A série de reportagens "40 anos da Legalidade" foi publicada em Zero Hora em agosto de 2001.
Leonel Brizola, mentor e líder da Legalidade, campanha que estremeceu o Rio Grande do Sul por 13 dias, não prestigiou a posse de João Goulart na Presidência. A presença em Brasília significaria para o governador avalizar o parlamentarismo, arranjo montado pelo Congresso para superar o impasse criado com o veto dos militares a Jango.
A história da Legalidade foi contada em premiada série de Dione Kuhn, de ZH, em 2001 e é relembrada quando a morte do líder trabalhista completa 20 anos.
O vice-presidente regressou de sua viagem oficial à China no dia 1º de setembro convencido de que a única maneira de assumir o cargo que lhe cabia por direito era aceitar a redução de poderes. Achava que depois de chegar lá, poderia negociar a volta do presidencialismo. Durante os cinco dias passados na capital gaúcha, o vice-presidente e substituto constitucional do expresidente Jânio Quadros colheu várias opiniões. Ele chegou a falar individualmente com boa parte dos deputados gaúchos.
Da imprensa foi duramente cobrado por ter aceitado a solução parlamentarista. No seu primeiro contato com os jornalistas, o vice-presidente foi recebido com uma incômoda homenagem:
— Vamos aplaudir o presidente em regime presidencialista!
Os jornalistas se recusaram inicialmente a colocar na rede de emissoras da Legalidade o manifesto redigido pelo vice-presidente à população.
"A mensagem que trago é de paz e esperança. Permaneço, como em toda a minha vida pública, inteiramente devotado aos princípios democráticos, à manutenção da ordem, pronto a servir à República no interesse do progresso e do bem-estar político, econômico, social e espiritual da Nação. Que Deus me ilumine, que o povo me ajude e que as armas não falem", diz trecho da mensagem de Jango no dia em 1º de setembro de 1961, ao desembarcarem Porto Alegre.
Em determinado momento o vice-presidente se irritou com a cobrança:
— Vocês querem penetrar no meu pensamento, mas tenho a impressão de que isso é privilégio meu, não é verdade?
Em mensagem à população, só palavras conciliadoras:
"Não alimento ódios nem ressentimentos de qualquer espécie. O meu desejo identifica-se com os anseios do povo brasileiro, a preservação da ordem legal, o respeito à Constituição e às leis".
Brizola havia decidido não criar maiores empecilhos, mas deixava claro que a partir daquele momento partiria para a derrubada do parlamentarismo. No dia 5 de setembro, uma terça-feira, finalmente Jango deixou a Capital. A primeira tentativa de embarcar para Brasília foi abortada.
Às vésperas da viagem oficiais da Força Aérea Brasileira (FAB) haviam montado um plano, denominado de Operação Mosquito,que visava a abater o avião de Jango caso tentasse aterrissar em Brasília. Só com a divulgação de um manifesto dos três ministros militares — Odílio Denys, da Guerra, Gabriel Moss, da Aeronáutica, e Sílvio Heck, da Marinha — assegurando o desembarque e a investidura na Presidência, Jango se deslocou novamente para o aeroporto Salgado Filho.
Às 17h30min embarcou no Caravelle acompanhado pelo presidente da Varig, Rubem Berta, pelo general Amaury Kruel — que no avião foi nomeado chefe da Casa Militar —, por Walther Moreira Salles, futuro ministro da Fazenda, e por deputados. À meia-noite do mesmo dia a Rede da Legalidade foi desfeita. O Estado e o país voltaram à normalidade. No dia 7 de setembro João Goulart foi empossado presidente da República.
A resposta veio em 1964
O período histórico que deu origem à Campanha da Legalidade se encerrou dois anos e sete meses depois da posse de João Goulart na Presidência da República. No dia 31 de março de 1964, uma coluna comandada pelo general Olympio Mourão Filho marchou de Minas Gerais para o Rio com o objetivo declarado de depor o presidente, com o apoio de toda a cúpula das Forças Armadas. Isolado, Jango deixou o país. Iniciava-se uma ditadura militar de 20 anos.
Jango, o homem que chegou com poderes limitados à Presidência em 1961, só foi conseguir governar de fato um ano e quatro meses depois da posse. A experiência parlamentarista mostrou-seu m fracasso depois da queda de três gabinetes e tentativas frustradas de pôr em prática um plano econômico-social. Sem o apoio do PSD, seu aliado nas eleições de 1955 e 1960, e da UDN, Jango passou a contar exclusivamente com o respaldo do seu partido, o PTB.
Em março de 1964 os generais legalistas de 1961 não estavam mais a seu lado. O comandante do 2º Exército (com sede em São Paulo), general Amaury Kruel, padrinho de seu filho João Vicente Goulart, vinha pressionando para que o presidente deixasse claro seu repúdio aos comunistas e fechasse o Comando Geraldos Trabalhadores (CGT) e o Clube Militar. Kruel acabou sendo um dos líderes do golpe.
A última cartada de Jango foi nomear o general Ladário Teles para o comando do 3º Exército no Rio Grande do Sul. Ladário havia convencido Jango de que seria preciso comandar a reação a partir do Rio Grande do Sul. O oficial, porém, chegou ao Estado já sem possibilidade de ação. As unidades sob seu comando estavam fechadas com a cúpula militar.
Na madrugada de 2 de abril de 1964, Jango, o então deputado federal Leonel Brizola e sete generais se reuniram na casa de Ladário para montar um plano de ação, que passava pela nomeação de Ladário para o Ministério da Guerra e de Brizola para o da Justiça. Jango seria levado a São Borja com proteção da divisão do Exército com sede em Santiago. Em Porto Alegre começariam a ser tomadas as iniciativas de mobilização da população e de fortalecimento do Exército.
Jango, porém, já estava decidido a não resistir. Temia que um movimento nos moldes da Legalidade levasse o país a um derramamento de sangue. Foi para sua fazenda em São Borja e, dois dias depois, levado por seu piloto particular, Manoel Soares Leães, voou para Montevidéu. Morreu em dezembro de 1976 sem nunca ter podido voltar ao Brasil. Brizola ainda tentou resistir, mas acabou deixando o país semanas depois, mergulhando num exílio de 15 anos.
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