Ao denunciar a formação de uma organização criminosa pelo PT no âmbito da Lava-Jato nos mandatos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, descreveu pagamentos de vantagens indevidas a Lula em valores que, somados, chegam a R$ 230 milhões, como contrapartida a favorecimento de empresas como a Odebrecht e a OAS em contratos. Janot descreve Lula como "grande idealizador" da organização criminosa formada no governo federal para desvio de recursos relacionados à Petrobras.
Parte dos recursos que a PGR afirma que Lula recebeu de propina estão relacionados à aquisição do imóvel onde está instalado o Instituto Lula, no valor de R$ 12,4 milhões, e também à compra do apartamento dele em São Bernardo do Campo (SP), no valor de R$ 504 mil que teriam sido fornecidos pela Odebrecht.
Além disso, segundo a denúncia, Lula teria recebido da OAS e da Odebrecht propina "feita por meio do custeio de reformas em sítio localizado em Atibaia (SP), sobre a qual detinha a posse direta, nos respectivos valores concedidos por aquelas empresas de R$ 170 mil e R$ 700 mil, montantes que também foram objeto de dissimulação, ocultação da sua origem, movimentação, disposição e propriedade".
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No total, em relação à OAS, Janot afirma que foram feitos pagamentos no valor de R$ 27 milhões ao ex-presidente para favorecer a construtora em contratos em obras em Alagoas, Pernambuco, Amazonas e Rio de Janeiro, entre 2004 e 2012.
Em dois momentos, Janot faz uma listagem de valores multimilionários que Lula teria recebido da Odebrecht de forma indevida. Primeiro, Janot diz que o ex-presidente recebeu entre 2004 e 2012 R$ 128,1 milhões para contratos na Refinaria do Nordeste, no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), entre 2004 e 2012.
Mais adiante na denúncia, Janot aponta que Lula recebeu R$ 75,4 milhões em contratos relacionados à Refinaria Getúlio Vargas, a serviços de terraplenagem da área de construção e montagem da Refinaria do Nordeste, e a outros serviços de terraplenagem, drenagem e anel viário da área do Comperj, além da execução de obras de construção e montagem no Terminal de Cabiúnas, em Campos-RJ, e no Gasoduto Cabiúnas (GASDUC III).
"Apesar de não estar mais à frente da Presidência da República, Lula mantinha forte influência nos rumos do governo Dilma, além de ser uma pessoa influente perante outras autoridades estrangeiras, especialmente na América Latina e na África, países em que a Odebrecht tinha forte interesse. Por essa razão, os pagamentos de propina diretamente para Lula não cessaram após sua saída do governo", destacou Janot.
"Grande idealizador"
Segundo Janot, Lula e Dilma formaram uma organização criminosa quando foram presidentes da República, junto com demais integrantes da cúpula dos governos petistas. O procurador-geral afirma que Lula seria o "grande idealizador" da quadrilha e, por isso, pede pena agravada ao ex-presidente.
Além de Lula e Dilma, também foram denunciados a senadora, presidente nacional do partido e ex-ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR), os ex-ministros Guido Mantega, Antonio Palocci, Paulo Bernardo e Edinho Silva e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.
De acordo com a denúncia, a suposta organização criminosa formou um esquema de arrecadação de propina por meio da utilização de entes e órgãos públicos como a Petrobras, o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), que permitiu o recebimento de propina de cerca de, pelo menos, R$ 1,485 bilhão.
"Os crimes praticados pela organização geraram prejuízo também aos cofres públicos. Nesse sentido, só no âmbito da Petrobras o prejuízo gerado foi de, pelo menos, R$ 29 bilhões, conforme expressamente reconhecido pelo Tribunal de Contas da União", afirmou o procurador-geral da República.
"Além disso, por intermédio da negociação espúria de cargos públicos, os ora denunciados concorreram para que os demais integrantes do núcleo político da organização criminosa que pertenciam ao PP, ao PMDB do Senado Federal e ao PMDB da Câmara recebessem, pelo menos, de vantagens indevidas, respectivamente, R$ 390,8 milhões, R$ 864,5 milhões e R$ 350 milhões", afirmou Janot.
