Um dia após ser assaltado e ser baleado duas vezes na cabeça, o motorista de aplicativo Juliano de Matos Jornada, 31 anos, conta que a ficha ainda não caiu. O profissional não teve sequelas com os tiros, já está em casa e aceitou conversar com a reportagem do Pioneiro na tarde desta quarta-feira (20). Jornada conta que, até hoje como motorista de aplicativo de carona, realizou mais de 6 mil corridas, e não se sentia inseguro. Sobre o assalto nessa semana, diz que cooperou com os bandidos e não entende por que os criminosos atiraram em sua cabeça.
O assalto aconteceu às 6h30min de terça-feira (19), na primeira corrida que o motorista atendia. O destino era próximo a uma metalúrgica, por isso Jornada achou que era algum trabalhador que havia perdido o ônibus. Os passageiros do bairro Santa Fé, contudo, eram dois homens e uma mulher que roubaram seu carro e, no final, tentaram lhe matar em um beco do Pedancino.
Minutos após o assalto, policiais militares seguiram o rastreador do Palio da vítima e prenderam dois homens em flagrante no bairro Planalto. Reconhecidos pela vítima como os autores do latrocínio, Deiviti Anderson Paim Seben, 25, e Fernando Noronha Farias, 27, possuem antecedentes criminais e deveriam estar cumprindo prisão domiciliar, de acordo com a polícia.
Pioneiro Como você está?
Juliano Jornada: Graças a Deus, estou bem. Só preciso ficar em repouso. Foram quatro tiros, sendo dois na cabeça. Os médicos tiraram essas balas, mas deixaram as que pegaram no braço e nas costas. Esta noite (de terça-feira) me doeu um pouco, mas estou bem. Ficou um coágulo de um centímetro no cérebro. O médico pediu para esperar alguns dias para fazer uma terceira tomografia e ver como evolui.
Souberam explicar por que não teve mais ferimentos?
Falaram que o revólver era um (calibre) .22, que é menos potente, e que não deveria ser bem cuidado, a pólvora deveria estar com problema. Foi por Deus, né? Explicação não tem. Levei o primeiro tiro na cabeça e tentei me fingir de morto. Quando levei o segundo (tiro na nuca), achei que tinha morrido. Mas se passaram alguns segundos e percebi que ainda estava respirando. Daí fui levantando aos poucos, consegui andar e fui atrás de socorro.
Era a sua primeira corrida dia?
Sim, eu costumo acordar às 6h e pelas 6h30min entro no carro, ligo o aplicativo e espero as chamadas. Não demorou muito e deu essa corrida no Santa Fé. Vi no aplicativo que era perto de uma metalúrgica conhecida na cidade, segundo o mapa. Pensei que fosse algum trabalhador que tivesse perdido o ônibus. Era 6h30min, não imaginaria que bandido acordaria tão cedo.
Como foi assalto?
Quando cheguei na rua, tinha um casal e um outro rapaz com uma mochila. Parecia que tinham saído de uma residência. Pensei que fosse levar só um, mas os três entraram no carro. Me trataram com educação, disseram que iriam trabalhar e pediram para ir no Planalto. Realmente, olhei no mapa e aparecia que a metalúrgica fica no Planalto. Então, comecei a corrida e, umas quadras depois, eles falaram que não tinham dinheiro. Sugeri chamarem a corrida pelo outro aplicativo, que permite pagar na próxima corrida, mas não gostaram. Um deles ofereceu o relógio, mas respondi que não precisava disso, que era só chamar pelo outro aplicativo. Só que o outro rapaz ficou irritado, mostrou a arma e avisou que era um assalto.
Eles eram violentos?
Até aquele momento, não, mas foram ficando. Falei que podiam levar o carro, mas me mandaram dirigir. Quando cheguei na represa, me fizeram trocar de lugar com a mulher. Ela tentou subir um morro de brita, só que o carro é 1.0 e não venceu. O carro voltou e caiu na ribanceira, aí me fizeram ajudar a empurrar. Quando desatolou, me mandaram deitar nos pés do banco de trás. Aí começaram as ameaças, colocaram a arma na minha cabeça e deram umas coronhadas. Eu dizia que não precisava disso, tentava conversar, falei que tinha um casal de filhos - na verdade, um casal de gatos.
Eles queriam alguma coisa?
Só falaram em dinheiro, mas eu só tinha uns R$ 90 em moedas e notas baixas, que usava para troco. Era a minha primeira corrida do dia.
Você reagiu em algum momento?
Não. Sabia que um estava armado e pensava que outro estava com uma faca. Fazia tudo que eles pediam, mas as ameaças e as agressões continuavam. Ficou uns 10 minutos neste terror, com a mulher dirigindo rápido, umas horas quase batendo. Até que pararam, era no final de um beco. Me mandaram caminhar para o mato, mas, quando dei dois passos, atiraram. Foram os dois tiros (nas costas e braço), daí tropecei e caí. Ele se aproximou e deu os dois tiros na minha nuca. Quando acharam que eu tinha morrido, eles foram embora.
Como pediu socorro?
Quando vi que tinham saído, percebei que estava respirando. Apenas escorria sangue pela minha cabeça. Levantei e consegui caminhar. Só tinha um olho que estava meio embaçado. Fui voltando no beco, pensando em procurar a rodovia, até que vi uma casa. Foi lá que chamaram a polícia. Os PMs e o Samu chegaram, passei as instruções do rastreador do carro e liguei para a minha esposa para avisar que estava bem. Depois, não tenho mais noção de tempo. Fui levado para o hospital.
Como é passar por tudo isso?
Estava calmo e cooperando, realmente não achava que iriam atirar. Na hora que deram os tiros, foi um susto. Cooperei 100% e levei quatro tiros. Agora, um dia e meio depois, ainda não caiu a ficha do que passei. Nosso trabalho é inseguro.
Já havia sido assaltado?
Não, nunca. Trabalho como motorista há um ano e nunca havia sido assaltado. Só faço as corridas pelo aplicativo e não me sentia inseguro. Me cuidava mais à noite, mas não pensava que eles iriam acordar cedo para assaltar. Mas foi o que aconteceu. Agora, penso que deveria ter olhado melhor para o rosto deles e não ter deixado entrar. É lamentável falar, mas, no fundo, temos que ser preconceituosos. Temos que olhar para a cara da pessoa e, se desconfiar, não levar. É a tua vida que está em jogo.
Já tinha falado com teus colegas sobre questões de segurança?
Faz tempo que estamos nesta insegurança. Os aplicativos não mostram as fotos dos passageiros e, alguns, nem mostram o destino (antes de aceitar a corrida). A única coisa que aparece é uma nota, mas já peguei pessoas bacanas com notas ruins. É mais perigoso para o motorista do que para o passageiro. Sobre o motorista, está tudo lá, foto, nome, nota, documentos, etc. Temos um colega que está há meses internado. Sou o segundo a passar por isso (baleado em assalto em Caxias).
Irá continuar trabalhando?
Irei sentar e conversar com a minha esposa. É complicado, ainda mais no final do ano. Mas acredito que ano que vem (a economia) irá melhorar. Existem vários motorista contando com isso e pensando em desistir. Agora tenho um motivo mais do que forte para isso. Mas irei sentar e conversar. Gostava de ser motorista, cada pessoa tem uma história diferente. Tenho seis mil viagens e uma que deu essa infelicidade. Temos que contar com a sorte e a proteção de Deus. Fui assaltado às 6h30min.