Usados como procedimentos fundamentais de investigação na Operação Lava-Jato, os acordos de delação premiada, pelos quais suspeitos confessam crimes em troca de benefícios e ainda revelam novas denúncias, estão sujeitos a mudanças conjunturais em projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados. A ideia da proposta, de autoria do deputado Wadih Damous (PT-RJ), é estabelecer restrições às regras de colaborações, conforme também citou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em conversas gravadas com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.
Atualmente, o acordo é previsto na lei 12.850/13, que prevê direitos e deveres e garante benefícios ao colaborador, como perdão judicial e redução de pena. A delação deve ser proposta pelo Ministério Público, Polícia Federal ou advogados de defesa e homologada por um juiz para ter validade. Antes de assinar os termos, os investigadores costumam avaliar a relevância da pessoa para o processo e se há, de fato, oportunidade de obter detalhes sobre o esquema investigado.
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A proposta de Damous, o PL 4372/2016, protocolado em fevereiro deste ano, estabelece que só sejam aceitas delações de pessoas em liberdade, tirando o direito de presos colaborarem com a Justiça. O texto garante a privacidade de pessoas citadas, criminaliza vazamento de conteúdo de colaborações e diz que denúncias formais não podem ser fundamentadas somente em declarações do delator.
Nas justificativas da proposta, o deputado petista diz que "o instituto da colaboração premiada se tornará mais efetivo e compatível com os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República de 1988, ademais de garantir maior segurança jurídica para o sistema de justiça criminal".
Em seu site oficial, o parlamentar argumenta que a Operação Lava-Jato utiliza "procedimentos que ferem direitos e garantias fundamentais" e que existem "constantes violações e abusos aos direitos da pessoa submetida a investigação". Além disso, Damous afirma que o projeto tenta "pelo menos amenizar esse quadro de verdadeiro terror judicial".
O procurador da força-tarefa da Operação Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF) Antônio Carlos Welter entende que, caso o projeto seja aprovado, o poder de negociação das autoridades será enfraquecido e todos os acordos feitos até agora poderiam ser anulados. Welter afirma que as mudanças engessariam o sistema e não viriam em favor da sociedade.
– Me parece que essas limitações não são de interesse público. No momento em que há restrições, se perde a essência do acordo e vai contra a lógica do processo. No caso da Lava-Jato, as colaborações poderiam ser anuladas. Isso inviabilizaria a investigação. Talvez seja esse, inclusive, o propósito. Só que as consequências poderiam ir muito além, pois acordos são feitos para outros crimes também, como tráfico de drogas, sequestros – diz.
Welter argumenta, ainda, que a maioria dos acordos, na Lava-Jato, foi feito com pessoas em liberdade e nega a ideia de que as colaborações sejam um instrumento de coerção ou constrangimento a investigados.
– Na Lava-Jato, a maior parte das colaborações foi de investigados em liberdade, como a do Pedro Barusco, que teve grande importância nas investigações. Dos 58 acordos celebrados até agora, somente 14 foram feitos com presos. Evidente que, desses, alguns coram cruciais para a Lava-Jato. Talvez a operação não tivesse a importância que tem hoje sem esses acordos com pessoas presas. Mas há muitas outras delações que estão sob completo sigilo – afirma o procurador.
O jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil, Luiz Flávio Gomes, pondera que a única mudança positiva na lei que permite delação premiada seria que o acordo fosse fechado somente se fosse a pedido do investigado. Ele diz que as propostas do deputado, como estão descritas, foram criadas com o objetivo de criar obstáculos à Lava-Jato.
– Não são para melhorar o instituto da delação. Não vejo boa fé nas propostas. Ele (Damous) quer, nitidamente, restringir o uso da delação. Isso é tentar bloquear a Lava-Jato, é um retrocesso. Pela primeira vez uma operação está reprimindo e limitando poderes das classes poderosas, elites e oligarquias que mandam no país – ressalta.
O projeto de lei do deputado Wadih Damous também não tem o respaldo do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes (PSDB-SP). Nesta quarta-feira, Moraes elogiou o sistema:
– Não acho que haja a necessidade de alterar a legislação das delações premiadas. A Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o Judiciário e a defesa participam do processo. O advogado de defesa pode, inclusive, impugnar (a colaboração à Justiça). Não há que falar em falta de fiscalização ou falhas nas delações – afirmou.
Moraes lembrou que a delação premiada é um instrumento recente no ordenamento jurídico brasileiro, apesar de ser usado há mais de cem anos em outros países.
– A delação é um meio de prova inteligente para o combate ao crime organizado, seja violento ou de corrupção. Não adianta prender o quarto escalão dessas organizações, porque ele se renova rapidamente. A delação permite se atacar "a cabeça" das organizações criminosas – acrescentou.
*Zero Hora