Especificamente sobre a atuação de Lula, o procurador-geral afirmou que o ex-presidente foi "o grande idealizador da constituição da presente organização criminosa, na medida em que negociou diretamente com empresas privadas o recebimento de valores para viabilizar sua campanha eleitoral à presidência da República em 2002 mediante o compromisso de usar a máquina pública, caso eleito (como o foi), em favor dos interesses privados deste grupo de empresários".
Janot afirma que Lula também foi um dos responsáveis pelo desenho do sistema de arrecadação de propina e "atuou diretamente na negociação espúria em torno da nomeação de cargos públicos com o fito de obter, de forma indevida, o apoio político necessário junto ao PP e ao PMDB para que seus interesses e do seu grupo político fossem acolhidos no âmbito do Congresso Nacional". E que continuou com líder do núcleo político da organização criminosa sob a presidência de Dilma Rousseff.
Janot afirma também que, com a saída de Dilma da presidência da República, houve uma "reformulação do núcleo político da organização criminosa". "A partir de maio de 2016, os integrantes do PMDB da Câmara passaram a ocupar esse papel de destaque dentro da organização", afirma.
Como conclusão, em relação a Lula, Janot pede que a pena do ex-presidente seja agravada na condição de comando da organização criminosa.
Na descrição sobre o esquema criminoso, Janot afirma que os políticos queriam usar orçamento da Petrobras para "para arrecadar o máximo possível de vantagem indevida junto aos grupos econômicos com interesse em firmar negócios com a estatal".
"Nesse ambiente, foram praticados diversos crimes, corrupção ativa e passiva, prevaricação, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, fraude a licitação, cartelização, evasão fraudulenta de divisas, entre outros", descreveu Janot.
Contrapontos
A defesa de Lula enviou uma nota à imprensa na qual afirma que há perseguição ao ex-presidente da República. "Essa denúncia, cujo teor ainda não conhecemos, é mais um exemplo de mau uso das leis para perseguir o ex-Presidente Lula, que não praticou qualquer crime e muito menos participou de uma organização criminosa. É mais um ataque ao Estado de Direito e a democracia", afirmou o advogado Cristiano Zanin Martins.
"O protocolo dessa denúncia na data de hoje sugere ainda uma tentativa do MPF de mudar o foco da discussão em torno da ilegalidade e ilegitimidade das delações premidas no país", finalizou o advogado do ex-presidente Lula.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa de Dilma informou que Janot ofereceu uma denúncia "sem qualquer fundamento".
"Caberá ao STF garantir o amplo direito de defesa e reparar a verdade, rejeitando-a. A Justiça será feita e não prevalecerá o Estado de Exceção. Não há mais espaço para a Justiça do Inimigo", diz a nota da assessoria.
Em nota, o PT afirma:
"A denúncia apresentada nesta terça-feira (5/9) pela Procuradoria Geral da República parece uma tentativa do atual procurador-geral de desviar o foco de outras investigações, que também envolvem um membro do Ministério Público Federal, no momento em que ele se prepara para deixar o cargo.
Não há fundamento algum nas acusações contra o Partido dos Trabalhadores. Desde o início das investigações da Lava-Jato, o PT vem denunciando a perseguição e a seletividade de agentes públicos que tentam incriminar a legenda para enfraquecê-la politicamente.
Esperamos que essas mentiras sejam tratadas com serenidade pela justiça brasileira, e terminem arquivadas como já ocorreu com outras denúncias sem provas apresentadas contra o partido."
Já o advogado Luiz Flávio Borges Durso, que defende Vaccari, afirmou em nota que a denúncia de Janot "é totalmente improcedente, pois o sr. Vaccari, enquanto tesoureiro do PT, cumpriu seu papel, de solicitar doações legais destinadas ao partido, as quais sempre foram depositadas na conta bancária partidária, com respectivo recibo e a prestação de contas às autoridades competentes, tudo dentro da lei e com absoluta transparência".
"O sr. Vaccari continua confiando na Justiça brasileira e tem convicção de que as acusações que lhe são dirigidas, haverão de ser rejeitadas", diz a nota do advogado.