Pés descalços escorados sobre o painel do ônibus, olhos no celular, fone de ouvido e nenhuma preocupação com a estrada. Esta é uma combinação que um motorista profissional não costuma experimentar em horário de trabalho. Mas era assim que Cristiano Tobias, 42 anos, cumpria seu turno de vigília no veículo em que ele e um colega deveriam se revezar ao volante, para cumprir o trajeto entre Porto Alegre e Brasília.
Eles saíram da capital gaúcha às 20h30min de domingo (30) com apenas uma passageira, para receber mais pessoas ao longo da estrada e chegar ao Distrito Federal na manhã de terça. No entanto, estão parados desde as 23h de domingo em frente a um posto de combustíveis na BR-101 em Maracajá, Santa Catarina.
— Estamos em um lugar seguro com a estrutura do posto para nos auxiliar. É melhor do que passar por este bloqueio e ter de parar em outro bloqueio sem nada por perto — argumentou o motorista, que na greve dos caminhoneiros de 2018 passou nove dias estacionado em uma barreira semelhante em Minas Gerais.
Ele conta que viu uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) chegar, por volta das 9h desta segunda, ao local onde os manifestantes bloquearam a passagem do coletivo que ele conduz. Tobias diz ter ouvido a negociação de um acordo para que as pistas fossem liberadas em 72 horas. Segundo ele, os manifestantes ofereceram apoio com comida e bebida enquanto o ônibus da empresa Real Expresso precisasse ficar ali.
— Vi aqui pelo celular que presidentes europeus e dos Estados Unidos já cumprimentaram o Lula... não sei se essa paralisação vai adiantar algo — arrisca o motorista, que elogiou a organização do protesto e o apoio que os manifestantes ofereceram a ele, ao colega e à passageira durante a permanência no bloqueio.
Risco de falta de combustíveis
Mais ao sul, em Araranguá, um posto da Rede Charão teme ficar sem combustível para vender. Horas depois do início dos bloqueios na BR-101, o frentista Juan Oliveira explica que o movimento de clientes seguiu normal, mas o caminhão que traria combustível para repor o estoque não chegou.
— A gente vê que o pessoal ficou com medo de se repetir o que houve em 2018 e veio abastecer. A gasolina comum acabou, só tem uns mil litros de aditivada e um tanto de diesel, mas que neste ritmo deve terminar ainda hoje (segunda) — projeta.
Ele explica que as duas fontes de combustíveis são provenientes de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre, ou de Içara, município vizinho do sul de Santa Catarina. Ambas estão separadas do posto em questão por bloqueios que impedem a passagem de caminhões.
A PRF-SC afirma desconhecer este prazo de 72 horas para liberação das estradas, supostamente proposto pelos manifestantes. Segundo a comunicação do órgão fiscalizador, "todos os PRFs estão orientados a negociar localmente com os manifestantes, buscando liberar o tráfego de maneira pacífica, sem uso da força".
No começo da manhã eram 18 bloqueios em rodovias federais de Santa Catarina. No final da tarde, haviam pelo menos 41 pontos de interrupção total ou parcial do fluxo de automóveis. Além de Rio Grande do Sul e Santa Catarina, outros 16 Estados registram protesto semelhantes em todo país no dia seguinte à eleição presidencial.