A 2ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública de Caxias do Sul encaminhou eletronicamente na tarde de terça-feira (6) notificação ao escritório José Delgado e Ângelo Delgado Advocacia e Consultoria sobre prazo de 20 dias para devolução de R$ 500 mil referentes a contrato firmado com o município. Os advogados foram contratados em fevereiro deste ano para representar parcialmente Caxias no Caso Magnabosco.
Não bastasse o desgaste judicial que o caso representa ao município, com a contratação do reforço jurídico a prefeitura acabou gerando um imbróglio à parte, após ação popular contestar a inexigibilidade de licitação, modalidade escolhida pelo município para contratar a empresa com dispensa do certame.
A ação foi ajuizada pelo ex-vice-prefeito de Caxias, Ricardo Fabris de Abreu, hoje servidor federal. Na petição inicial, ele solicitou liminarmente a anulação do contrato de serviço e devolução do valor investido de R$ 500 mil, justificando a inobservância da Lei nº 8.666/93 (Lei das Licitações). Inicialmente, o pedido foi indeferido na Comarca de Caxias, mas a decisão foi revertida em agravo junto ao Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS), que suspendeu o contrato em decisão monocrática. Apesar de não constar como réu no processo, o Judiciário encaminhou ao escritório a notificação para ressarcimento. O município tentou derrubar a liminar junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas teve seu pedido indeferido. Ao STJ, o município alegou soberania para contratar a banca de advogados especialistas e que os requisitos para a dispensa de licitação foram atendidos, mas, na conclusão, o presidente do STJ, Humberto Martins, ressaltou que o município possui procuradoria jurídica própria e que não há risco de descontinuidade da prestação de assistência jurídica no processo.
Ao Pioneiro, o procurador-geral Adriano Tacca, afirmou que o município pretende recorrer.
— Em primeiro grau, a ação está com prazo em aberto para contestação e faremos protocolo na próxima semana. Em segundo grau, o prazo para as contrarrazões do agravo (liminar) está em aberto e também faremos na próxima semana. Estamos avaliando os termos da decisão e possivelmente faremos agravo junto ao STJ — informou Tacca.
Segundo o procurador-geral, o município entende que 'há elementos objetivos para reverter a decisão", mas não quis adiantar qual será a argumentação na defesa.
A reportagem contatou o escritório de advocacia, que confirmou que pretende fazer a devolução do valor. "Decisão judicial é para ser cumprida", respondeu a empresa em nota assinada pelo sócio José Augusto Delgado, e informou que o depósito será feito dentro do prazo concedido pela Justiça.
O que alega a ação
O ex-vice-prefeito Ricardo Fabris argumenta na ação que, embora seja considerada constitucional a inexigibilidade de licitação para serviços jurídicos sob o pretexto de contratar empresa ou profissional de "notória especialização" para serviços de "natureza singular", o caso de Caxias não se enquadraria na prerrogativa, podendo se configurar improbidade administrativa por parte do Executivo.
A ação também destaca que os serviços alegados de ''natureza singular'' pelo município poderiam ser desempenhados pela própria Procuradoria-Geral, especialmente porque o processo principal (Caso Magnabosco) já transita em julgado.
"Para manejar simples embargos declaratórios e agravos para destrancar recurso especial, como ocorre agora no extertor do "processo Magnabosco", o Município não tem necessidade alguma de contratar — diretamente e a preço de ouro — um profissional de notória especialização. A regra será a prestação de atividade jurídica por advogados públicos", alega na ação.
Para se enquadrar em notória especialização, conforme defende Fabris por meio de teses, o representante jurídico precisaria apresentar histórico de atuação em processos semelhantes, o que segundo ele não seria o caso.
"O Dr. José Augusto Delgado tem 83 anos de idade e aposentou-se do STJ há 13 anos, onde julgava especialmente matéria administrativa e comercial. O 'processo Magnabosco' veicula ação rescisória de execução de sentença de ação reivindicatória de posse convertida em indenizatória, e não desapropriação direta ou indireta", menciona Fabris no texto.
OUTROS PONTOS
- O autor da ação também alega que não houve verificação adequada do preço a ser pago pelo serviço e que os R$ 500 mil destoariam do valor previsto na tabela da OAB, que de acordo com Fabris, prevê em torno de $ 25 mil de remuneração para trabalho semelhante. "A diferença é desproporcional e injustificável diante do trabalho jurídico que ainda pode ser feito. O valor corresponde ao custo de 10 mil doses da Coronavac, a título meramente comparativo", cita a ação.
