1968, o ano mais duro da ditadura no Brasil por conta do AI-5, está completando 50 anos. Testemunha daquele período, sendo inclusive preso pelo regime, o jornalista e escritor Zuenir Ventura é autor de uma das principais obras que retrata “o ano que não terminou”, como ele titulou um de seus livros.
Homenageado da 13ª edição do Congresso de Jornalismo Investigativo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), encerrado no sábado, em São Paulo, mestre Zu, como é conhecido, conversou com a reportagem e falou sobre as mudanças nestes últimos 50 anos.
Confira:
Pioneiro: O que fizemos de nós foi o título do seu livro que marcou os 40 anos de 1968. Hoje, 50 anos depois de 1968, o que fizemos de nós?
Zuenir Ventura: É um pouco difícil, porque aconteceu tanta coisa. Esperava-se tanto do país. Eu acho que, de certa maneira, como eu sou otimista, acho que houve avanço. Hoje a gente não tem ditadura, é a principal diferença, o principal avanço para o país é esse. A gente vivia naquela época de ditadura, de censura, de tortura, em que se matavam pessoas pelas ideias, pela opinião, e hoje você não tem mais isso, embora seja uma democracia imperfeita, uma democracia incompleta. A gente não pode encher o peito... Claro que é uma democracia, mas é uma democracia que ainda se faz. Tem que se aprimorar. Então, acho que isso é um avanço. Agora, ao mesmo tempo, você precisa saber o seguinte: o país está vivendo um momento muito difícil. Naquela época, você brigava contra a ditadura. Hoje, aqueles que brigavam contra a ditadura estão brigados entre si. É o momento de ódio, é o momento de intolerância, o momento em que pessoas, os amigos, estão brigando por causa de opinião partidária, não é pela política. Então, isso é muito desagradável e muito ruim para o país. Esse cenário polarizado, a pessoa quer saber o que você está achando sobre determinado assunto para saber se conversa com você ou não, (saber) o que você está achando de uma coisa, ou se não vira as costas e você se transforma em um inimigo. Isso é muito desagradável, é muito ruim. Ao mesmo tempo, você tem uma coisa que eu acho positiva... A gente não pode se iludir e achar que não tinha corrupção. Tinha corrupção sim! Você não tinha Lava-Jato, e acho uma grande conquista, ou seja, esse combate que a gente está fazendo contra corrupção, sobretudo a corrupção na política, sobretudo a corrupção no poder, é uma coisa que o resultado cheira mal. Você está vendo as vísceras e o país sendo virado do avesso. Isso não é desagradável, mas é fundamental, porque é um organismo que estava corrompido no sentido que estava podre do ponto de vista moral, ético, e o remédio contra isso não é você esconder, não é tratar com esparadrapo, é deixar isso vazar. Quando você tem um tumor, você tem de curar espremendo, você cura sugando, então acho que isso são avanços. A Lava-Jato é um avanço, e o terrível é que tem muita gente, tem muitos setores do poder lutando e querendo acabar com a Lava-Jato, querendo voltar àquele clima de impunidade que tinha no país algum tempo atrás.
O que o senhor acha sobre esses pedidos da volta da ditadura, os pedidos de intervenção militar?
Eu vejo isso com uma tristeza e ao mesmo tempo com uma incompreensão sobre a razão disso. Eu atribuo à ignorância, porque, quem conhece o que aconteceu naquela época, eu não quero que aconteça para nenhum inimigo meu. A censura, a perseguição, a tortura, as pessoas que morreram torturadas. Isso é um horror, e as pessoas ainda querem a volta disso. Não consigo entender, acho que tem um surto de loucura das pessoas que querem isso. Ou querem porque não conhecem o que aconteceu, e ignoram por ignorância, ou então porque estavam coniventes ou faziam parte daquele processo de opressão que existia no país.
O senhor disse que é muito otimista. O que espera das eleições deste ano? Acha que pode melhorar a situação?
É difícil ser otimista neste momento, mas claro que espero que melhore. Sei que hoje, neste momento, é muito mais fácil ser pessimista, mas como eu disse: sou otimista por DNA, mas não quero ser aquele otimista babaca que acha que tudo vai melhorar, que tudo é cor-de-rosa, mas o país tem uma energia muito grande. É um país que costuma dar a volta por cima. A gente está diante de perspectivas tão malucas como essa de retrocesso, mas espero que vai ter um momento de lucidez e que a gente vai sair dessas muitas crises que estamos vivendo, um país melhor graças, eu acho, a iniciativas como essa da Lava-Jato.
Você comentou que a sua prisão não foi o pior momento da sua vida. Qual foi o pior momento?
O pior momento da minha vida, e também acabou sendo o melhor, foi quando eu tive um câncer. Naquela época, há mais de 20 anos, a perspectiva era a morte. Eu tive um câncer na bexiga e achava que ia morrer. E depois me sentir um sobrevivente, a primeira reação minha foi... Eu moro num apartamento maravilhoso onde vejo a praia todo dia e só depois dei valor pra isso. Passei a valorizar esses momentos. Tinha mau-humor e não sabia por quê. Passei a valorizar os dias de sol. Na verdade, não tenho medo da morte, tenho medo de sofrimento, o meu medo era ficar em cima de uma cama sofrendo.
Foi quando o senhor estava escrevendo Mal Secreto (Inveja)...
E que eu acabei incorporando pelo seguinte: tinha recebido um adiantamento, e a primeira coisa que se faz é gastar o adiantamento e depois tem que escrever o livro. Então resolvi incorporar porque o câncer e a inveja são duas coisas parecidas. A começar porque ninguém gosta de dizer que tem.
E qual o seu palpite pra Copa do Mundo?
Acho que o Brasil vai ganhar. Sou otimista com o Brasil, diante dessa crise toda, não vou ser otimista com a seleção que está indo muito bem?