
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello classificou como "estratégia" a decisão da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, de antecipar a votação do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de retomar a discussão sobre a possibilidade de cumprimento de pena após condenação em 2ª instância.
Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha na manhã desta quinta-feira (5), o ministro justificou a sua "irritação" por "não conceber estratégia em colegiado" durante o voto de Rosa Weber, que, apesar de se dizer contrária de maneira geral ao cumprimento de pena antes de esgotadas todas as possibilidades de recursos, votou no sentido oposto ao analisar o caso concreto de Lula.
— Eu estava vendo que vingava uma estratégia. Eu não concebo estratégia em colegiado. Processo para mim não tem capa, tem conteúdo. Mostrei, de certa forma, uma irritação, vamos dizer assim, em relação à postura da ministra Rosa Weber, porque ela estava a tornar prevalecente o convencimento dela e ela não fez isso. Por isso, acabamos julgando o processo pela capa — disse.
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O ministro diz que a estratégia foi estabelecida em dezembro, quando Cármen Lúcia não designou data para pautar a discussão sobre prisões após 2ª instância, dizendo que seria "apequenar o Supremo".
— A estratégia foi da presidente quando eu liberei o processo em dezembro e ela não designou data. E julgada a ação aí no TRF4, ela chegou ao ponto de dizer que designação de data seria apequenar o Supremo. Apequenar o Supremo? Como? Eu não posso estabelecer um modo de procedimento tendo presente o raciocínio de se a votação vai beneficiar esse ou aquele — justificou.
Porém, Marco Aurélio reconheceu que cabe à presidente do Supremo determinar a data.
— É uma tradição no tribunal, nós liberamos, portanto nos declaramos habilitados a relatar e votar o caso e a presidente designa a data para tanto. Esse é um poder dela. Quando realmente de uma situação urgente, nós podemos sinalizar. No caso concreto, eu liberei em dezembro, como eram declaratórias de constitucionalidade ainda não se tinha esse contexto alusivo ao habeas corpus do ex-presidente — disse.
Apesar da rejeição ao pedido de habeas corpus de Lula no caso concreto, o ministro acredita que o cenário aponta para uma votação favorável ao fim da execução da prisão após julgamento em 2ª instância, se eventualmente voltar à discussão no plenário.
— Quando nós apreciamos o pedido de implemento de liminar, houve uma votação muito apertada de seis a cinco indeferindo a liminar (em 2016). Com essa evolução do ministro Gilmar Mendes, se apreciássemos hoje, nós teríamos a maioria. Agora com a ressalva da ministra Rosa Weber, que julgando um processo envolvendo certo cidadão, ressalvou entendimento para afirmá-lo no julgamento dos processos abstratos, evidentemente teremos seis votos para retornar à jurisprudência de 2009 (que não permite a execução de prisão em 2ª instância) — afirmou.
Cumpre ao juiz evoluir, tão logo reconheça, assistir maior razão ao entendimento que ele repudiou.
MARCO AURÉLIO MELLO
ministro do STF, sobre a mudança de posição de Gilmar Mendes
O ministro também comentou a possibilidade de o impasse ser solucionado por meio de emenda constitucional, no Congresso — proposta que chegou a ser sugerida pelo juiz Sergio Moro, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Ao Timeline, Marco Aurélio disse considerar tal mudança inconstitucional.
— Boa ou não é a lei que nós temos. E eu tenho dúvidas inclusive se podemos modificar a Constituição, porque quando ela revela que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de uma decisão condenatória, ela gera um direito individual. O artigo 60 da Constitucional Federal obstaculiza a tramitação de emenda constitucional visando afastar o direito individual — considera.
Em relação à mudança de posicionamento do ministro Gilmar Mendes — que em 2016 se mostrou favorável ao cumprimento de pena após condenação em 2ª instância e, no julgamento do habeas corpus de Lula, votou no sentido oposto —, o ministro defendeu o direito do magistrado de evoluir seu pensamento.
— Cumpre ao juiz evoluir, tão logo reconheça, assistir maior razão ao entendimento que ele repudiou. A evolução é própria ao magistrado e cada qual tem uma forma de ver. Somos unos e nos manifestamos — disse.