- Fabris indica que o governo municipal teria proximidade com um dos advogados contratados por meio de um familiar do prefeito, o que indicaria "possível ocorrência de favorecimento pessoal na contratação". A Comarca de Caxias, no entanto, indeferiu o material como anexo do processo. A assessoria de comunicação da prefeitura negou que haja parentesco entre Adiló e os advogados contratados, mas admitiu que a pessoa mencionada por Fabris (que seria próxima do advogado contratado) é familiar do prefeito.
A ação popular
- Autor: Ricardo Fabris de Abreu
Os réus
- Município: "pessoa jurídica de direito público interno responsável de forma mediata pelos atos imputados danosos".
- Prefeito: "por ser o responsável imediato".
- Procurador-geral: "por ter exarado o parecer de inexigibilidade de contratação do negócio objeto da ação".
- Associação dos procuradores municipais: "por ser beneficiária de 50% dos honorários da contratação".
- Vice-prefeita: "por ser Chefe de Governo Adjunta".
O que pede
Anulação do contrato de serviço e devolução do valor investido (R$ 500 mil) por inobservância da Lei nº 8.666/93 (Lei das Licitações) e obter a declaração da ocorrência de atos em tese improbos nos moldes da Lei nº 8429/1992.
Fundamentação do município
Lei 8.666/1993, sendo o ato ratificado pelo Prefeito Municipal imediatamente.
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
(...)
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação.
Contestação da ação
- Alega que município possui estrutura para representação jurídica por meio da Procuradoria-Geral.
- Alega que escritório contratado não confirma "notória especialização" em casos semelhantes ao Caso Magnabosco;
- Alega tomada de preços inadequada para contratação do serviço.
Como seguirá
- Em 1º grau: ação está com prazo em aberto para contestação, que será protocolada na próxima semana.
- Em 2º grau: o prazo para contrarrazões do agravo (liminar) está em aberto e será protocolado na próxima semana.
- Em 3º grau: prefeitura avalia termos da decisão e deve entrar com agravo no STJ.
- Justiça já determinou liminarmente suspensão de contrato entre município e escritório e devolução dos R$ 500 mil.
- Caso município consiga reverter a suspensão, poderá restituir contrato e retomar trabalho de representação jurídica do escritório.
LINHA DO TEMPO
- 5/01/2021 - Prefeito envia correspondência ao procurador-geral, com o seguinte teor: "Com o julgamento da Ação Rescisória nº 4406, a execução torna-se uma realidade muito próxima, sendo premente a adoção de medidas judiciais, seja para se obter um resultado positivo, seja para diminuir o valor da condenação para patamares justos. Trata-se de uma situação que extrapola a normalidade no que pertine aos processos judiciais que tramitam contra o Município, pois a condenação ultrapassa a cifra de 700 milhões de reais. Assim, justifica-se a contratação de um escritório em Brasília, de notório saber jurídico, para ajuizar essas medidas judiciais e recursos junto aos Tribunais Superiores. O escritório do Dr. José Augusto Delgado atende às necessidades da Administração, eis que possui notoriedade nas matérias debatidas nos processos do "caso Magnabosco", e trânsito junto ao STJ e STF. Encaminha-se à Procuradoria-Geral para análise da proposição."
- 08/02 - Procurador justificou a inexigibilidade de licitação, laconicamente, apontando como fundamento legal o art. 25, II, da Lei 8.666 (Lei das Licitações).
- 11/02 - Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Município, pela Central de Licitações (Cenlic) um aviso de inexigibilidade de licitação da Procuradoria Geral do Município (PGM) para a contratação da empresa José Delgado & Angelo Delgado Advocacia e Consultoria, referente à ação rescisória do Caso Magnabosco. Além do empenho da despesa de R$ 500 mil.
- 17/02 - A 2ª Vara Cível (Especializada em Fazenda Pública) da Comarca de Caxias do Sul indefere pedido de liminar em primeira instância pela suspensão da contratação do escritório e devolução do valor investido.
- 18/03 - Tribunal de Justiça do Estado acolhe agravo de instrumento e suspende a contratação do escritório e determina devolução dos R$ 500 mil pagos pelo serviço.
- 1º/04 - STJ indeferiu pedido de suspensão da liminar e manteve decisão que suspende contrato do município com o escritório.
- 6/4 - 2ª Vara Cível (Especializada em Fazenda Pública) da Comarca de Caxias do Sul notifica eletronicamente escritório sobre prazo de 20 dias para depósito em juízo de valores referentes à contratação.