansa menos que jogar futebol - garante o guri.
Em casa, o terço é objeto de uso diário, e a missa aos domingos é um compromisso ao qual não é admitido faltar.
- Essa cultura é muito forte na nossa família. Gostaríamos que o Yuri aprendesse e repassasse para a família dele, quando a tiver - afirma a mãe, Elisandra.
Foi uma manhã de agradecimentos, mas também para fazer um pedido. Rafael e Elisandra estão tentando ter outro filho - se conseguirem, deve se repetir a promessa de levar o bebê sobre os ombros. E Yuri gosta da ideia de ter um irmão por perto?
- Quero um menino para brincar comigo - responde, de pronto.
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Yuri Duarte, 8 anos, foi agradecer pela graça alcançada junto a família
Foto: Ronaldo Bernardi
Perto dos trinta, o anjo nos braços
Há sete anos, o casal Daiane Martins, 29 anos, e Cristian Nopert, 27 anos, estava em situação semelhante à da família Duarte. O desejo de serem pais só se tornou realidade ano passado, depois de uma promessa a Nossa Senhora dos Navegantes.
Vestido de anjo, o bebê de
10 meses acompanhou a chegada da imagem ao Santuário.
- E assim vai ser até ele completar sete anos - anunciou Daiane, que diz ter herdado da mãe sua devoção.
A saúde dos filhos parece ser o que mais motiva os romeiros. Priscila Gonçalves, 20 anos, levou a filha Júlia, de quatro meses, para agradecer por uma graça alcançada:
- Com um mês de vida, ela teve meningite. Prometemos que se ela melhorasse, a traria vestida de anjo. Aqui estamos.
Também para a aposentada Brandina dos Santos, 69 anos, a caminhada de uma hora e meia, definida como "uma explosão de fé" pelo representante do papa Francisco no Brasil, dom Giovanni D'Aniello, tem uma aura de celebração à vida. Quando foi ganhar seu terceiro e último filho, 34 anos atrás, sua pressão alta acabou ocasionando problemas durante o parto.
- Meu filho e eu quase morremos. Então, prometi que, se nos salvássemos, eu participaria da procissão de pés descalços para o resto da vida - diz a porto-
alegrense, devota desde a adolescência e hoje mãe de três, avó de cinco e bisavó de uma menina.
Aos oitenta, os pés descalços sem dor
Durante a missa de despedida da imagem na Igreja do Rosário, o Arcebispo de Porto Alegre, dom Jaime Spengler, também lembrou a importância da família na construção da fé:
- É no colo de uma mãe que aprendemos a ser gente - sentenciou em frente aos fiéis.
Se é pagamento de promessa ou pedido encarecido, os pés não reclamam do asfalto quente - a temperatura beirou os 30ºC durante a procissão e as sombrinhas coloridas se tornaram refúgio contra o sol de verão. Laudelina da Silva, 80 anos, começa de chinelos, mas os dispensa ao longo do trajeto.
- É uma sensação de graça, de alívio - resumiu.
De Cachoeirinha, ela saúda a Nossa Senhora por superar problemas nas articulações, que a incomodaram recentemente.
- Agora, estou bem, sem qualquer tipo de dor. Não há mais nada que me impeça de ser feliz.
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Laudelina, 80 anos, estava em estado de graça, aliviada por se livrar das dores causadas por problemas nas articulações
Foto: Ronaldo Bernardi