As irregularidades encontradas nos convênios firmados entre a prefeitura de Porto Alegre e o Instituto Ronaldinho Gaúcho (IRG) já somam R$ 1,587 milhão. O valor foi constatado por uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que durou um ano e cujo relatório desta inspeção especial foi obtido com exclusividade pela Rádio Gaúcha por meio da Lei de Acesso à Informação.
A parceria firmada entre o município e a instituição da família Assis Moreira, no período de 2007 a 2010, prometia a execução de três projetos voltados para o atendimento de mais de mil crianças e adolescentes em condições de vulnerabilidade social na zona sul de Porto Alegre. No contrato de R$ 5,2 milhões, o TCE encontrou desvio de recursos que deveriam ser destinados às despesas com educadores e coordenadores, alimentação, segurança e transporte.
O supervisor de auditoria municipal do TCE, Gerson Fonseca, afirma que, segundo o relatório da inspeção, muitos recursos passados ao IRG não foram devidamente controlados pela prefeitura:
"Os instrumentos de convênios pactuados não foram exatamento claros quanto ao público a ser atendido. Os resultados esperados e no exame das prestações de contas que os nosso auditores fizeram, in loco, na prefeitura foram detectados uma série de irregularidades. Ou seja, não foram comprovados aqueles valores que efetivamente foram desembolsados aos Instituto Ronaldinho Gaúcho e à Fundação Simon Bolívar", defende.
No relatório de inspeção do TCE, o ex-prefeito José Fogaça (PMDB) é quem terá de responder pelo desvio de R$ 1,6 milhão. A reportagem da Rádio Gaúcha não conseguiu obter contato com o político. O atual líder do Executivo, José Fortunati (PDT), e que era vice de Fogaça quando os convênios foram firmados, também não está livre de responsabilidades no processo, segundo o TCE.
O irmão de Ronaldinho Gaúcho, Roberto de Assis Moreira, nega que tenha havido desvios de recursos nos contratos firmados com a prefeitura e diz que o instituto saiu no prejuízo:
“O que eu posso afirmar é que da nossa parte não existiu absolutamente nada. Não tivemos alguma coisa que fosse fora dos padrões. Sempre tentei cumprir e ajudar. O nosso papel sempre foi esse: de ajudar, de fazer o bem e de fazer o melhor. Enfim, é tudo isso muito complicado. A gente fez um projeto onde a gente gastou mais de R$ 8 milhões, onde a gente investiu muito, onde a gente se doou muito para o projeto. É extremamente complicado tudo isso”, lamenta.
A inspeção especial do TCE iniciou após uma representação do Ministério Público de Contas (MPC) no final de 2011. A auditoria sobre os contratos do Executivo Municipal com IRG encerrou em setembro de 2013, após recolher documentos na prefeitura e utilizar depoimentos registrados durante a CPI do Insituto Ronaldinho, instaurada na Câmara de Porto Alegre em 2012.
Atualmente, o relatório da inspeção especial está na fase de análise de esclarecimentos. Na próxima semana, deve ser encaminhado para o MPC, que terá 60 dias para emitir um parecer sobre o trabalho dos auditores. O TCE pretende julgar o processo em, no máximo, 4 meses.
Projeto Ronaldinho
O primeiro convênio firmado entre o Executivo Municipal e o IRG foi assinado em julho de 2007, com a pretensão de atender, inicialmente, 300 crianças de baixa renda e, depois, ser ampliado para 390 alunos. A escolha do IRG para a execução do projeto, segundo justificou a prefeitura, se deu pela suposta infraestrutura do Instituto e o "grande prestígio" de Ronaldinho, que poderia evitar a evasão de alunos. No entanto, a parceria já começou com problemas. O projeto, que deveria iniciar em julho daquele ano, começou com três meses de atraso.
Em agosto de 2007, a Secretaria Municipal da Educação (Smed), cuja titular era Marilú Medeiros (PDT) - e que desde 2009 é comandada por Cleci Jurach -, assinou um contrato com a Fundação Simon Bolívar (FSB), que prestaria serviços técnicos especializados para a execução do Projeto Ronaldinho. A escolha da FSB, com dispensa de licitação, levantou alguns questionamentos pelos auditores do TCE:
1º) a Smed solicitou a emissão de propostas para apenas duas fundações, ambas do Interior do Estado;
2º) os ofícios foram emitidos no dia 11 de julho de 2007 às fundações e respondidos pelas concorrentes em apenas um dia. Sobre isto, a auditoria afirma:
"Pode-se concluir que aquelas instituições tiveram de desenvolver cálculos de relativa complexidade, referentes à formação das planilhas de custos envolvidos nas operações a serem desenvolvidas, incluída a remuneração e encargos com pessoa, bem como a cotação dos materiais a serem empregados na sua consecução, tendo para tanto um único dia", questiona a inspeção.
