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O Supremo Tribunal Federal (STF) retirou nesta quarta-feira (19) o sigilo do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens da Presidência durante a gestão de Jair Bolsonaro. Na véspera, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou Cid, Bolsonaro e mais 32 no inquérito que trata da tentativa de golpe de Estado.
Os depoimentos de Cid contêm informações sobre o caso da venda por Bolsonaro de joias que recebeu de presente de autoridades estrangeiras enquanto era presidente, sobre a participação do então chefe do Executivo em movimentos antidemocráticos, entre outros temas.
Veja abaixo alguns dos principais pontos da delação:
Caso das joias
Mauro Cid confirmou à Polícia Federal (PF) que vendeu, por ordem de Bolsonaro, presentes que o então presidente havia recebido enquanto no cargo. Itens como relógios de luxo e um kit de joias foram comercializados nos Estados Unidos. O ex-ajudante de ordens afirmou que entregou em mãos a Bolsonaro US$ 86 mil relativos a estas vendas.
A delação ainda registra que os pagamentos ocorreram em dinheiro vivo e que não há registro das transações, como emissão de notas. O caso ainda é investigado pela Polícia Federal. Pela lei, os presentes recebidos pelo presidente deveriam ficar no acervo da Presidência da República.
Bolsonaro "ganhou Pix"
Um dos depoimentos que constam na delação premiada trata do momento em que o acordo de colaboração esteve sob risco de ser desfeito, após o vazamento de áudios em que Cid dizia que teria sido pressionado pela PF a falar de fatos que não haviam acontecido.
Chamado a se explicar, o tenente-coronel reiterou o conteúdo de suas falas anteriores e negou que tenha sido coagido a dizer qualquer coisa. Ele confirmou, porém, que gravou o áudio, que classificou como desabafo.
Em um trecho da gravação, ele falava em pessoas que "se deram bem". Questionado sobrem quem seriam, Cid citou o ex-presidente:
— Estava falando do presidente Bolsonaro, que ganhou Pix, aos generais que estão envolvidos na investigação e estão na reserva.
Em oposição, falou da própria situação e revelou ter engordado 10 quilos:
— A carreira está desabando. Os amigos o tratam como um leproso, com medo de se prejudicar. Não é político, não é militar, quer ter a vida de volta.
Desconfiança de Mourão
Outro ponto que chama a atenção na delação de Cid é a revelação de que Jair Bolsonaro suspeitava de uma possível aproximação entre seu então vice, o general da reserva Hamilton Mourão, e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
Esta desconfiança teria motivado pedido do presidente para que as atividades de Moraes fossem monitoradas. O coronel do Exército Marcelo Câmara, que era assessor de Bolsonaro, foi incumbido deste acompanhamento, segundo o depoimento de Mauro Cid.
De acordo com o ex-ajudante de ordens, Bolsonaro achava que Mourão podia estar discutindo com Moraes uma transição pacífica após a derrota do então presidente na tentativa de se reeleger, então com outro vice, o também general da reserva Braga Netto.
— O presidente recebia muita informação não confirmada, informes pelo celular, né… E quando recebia ficava nervoso, irritado e mandava verificar — contou Mauro Cid.
Acampamentos golpistas
Em seus depoimentos, o tenente coronel afirmou que Bolsonaro mantinha esperanças de que seria possível convencer as Forças Armadas a apoiarem um golpe que o manteria no poder, mesmo após a derrota nas eleições de 2022. Em função disso, o ex-presidente não teria agido para desmobilizar os militantes que protestavam em frente a quartéis e teria ordenado que os comandantes das Forças assinassem uma nota conjunta autorizando a permanência dos manifestantes, o que foi feito. A União foi condenada a pagar uma indenização de R$ 2 milhões por esta manifestação.
Pressão para revelar depoimentos
O ex-ajudante de ordens também revelou que após assinar o acordo de colaboração premiada foi pressionado por aliados a revelar o que havia dito à Polícia Federal. Tentativas neste sentido teriam sido feitas pelo general da reserva Walter Braga Netto e por Fábio Wajngarten, que chefiou a Secretaria de Comunicação Social (Secom) durante parte do governo Bolsonaro e atuou também como advogado do ex-presidente.
Gastos com motociatas
Outro ponto dos depoimentos de Mauro Cid pode implicar o ex-presidente em outro processo, este por crime de responsabilidade. Isto porque o tenente coronel afirmou à PF que Bolsonaro usou o cartão corporativo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) — portanto, dinheiro público — para cobrir custos operacionais de motociatas, eventos de cunho político que ele realizava com apoiadores.