Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm sido críticos a iniciativas do Ministério Público Federal (MPF) de indicar o destino de dinheiro recuperado de corrupção. A mais recente delas foi a criação de uma fundação para gerir recursos devolvidos pela Petrobras após acordo com a força-tarefa da Operação Lava-Jato, em Curitiba.
Para integrantes da Corte, a atribuição de decidir o destino deste dinheiro é da União, e não do Ministério Público ou da Justiça.
O "recado" foi dado pelo ministro Edson Fachin ao negar, no fim de fevereiro, pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para que R$ 71,6 milhões referentes ao acordo de delação do ex-marqueteiro do PT João Santana fossem destinados ao Ministério da Educação.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a contatar a pasta e solicitar informações sobre como efetivar esse tipo de transferência.
Ao rejeitar a intenção da chefe do Ministério Público Federal, Fachin destacou que cabe ao governo Federal definir como vai usar a receita.
— A multa deve ser destinada à União, cabendo a ela, e não ao Poder Judiciário, inclusive por regras rigorosas de classificação orçamentária, definir, no âmbito de sua competência, como utilizará essa receita — justificou Fachin.
O ministro Marco Aurélio Mello tem a mesma opinião. Ele afirmou que a responsabilidade de gerenciar o cofre público é do Executivo, não de magistrados ou procuradores.
— Quem somos nós para administrar o cofre da União? A destinação ocorre sob o ângulo político das necessidades momentâneas, não cabe ao Judiciário definir se vai para ministério X ou Y. Não cabe. Nunca coube — declarou Marco Aurélio.
Na decisão em que negou o pedido da Procuradoria-Geral da República, Fachin cita o fato de a lei que rege a delação premiada estabelecer como "necessária" a recuperação do dinheiro obtido por meio do crime, mas não prever uma destinação específica para estes valores.
Um ministro da Corte ouvido reservadamente também criticou a movimentação do Ministério Público. O magistrado afirmou que os procuradores, responsáveis por negociar acordos de delação, podem até sugerir ao Executivo a destinação do dinheiro, mas não buscar isso por meio da Justiça.
A Procuradoria afirmou, em nota, que é favorável ao ressarcimento ser destinado às vítimas dos crimes. "Nos processos que tramitam no STF, a União é vítima e a Procuradoria requer que o dinheiro recuperado lhe seja entregue. A PGR consultou formalmente a União (Ministério da Educação), que lhe indicou programas que atendem estudantes", assinalou o Ministério Público.
Fundo
Com a chancela da Justiça, a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba fechou um acordo com a Petrobras para criar um fundo de investimento social voltado a projetos "que reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção". A ideia dos procuradores é usar recursos de penalidades impostas à estatal para alimentar esta reserva. A gestão será feita por uma fundação de direito privado.
De acordo com o Ministério Público Federal, parte do montante, porém, será ser utilizada para eventual ressarcimento de investidores da Petrobras que acionem a estatal na Justiça.
Para o ministro Marco Aurélio, a medida acaba "criando uma promiscuidade condenável" ao mesclar verba pública com dinheiro privado.
— O Judiciário não pode ter fundo. Judiciário e Ministério Público devem seguir as balizas fixadas em orçamento. Nós não atuamos em campo privado — afirmou o ministro do STF.
Em nota, a força-tarefa da Lava-Jato no Paraná destacou que a fundação será "gerida por membros da sociedade civil de reputação ilibada e reconhecida trajetória e experiência".
"Interpretações equivocadas"
A força-tarefa da Lava-Jato rebateu na quinta-feira (7) as críticas ao acordo entre o Ministério Público Federal, a Petrobras e o Departamento de Justiça americano para usar os recursos de multa a ser paga pela estatal nos Estados Unidos em projetos anticorrupção no Brasil. Para eles, houve "interpretações equivocadas" sobre como essas verbas serão geridas.
— Parece que tudo começou com base em notícias equivocadas de que o Ministério Público iria gerir os recursos ou que eles iriam para o Ministério Público. O que estão falando não está no acordo. Será uma fundação a ser criada que fará essa gestão — afirmou o procurador da República Paulo Roberto Galvão, membro da Lava-Jato.
O acordo homologado em janeiro pela juíza Gabriela Hardt, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, registra que a proposta foi iniciativa do MPF e da Petrobras — que é ré em ação nos Estados Unidos e concordou em pagar multa por falhas de seu sistema de compliance. Com a concordância das autoridades americanas, o acordo estipula que 80% desses recursos voltem ao Brasil.
O fundo será criado por um "comitê de curadoria social", a ser formado até abril pelo Ministério Público com entidades civis. Será esse comitê, segundo o procurador, que formará a reserva e ficará responsável pela gestão dos recursos. O acordo prevê que o MPF terá assento em órgão de deliberação nesse fundo a ser criado — o que não dá aos procuradores, poder de gestão sobre o dinheiro ou projetos a serem financiados, segundo a proposta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.