Em uma de suas peças, o dramaturgo Nelson Rodrigues lançou mão de um recurso célebre para retirar de cena um personagem que não tinha mais nenhum papel no desenrolar do enredo: providenciou para que fugisse do país com um ladrão boliviano.
A solução era notável justamente pela falta de sentido. Não faria diferença se o personagem desaparecesse por meio de um terremoto ou de uma epidemia, mas Nelson preferiu a precisão cômica encarnada no ladrão boliviano, que só aparece nos comentários escandalizados dos que permanecem no palco.
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O caso do mensalão também teve seus personagens menores, e a um deles coube uma saída igualmente rodrigueana: valendo-se da dupla cidadania ítalo-brasileira, Henrique Pizzolato evadiu-se para a Itália. Deixou uma carta na qual sonha com "um novo julgamento, na Itália, em um tribunal que não se submete às imposições da mídia empresarial". Nelson não faria melhor.
Considerando-se que Pizzolato é um foragido da Justiça brasileira, o governo federal não tem outra saída a não ser solicitar sua extradição à Itália. Já se pode prever a resposta de Roma: a Itália não extradita seus cidadãos.
Assim ocorreu no caso de Salvatore Cacciola, o banqueiro ítalo-brasileiro preso em 2000 por envolvimento no escândalo dos bancos Marka e FonteCindam. Cacciola só foi apanhado porque abusou da sorte ao viajar com a namorada para Monte Carlo, em 2008, a fim de assistir ao Grande Prêmio de Mônaco.
A possibilidade de que a Itália utilize o caso Pizzolato para retaliar o Brasil pela recusa em extraditar o ex-guerrilheiro Cesare Battisti, em 2010, não procede. O pedido de extradição de Battisti, se tivesse sido atendido, não envolvia qualquer garantia de reciprocidade. Nem poderia, porque a lei italiana não admite essa hipótese sob nenhuma condição.
À parte esse histórico, nenhum desses casos terá o condão de afetar as relações entre os dois países. O Planalto fará gestões protocolares, a Itália responderá protocolarmente e ficará tudo por isso mesmo. A presidente Dilma Rousseff e o primeiro-ministro Enrico Letta têm mais o que fazer do que tratar de um coadjuvante do Mensalão. O show deve continuar.
Veja a linha do tempo do julgamento do mensalão: