Até o último pleito, seu Adermiro Vidal de Brito, 55 anos, não conseguia exercer o direito ao voto sozinho em Caxias do Sul. Cadeirante desde 1996, quando sofreu um acidente de trânsito que o deixou sem o movimento nas pernas, ele precisava contar com a ajuda e a boa vontade de outras pessoas que o carregavam até a seção eleitoral. Nos primeiros anos após o acidente, votava em um salão esportivo da localidade de Nova Palmira, no interior. Passado algum tempo, foi transferido para uma seção no salão paroquial do bairro Jardelino Ramos, mais perto de onde residia, mas com as mesmas dificuldades de acesso.
– Tinha escadas. Precisava que alguém me pegasse (carregasse) com a cadeira. Era difícil mesmo – relata Adermiro.
Após um pedido junto ao Cartório Eleitoral, o local de votação foi alterado para a Casa de Cultura e, depois, para a Unidade Básica de Saúde (UBS) Campos da Serra, perto de onde mora atualmente. Na tarde da última quarta-feira, ele foi ao local com a reportagem. O transporte urbano é adaptado e frequente. As calçadas têm rampas, mas o passeio público está deteriorado na entrada da UBS, junto ao portão, por onde tem que passar a cadeira de rodas. Além disso, ele precisa percorrer alguns metros pela rua porque as rampas de um lado e do outro da calçada são desencontradas. Mesmo assim, Adermiro está satisfeito com o novo local:
– É bem pertinho. Não tem escada. Só desembarcar do ônibus e entrar.
Dos 322.901 eleitores aptos a participar das eleições deste ano em Caxias do Sul, 18.657 declararam ter algum tipo de deficiência, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (veja no gráfico). Conforme o chefe do Cartório da 169ª Zona Eleitoral, Edson Borowski, a Justiça Eleitoral tem trabalhado nos últimos anos para reduzir as barreiras que estão no caminho entre o cidadão e o voto. No início deste ano, encabeçados pelo Ministério Público Federal (MPF), o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e o Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) fizeram um levantamento em 32 prédios do total de 58 locais que concentram a maior parte dos eleitores com deficiência na cidade, cerca de 70%.
De acordo com o procurador da República Fabiano de Moraes, o objetivo foi verificar se haveria condições de voto para todas as pessoas com deficiência nos locais de votações:
– A legislação prevê que não existam seções exclusivas para pessoas com deficiência. Elas têm direito de votar em qualquer um dos locais. Mas foi verificado que as condições eram precárias em quase todos (os 32 vistoriados). Poucos, realmente, permitiam o acesso com autonomia, sem existência de nenhuma barreira em que ele (eleitor)a precisasse de auxílio de outra pessoa para conseguir chegar ao local de votação.
Relatório detalha situação de cada local de votação
As 32 edificações visitadas tiveram os acessos fotografados. O relatório traz as imagens e descrição dos problemas encontrados em cada um dos prédios e no entorno deles, como as calçadas. A iniciativa tornou-se um procedimento no MPF que terá acompanhamento permanente não só nas questões estruturais, mas também de identificação para pessoas com deficiência auditiva e visual.
– A participação das pessoas com deficiência no processo eleitoral é muito importante. Se elas não participam da votação, elas não terão eleito aqueles candidatos que consideram que podem defender os seus direitos. Ter uma escada em um local de votação é a sociedade impondo uma barreira, dizendo que aquela pessoa não pode votar. (Resolver) Essa limitação do direito ao voto é questão fundamental – avalia o procurador da República, Fabiano de Moraes.
Para o presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, José Carlos dos Reis, o trabalho é um importante instrumento para resgatar a cidadania desse público. Na última quarta-feira, dia 19, Reis enviou ofício à Justiça Eleitoral pedindo informações sobre quais as providências foram tomadas a partir do levantamento.
– Vamos verificar nas eleições. A pessoa com deficiência tem que ser autônoma. Não quer ser carregada para conseguir votar – declarou Reis.
Justiça Eleitoral diz que alterou locais
O relatório, produzido a partir do levantamento nos locais de votação em Caxias foi encaminhado ao Ministério Público Eleitoral (MPE) e à Justiça Eleitoral que, por não ter locais para dispor as urnas, faz um requerimento judicial dos prédios (sem pagamento) _ a maioria são escolas das redes municipal e estadual. A ideia era que fossem indicados locais acessíveis aos eleitores com deficiência da cidade. De acordo com o chefe de cartório da 169ª Zona Eleitoral, Edson Borowski, isso já é feito há anos. Segundo ele, desde 2008, há uma seção especial em cada um dos 165 locais de votação para atender a este público que tem prioridade.
– No caso da Zona 169, tivemos que trocar apenas um local por não ter a menor condição de acessibilidade. É a Escola (Municipal) Helen Keller. Ela não tem a menor capacidade de atender a um público cadeirante, por exemplo. E é uma escola que atende surdos, então, em tese, deveria também se preocupar com outros tipos de deficiência – disse Borowski.
O relatório apontou (com fotos) falta de rampa na calçada junto à entrada principal da escola, degrau na porta do prédio e na entrada das salas de aula, escadas no interior da edificação e falta de banheiro adaptado. As seções da Helen Keller, que fica no bairro Nossa Senhora de Lourdes, foram transferidas para o Colégio Imigrante, no bairro Bela Vista, a cerca de 600 metros.
– Estamos atuando para tentar melhorar esses ambientes, mas são locais públicos. Falamos com as direções para tentar programar, dentro dos recursos, melhorias na acessibilidade – disse Borowski.
Para tentar driblar a dificuldade imposta pelas construções, a Justiça Eleitoral diz que aproveita todas as salas disponíveis nos pavimentos térreos, mesmo que sejam espaços como biblioteca e refeitório, como no caso da Escola Municipal Giuseppe Garibaldi, no bairro Cristo Redentor. De acordo com Borowski, os problemas continuam ocorrendo porque a Justiça Eleitoral não dispõe de outros locais para a votação. A exemplo do bairro Sagrada Família onde existe apenas um estabelecimento de ensino, a Escola Estadual Professor Apolinário Alves dos Santos, único prédio onde é possível realizar a votação.
– Temos que atender a 320 mil eleitores em Caxias e não temos locais (próprios), e as escolas são prédios antigos. Na realidade, não temos um local com acessibilidade plena na cidade. É um trabalho conjunto e demorado – justificou Borowski.
Os direitos
O Brasil assinou a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência. As questões são tratadas no âmbito da Justiça Federal, assim como as questões eleitorais.
RELATÓRIO:
Confira as observações feitas sobre cada um dos 32 locais de votação vistoriados pela FSG e pelo Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência em Caxias, por zona eleitoral:
16ª Zona Eleitoral
10 locais vistoriados _ 6 apresentam razoáveis condições de acessibilidade e 4 precárias condições.
1 - E.E.E.M. Alexandre Zattera - Possui 3 pavimentos com escadas fixas; as salas térreo possuem piso nivelado. Razoáveis condições de acessibilidade.
2 - E.M.E.F. Renato Joao Cesa _ Na última eleição, foram usadas 16 salas (todas em andar térreo), cuja largura das portas é de aproximadamente 86 cm. De acordo com o item 4.3.2 da NBR 9050/2015, a largura mínima necessária para a transposição de obstáculo isolado com extensão de no máximo 0,40 m deve ser de 0,80 m. Razoáveis condições de acessibilidade.
3 - E.M.E.F. Basilio Tcacenco _ Na última eleição, foram usadas 15 salas (todas em andar térreo), cuja largura das portas é de aproximadamente 76 cm. Hás duas alunas P.C.R. na escola. Razoável.
4 - E.E.E.M. Olga Maria Kayser _ Salas de aula em andar térreo possuem rampa móvel. Razoáveis condições de acessibilidade.
5 - E.M.E.F. Prefeito Luciano Corsetti _ Há 4 salas para pessoas com deficiência. Razoáveis condições de acessibilidade.
6 - Salão comunitário da Igreja São José do Desvio Rizzo _ Rampa de acesso danificada. Presença de buracos e terreno inadequado até o acesso ao interior da edificação. Precárias condições de acessibilidade.
7- E.M.E.F. Senador Teotonio Vilela _ Largura das salas de aula de 80 cm. De acordo com o item 4.3.2 da NBR 9050/2015, a largura mínima necessária para a transposição de obstáculo isolado com extensão de no máximo 0,40 m deve ser de 0,80m. Apresenta razoáveis condições de acessibilidade.
8 - Colégio La Salle _ Apresenta razoáveis condições de acessibilidade.
9 - Esporte Clube União Forquetense _ O acesso principal possui degraus no terreno e escadas que dificultam o acesso para PcD. Precárias condições de acessibilidade.
10 - Salão Paroquial de Galópolis _ Há degraus que dificultam o acesso de pessoas com cadeiras de rodas ou com mobilidade reduzida. Precárias condições de acessibilidade.
136ª Zona Eleitoral
11 locais vistoriados _ 2 locais com condições razoáveis; 8 com precárias e 1 inacessível.
1 - Instituto Estadual de Educação Cristóvão de Mendoza _ No acesso de pedestre há escadas fixas. O deslocamento no interior é dificultado por escadas nos corredores. Precárias condições de acessibilidade.
2 - E.E.M. João Triches _ Apenas uma sala no andar térreo. Todas as demais em pavimentos superiores. Precárias condições de acessibilidade.
3 - E.M.E.F Presidente Castelo Branco _ Na última eleição, foram utilizadas 15 salas, das quais 7 são no térreo com largura de portas de 75 cm e sem degrau no acesso; e 8 salas situadas na parte baixa da escola (espécie de subsolo), de acesso por rampa com forte declive, largura de 85 cm e degrau de aproximadamente 7cm. Precárias condições de acessibilidade.
4 - E.M.E.F Angelina Sassi Comandulli _ Na última eleição, foram utilizadas 13 salas de aulas e um salão (tipo auditório), sendo este com largura adequada e rampa. Inclusive há 2 eleitores com cadeira de rodas que votam neste local. As portas das salas de aulas têm 76 cm de largura, e 5 delas com degraus de aproximadamente 11 cm e as demais (8) sem degraus. No corredor entre as salas há um degrau, porém a escola tem rampa móvel. O acesso principal é inacessível (escadas fixas), porém, no dia da votação, as pessoas com mobilidade reduzida acessam pelo portão lateral. Precárias condições de acessibilidade.
5 - E.M.E.F. Arnaldo Ballve _ Na última eleição, foram utilizadas 13 salas de aula, cujo vão livre da porta é de aproximadamente 76cm, 5 delas no térreo e 3 no segundo andar com acesso por escadas fixas. Não há rampas nem elevador. Do outro lado da rua, há um ginásio com sanitário adaptado, cujo acesso dispõe de semáforo e faixa de pedestre. Precárias condições de acessibilidade.
6 - E.E.M Santa Catarina _ Apenas uma sala no andar térreo. Todas as demais em pavimentos superiores. Precárias condições de acessibilidade.
7 - E.M.E.F Presidente Tancredo de Almeida Neves _ Possui duas salas de votação para pessoas com deficiência, porém não possuem largura adequada. Precárias condições de acessibilidade.
8 - Salão da Igreja Nossa Senhora da Saúde _ Porta principal com degrau, não há rampa (fixa ou móvel). Precárias condições de acessibilidade.
9 - E.M.E.F. Machado de Assis _ Razoáveis condições de acessibilidade.
10 - E.E.M. Evaristo De Antoni _ Razoáveis condições de acessibilidade.
11 - E.E.E.F. Presidente Vargas _ O acesso ao interior da edificação é dificultado pela presença de escadas fixas, assim como na parte interna. Inacessível.
169ª Zona Eleitoral
11 locais vistoriados _ 3 locais com condições razoáveis; 7 com precárias e 1 inacessível.
1 - E.E.E.M. Província de Mendoza _ Rampas íngremes e escadaria no interior da escola que prejudica a locomoção. Precárias condições de acessibilidade.
2 - E. E. E. M. Melvin Jones _ A rampa de acesso ao interior da edificação está interditada. Degraus em todas as salas. Precárias condições de acessibilidade.
3 - E. M. E. F. José Protazio Soares de Souza _ Salas com degraus e escadas entre os pavimentos. Precárias condições de acessibilidade.
4 - Colégio Madre Imilda _ Razoáveis condições de acessibilidade.
5 - E. M. E. F. São Vitor _ Razoáveis condições de acesso. Há duas salas reservadas para PcD.
6 - E. E. E. M. Irmão José Otão _ Apresenta razoáveis condições de acessibilidade (rampas e piso tátil).
7- E. E. E. M. Prof. Apolinário Alves dos Santos _ Acesso composto por escadas. Precárias condições de acessibilidade.
8 - E. M. E. F. Engenheiro Dario Granja Santanna _ As rampas de acesso possuem inclinação superior ao previsto na ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), segundo o relatório. Precárias condições de acessibilidade.
9 - E. E. E. F. Victorio Webber _ O acesso ocorre por meio de extensas escadas. Inacessível.
10 - E. E. E. M. Érico Veríssimo _ São Ciro _ Há escadas fixas no acesso às salas de aula, dificultando a locomoção de quem usa cadeiras de rodas ou pessoas com mobilidade reduzida. Precárias condições de acessibilidade.
11 - Comunidade do Bairro Diamantino _ Igreja Nossa Senhora Aparecida _ Rampa de acesso danificada; dificuldade de acesso para quem utiliza cadeiras de rodas ou possui mobilidade reduzida. Precárias condições de acessibilidade.