Submetido a cerco progressivo da Polícia Federal (PF), Michel Temer comemorou nesta quinta-feira (7) rara vitória judicial. Ao rejeitar o pedido de quebra do sigilo telefônico, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin evitou novo golpe na já abalada credibilidade do presidente.
No último mês, o avanço das apurações tornou praticamente inevitável a apresentação de novas denúncias contra Temer. Depoimentos e uma série de documentos apreendidos com outros investigados, em especial o coronel aposentado João Baptista Lima Filho, reforçam os indícios de que o presidente teria recebido propina de várias empresas.
Há relatos de pagamentos de Odebrecht, JBS, Engevix, Grupo Libra e Rodrimar. Essas suspeitas engrossam quatro inquéritos nos quais Temer é alvo central. Em dois deles, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou denúncia ao STF, pelos crimes de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça. A Câmara rejeitou as acusações, suspendendo os processos até o final do mandato presidencial.
Enquanto aguardam por 31 de dezembro, os agentes aceleraram as outras apurações. No inquérito do quadrilhão do MDB, Temer é suspeito de ter recebido R$ 10 milhões da Odebrecht.
No dos portos, é investigado por supostamente ter beneficiado empresas do setor em troca de propina.
Eliseu Padilha e Moreira Franco também na mira
Nos dois casos, a maior fragilidade reside em suas relações com amigos de mais de 30 anos, como o advogado José Yunes e o coronel Lima. O militar chegou a ser preso em março, mas alegou problemas de saúde e foi solto sem prestar depoimento. A PF descobriu que empresas dele têm negócios com companhias investigadas e atuaram em reformas nos imóveis da família de Temer. Para o delegado da PF Cleyber Lopes, Lima é laranja do presidente e seu principal intermediário de propina.
Yunes virou réu na Justiça Federal de Brasília – com Lima – após afirmar ter recebido R$ 1 milhão, parte dos R$ 10 milhões da Odebrecht, a pedido do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Foi no escopo dessa apuração que Fachin negou a quebra do sigilo telefônico de Temer. Padilha e o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, não tiveram a mesma sorte. A partir do acesso aos dados dos mais influentes auxiliares do presidente, a PF quer descobrir se eles trocaram telefonemas durante a entrega da propina. Pelo menos parte do suborno teria sido repassada a Padilha no Rio Grande do Sul.
Em entrevista à TV Brasil, Temer classificou as investigações contra si como “movimento político” com o objetivo de “esquartejamento moral do presidente”:
— O tratamento que me dão é indigno. Estou sendo vilipendiado.
No centro das investigações Fazenda em nome de laranja
Localizada em Duartina (SP) e registrada como filial da Argeplan, empresa de arquitetura do coronel João Baptista Lima Filho, a Fazenda Esmeralda teria Michel Temer como verdadeiro dono. Relatórios da Polícia Federal (PF) indicam que Lima seria laranja do presidente. Os agentes apreenderam documentos sobre a fazenda em escritórios da Argeplan e colheram depoimentos sobre a posse do terreno. O empresário Joesley Batista, da JBS, disse a PF ter ouvido do deputado Paulinho da Força (SD-SP) que a fazenda, invadida várias vezes pelo MST, pertence a Temer.
Propina em Angra 3
Contrato de R$ 160 milhões da Eletronuclear para obras em Angra 3, em 2010, ficou a cargo da AF Consult (empresa da qual a Argeplan, de Lima, era sócia até março deste ano) e da Engevix. Sócio da empreiteira, José Antunes Sobrinho afirmou à PF que “a Argeplan só conseguiu o contrato por ser ligada a Temer, e precisou subcontratar a Engevix porque não tinha capacidade para o serviço”. Sobrinho também relatou pagamento de R$ 1 milhão de propina a Lima. O doleiro Lucio Funaro já havia apontado o coronel como operador de Temer e que o presidente teria se beneficiado de corrupção em Angra 3.
