O procedimento interno da Procuradoria-Geral da República (PGR) para analisar a revisão do acordo de colaboração do Grupo J&F provocou reação entre membros do Judiciário. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), classificou, na terça-feira (5), em Paris, o acordo fechado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como "a maior tragédia que já aconteceu na PGR".
Em Brasília, o corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, disse que "certamente" a imagem do STF já está arranhada por causa de menções de delatores a integrantes da Corte.
Para Gilmar, o acordo de delação negociado por Janot, que incluía o primeiro áudio da conversa gravada por Joesley Batista, dono da JBS, mas ignorava a existência do segundo áudio, revelado na segunda-feira (4), "é um desastre".
– É a maior tragédia que já ocorreu na Procuradoria-Geral em todos os tempos. Não tem nada igual – disse Gilmar, na embaixada do Brasil em Paris, onde cumpriu agenda oficial.
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Contudo, na avaliação do ministro do STF, é uma "sorte do Brasil" que a denúncia de Janot tenha ocorrido porque, segundo ele, revelaria a "desinstitucionalização" da PGR e o trabalho "malfeito" dos procuradores na investigação.
Questionado pela reportagem se via uma relação promíscua entre delatores, como Joesley, e a Procuradoria – o ex-procurador da República Marcelo Miller é suspeito de ter auxiliado o empresário a preparar as gravações –, Gilmar Mendes foi taxativo:
– Com certeza. É fato gravíssimo – disse, estimando que o acordo de delação firmado entre a PGR e Joesley "terá de ser completamente revisto".
Singular
Questionado sobre se a eventual revisão da delação resultaria na anulação das provas que constam da denúncia – Janot afirma que não seriam passíveis de anulação –, Gilmar disse que a questão "terá de ser examinada em cada tópico".
– O caso do presidente (Michel Temer) é um caso muito singular. Desde o início ele vem batendo nessa tecla de que pode ter havido uma ação controlada sem ordem judicial – disse. – Tudo indica que os delatores receberam treinamento da Procuradoria muito antes de fazer aquela primeira investida. Sobre isso, eles (PGR) vão ter de responder. E aí vai surgir a questão de se a prova é lícita ou não.
Gilmar disse ainda que estima que o procurador-geral violou o Código Penal durante a investigação.
– Você não pode cometer crime para combater crime. Do contrário a gente aceitaria a tortura. É essa a questão – argumentou, afirmando que "os limites do Estado de Direito" foram ultrapassados.
Sobre os trechos do áudio que mencionam seu nome, Gilmar ironizou, chamando a ação da PGR de "Operação Tabajara".
– Já me falaram que é qualquer coisa ligada à aprovação da delação no Supremo Tribunal Federal e coisa do tipo – disse o ministro, explicando, segundo ele, a razão pela qual seu nome teria sido citado. – Eu tenho a impressão de que o procurador-geral tentou trazer o Supremo para auxiliá-lo nessa operação Tabajara. É uma coisa muito malsucedida. O Supremo não tem nada com isso.
Imagem
– Certamente, (isso) já arranhou (a imagem do Supremo) – disse, na terça, o ministro João Otávio de Noronha, que atua no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao lado da ministra Cármen Lúcia, que preside o conselho e o STF.
Noronha, no entanto, ressaltou que não acredita que qualquer ministro do STF esteja envolvido em irregularidades no caso.
– Nossa Corte é composta dos homens e mulheres mais dignos deste país – afirmou.
Para o corregedor nacional de Justiça, o gerenciamento da delação premiada é "muito importante".
– Por exemplo, não é razoável você pressionar alguém a delatar. Não é razoável prender para delatar. Não sei se isso aconteceu, acontece. Não tenho caso concreto que alguém foi pressionado – disse Noronha.