3º) a FSB se propôs a executar o serviço por R$ 651,5 mil e venceu a disputa. Porém, com base no Estatuto da Fundação, o TCE também constatou que a entidade não se propõe à finalidade para a qual foi contratada, fato que também torna injustificável a dispensa de licitação pela Prefeitura.
Mesmo assim, o município assinou contrato com a FSB por seis meses. Em fevereiro de 2008, renovou pelo mesmo período, mas com valor 13% mais alto, passando para R$ 707 mil. Ao final da revisão deste contrato, a inspeção especial do TCE concluiu que não houve elementos suficientes para justificar a contratação da Fundação Simon Bolívar sem licitação. A auditoria ainda questionou o repasse de R$ 134 mil da Prefeitura à FSB para a compra de materiais, sem que estes fossem selecionados por meio de Pregão ou Tomada de Preços. Por esses motivos, a Inspeção pede a devolução de aproximadamente R$ 260 mil referente a este contrato.
Projeto Letras e GOl
Os convênios firmados entre a prefeitura e o IRG para a execução do Projeto Letras e Gol foi assinado em junho de 2008 e, inicialmente, previa o atendimento de 470 alunos da Rede Municipal de Ensino e 30 crianças e jovens da Fundação de Atendimento Sócioeducativo (Fasc). O valor inicial da parceria firmada foi de R$ 390,8 mil repassados diretamente ao IRG. Em maio de 2009, o custo foi atualizado para que o número de crianças e jovens atendidos no Projeto fosse de 700 alunos, sendo 50 oriundos do Projeto Ação Rua.
O novo convênio, com período acertado entre abril de 2009 e fevereiro de 2010, pressupunha o valor de R$ 1,2 milhão. O contrato foi prorrogado por mais um ano, até fevereiro de 2011, e as aulas passaram a ser divididas em dois turnos de 3 horas, mas o novo repasse ficou em mais R$ 1,4 milhão. Sendo assim, a Prefeitura pagou ao IRG, entre junho de 2008 e fevereiro de 2011, aproximadamente R$ 3 milhões para a execução do Projeto Letras e Gol.
Nesta parceria, a inspeção especial do TCE constatou irregularidades nos recursos que deveriam ser destinados pelo IRG ao pagamento de pessoal e encargos, assim como a aquisição de materiais pedagógicos e taxa de administração. Por este motivo, a auditoria do TCE recomenda, para este contrato, a devolução de cerca de R$ 157,4 mil aos cofres públicos.
Projeto Jogos Gaúchos de Verão
Este projeto iniciou em setembro de 2008 e teria a duração de um ano. O valor do convênio firmado entre a Prefeitura, o Ministério da Justiça (MJ) e o IRG estava estimado em R$ 2,377 milhões, sendo R$ 2,326 milhão da União e R$ 51 mil do município. Esta nova parceria visava atender 2.150 jovens em condições de vulnerabilidade social, entre 14 e 17 anos, com atividades esportivas - como handball, voleibol, futebol e basquete. Durante as atividades esportivas, também estava prevista capacitações de caráter pedagógicos, cultral e de profissionalização.
Ao revisar a prestação de contas do IRG à prefeitura de Porto Alegre, realizados mensalmente no período do Projeto, o TCE constatou que houve irregularidades nos gastos referentes à compra de materiais esportivos. Foram encontrados pagamentos duplicados a funcionários contratados para a execução das atividades no instituto, profissionais de uma mesma função que recebiam salários distintos, e a contratação de mais funcionários do que estava previsto no contrato inicial. Além disso, foram localizados também comprovantes de transferências bancárias - cujo valor somou R$ 62,4 mil - aos profissionais do IRG, mas sem justificativas.
Em 2011, a própria prefeitura montou um grupo de trabalho para revisar o convênio firmado para a execução do Projeto Jogos de Verão. Ao final das análises, o Executivo Municipal constatou a necessidade de reversão de R$ 359,4 mil aos cofres públicos. O que a prefeitura não questionou foi o processo de seleção do Instituto Nacional América (INA), contratado para a execução do serviço de gerenciamento do Projeto Jogos Gaúchos de Verão.
Segundo o TCE, a primeira oferta entregue pelo INA, único a se interessar em apresentar proposta, correspondia ao valor de R$ 530 mil para a realização do serviço, que duraria 10 meses. Após negociação, ficou acertado entre o IRG e o INA que o valor do contrato seria de R$ 479 mil. No entanto, após a assinatura do contrato, o serviço sofreu uma adição de 20% ao valor acertado.
O ajuste resultou em um gasto de R$ 576 mil, custo este superior, inclusive, ao primeiramente oferecido pelo INA. O TCE também questiona o fato de, na apresentação da proposta, o INA não ter divulgado os valores discriminados por itens para a prestação do serviço, o que, segundo o Tribunal, descumpre Lei Federal (10.520).
A inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado constatou irregularidade referente ao valor de R$ 1,17 milhão neste convênio e que devem ser devolvidos aos cofres públicos. As irregularidades se referem a despesas com pessoal, assessoria de imprensa, alimentação, transporte e com o serviço de segurança.