Arrecadador de campanha
Em interrogatório na PF, o dono do Grupo Libra, Gonçalo Torrealba, disse que Lima atuava como arrecadador de campanhas de Temer. A declaração contraria depoimento, por escrito, do presidente, no qual ele nega que Lima tenha coletado doações em seu nome. Com operações no porto de Santos, o Grupo Libra teve a concessão renovada por 25 anos graças ao decreto dos portos, editado por Temer. Torrealba contou à PF ser amigo do presidente há mais de 15 anos, que se reuniu diversas vezes com ele e reconheceu ter sido beneficiado pelo decreto, mas negou ter feito doações ao emedebista.
Quebra dos sigilos
A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de rejeitar a quebra do sigilo telefônico de Temer não foi suficiente para amenizar o ambiente no Planalto. Fachin autorizou quebra dos sigilos dos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Energia). Todos são investigados no inquérito do quadrilhão do MDB. A PF sustenta que dados telefônicos podem mostrar a participação do presidente no recebimento de R$ 10 milhões da Odebrecht. No inquérito dos portos, relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso, Temer teve quebrados os sigilos bancário e fiscal.
Negócios com a Rodrimar e Libra
A PF descobriu vínculos comerciais de Lima com operadores portuários beneficiados por Temer: a Rodrimar e o Grupo Libra. Contador das campanhas de Temer e funcionário da Argeplan, Almir Martins disse ter sido indicado pela empresa como administrador da filial brasileira da Eliland, offshore sediada no Uruguai. Ele cuidava de apenas um contrato, justamente com a Rodrimar. A PF tem em mãos ainda contrato da Argeplan com o Libra. Os documentos reforçam suspeitas de que as companhias mantinham negócios com Lima como forma de repassar dinheiro a Temer.
Dinheiro vivo via Yunes
Amigo e ex-assessor especial de Temer, o advogado José Yunes teria recebido dinheiro vivo destinado ao presidente. Pelo menos um ex-funcionário de empresa de transporte de valores relatou à PF ter feito entregas no escritório de Yunes. O policial militar Abel de Queiroz disse ter “absoluta certeza” de que esteve duas vezes no local e que o repasse era feito mediante senha definida previamente. Ele citou quatro colegas com quem trabalhou nas transações. Yunes é réu pelo quadrilhão do MDB e admitiu ter recebido R$ 1 milhão em seu escritório, a pedido de Padilha.
R$ 23 milhões do coronel
Extratos bancários e planilhas apreendidas pela PF revelam que Lima é dono de pequena fortuna de R$ 23,64 milhões. São R$ 20,6 milhões em contas no Bradesco da PDA Administração e Participação, empresa do coronel. Há ainda R$ 3,04 milhões em nome do próprio Lima, sendo R$ 1,8 milhão no Bradesco, R$ 500 mil no Banco do Brasil e o restante em outras contas. As sedes da PDA e da Argeplan ficam lado a lado. Os investigadores querem descobrir a origem dos recursos, já que o coronel é suspeito de ser laranja e arrecadador de doações de Temer.
Imóveis reformados
Documentos apreendidos pela PF e o depoimento de um engenheiro comprovaram envolvimento da Argeplan, empresa de Lima, nas obras da casa do presidente e de uma de suas filhas, Maristela. Fornecedores disseram à PF que recebiam em dinheiro vivo, sempre de Maria Rita Fratezi, mulher do coronel. Há suspeita de que os pagamentos fossem propina da Engevix. A empreiteira fez dois repasses à PDA Projetos, companhia de Lima, um de R$ 622 mil e outro de R$ 469 mil. Segundo José Antunes Sobrinho, da Engevix, era uma forma de lavar dinheiro direcionado a Temer.
A Argeplan, empresa do Coronel Lima, manteve sociedade com a AF Consult até março deste ano. A informação foi atualizada na matéria.