O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), classificou, nesta quinta-feira, a decisão do colega Luiz Fux como "tudo que não se faz em matéria de discussão". Na quarta-feira, Fux ordenou a retomada da tramitação do pacote anticorrupção, que já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados.
– Não sei se é a água que estamos bebendo no tribunal – ironizou o ministro.
Questionado sobre a decisão, Mendes respondeu que o STF vive um "surto decisório", o que não corresponde à tradição do Supremo de ter cautela antes de interferir em conflitos.
– Vivemos momentos esquisitos. A toda hora é um surto decisório que não corresponde às nossas tradições. Em geral éramos árbitros em processos de conflito e não atores ou causadores de conflitos. Então acho que nós temos que refletir muito sobre isso e respeitar a harmonia e independência entre os poderes – afirmou Gilmar Mendes, na manhã desta quinta-feira, após café da manhã com deputados que compõem a Comissão de Reforma Política da Câmara.
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Mendes, que é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ressaltou que o processo legislativo tem múltiplos mecanismos de controle, não cabendo interferências judiciais antes que se conclua todo o rito de tramitação dos projetos de lei. O ministro afirmou que o STF precisa "permitir que as coisas funcionem com a dinâmica que elas próprias têm".
– Eu nunca ouvi falar que uma proposta que chega no Congresso não pode ser modificada. Então torna-se o Congresso dispensável – afirmou Gilmar, ladeado de Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), presidente do Comissão de Reforma Política da Câmara.
Gilmar ironizou a decisão de Fux assim como havia ironizado a liminar do ministro Marco Aurélio Mello que determinava o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado. Mendes chegou a sugerir o impeachment de Mello, para depois dizer que o comentário não passava de uma "blague" – uma brincadeira. Semana passada, na sessão seguinte ao comentário, os ministros do Supremo discursaram em defesa de Marco Aurélio.
Sobre os imbróglios envolvendo o Judiciário, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, afirmou:
– Qualquer decisão judicial desagrada, e o desagrado pode levar a qualquer tipo de observação. O que não se pode é se colocar em causa a honorabilidade e principalmente a correção ética, intelectual do juiz, porque isso coloca em risco até mesmo as instituições.
Decisão determina que análise de pacote seja reiniciada
Na quarta-feira, o ministro Luiz Fux emitiu uma decisão liminar (de caráter provisório) em que suspendeu a tramitação de um pacote de medidas de combate à corrupção, argumentando que sua tramitação não obedeceu ao rito previsto para projetos de lei de iniciativa popular. No despacho, o ministro escreveu como justificativa o fato de o texto original ter recebido emendas.
O pacote anticorrupção teve origem em uma campanha do Ministério Público e chegou ao Congresso como projeto de iniciativa popular após receber 2 milhões de assinaturas. Na madrugada de 30 de novembro, a Câmara aprovou o projeto de lei com diversas alterações, sempre no sentido de amenizar as medidas originais propostas pelo MP.
Entre as modificações, foi incluída no projeto uma emenda que criminaliza atos de abuso de autoridade cometidos por juízes e membros do Ministério Público. No dia seguinte, a medida foi criticada pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, e pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Desde o início, o ministro Gilmar Mendes é um crítico contumaz das dez medidas de combate à corrupção, na forma como foram propostas pelo MP. As medidas são defendidas pelos integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato e pelo juiz Sergio Moro.