Caxias do Sul registrou quatro casos de importunação sexual nos primeiros 22 dias de 2019. Dois deles tiveram como vítimas menores de idade e ocorreram dentro de ônibus coletivos, o que gerou grande repercussão. A Polícia Civil ressalta a importância das denúncias e do testemunho dos demais passageiros contra estas condutas. Desde setembro do ano passado, elas são passíveis de prisão.
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A mudança na lei foi motivada por um caso emblemático ocorrido em São Paulo no ano passado, como lembra o delegado Caio Fernandes, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescentes (DPCA) de Caxias do Sul.
— Aconteceu de o passageiro de um ônibus ejacular nas pernas de outra passageira. O caso teve uma repercussão muito grande justamente por ele ter sido levado para a delegacia e ter sido lavrado somente um termo circunstanciado. Ele foi direto para casa e apenas precisou pagar um multa como pena — destaca.
O autor possuía diversas passagens por ocorrências semelhantes, porém, como não utilizava violência contra as vítimas, permitindo que os abusos pudessem ser enquadrados como estupros, ele respondia apenas por contravenções penais — o que não permitia sua prisão como queriam populares que se revoltavam ao saber de seus atos.
Sancionada em setembro de 2018, a Lei 13.718 tipificou o crime de importunação sexual e estipulou pena de um a cinco anos de reclusão. Para a delegada Carla Zanetti, da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam), a mudança preencheu um vazio que existia no Código Penal.
— Antes, esta conduta libidinosa ficava num limbo entre o estupro e a importunação ofensiva ao pudor ou, às vezes, a perturbação da tranquilidade, ambas infrações de menor potencial ofensivo que, assim, recebiam um tratamento bem brando. Hoje, se é flagrante, é feito o auto de prisão e não se pode nem arbitrar fiança. O autor tem que ir para o presídio — afirma.
— Havia este vácuo legislativo, um hiato entre um crime hediondo (estupro) e uma mera contravenção penal punida somente por multa. A nova lei auxilia a oferecer uma punição em que a vítima e a sociedade sintam que houve uma resposta para aquela conduta inapropriada vista como crime — complementa o delegado Fernandes.
Polícia Civil destaca ajuda de testemunhas
Após quatro meses da sanção da nova lei, policiais e até a comunidade começam a se acostumar com a nova tipificação. Em Caxias do Sul, a maioria das importunações sexuais deste ano foram dentro do transporte coletivo. Contudo, a delegada Carla Zanetti, da Deam, ressalta que o crime pode ocorrer em qualquer lugar — outro cenário comum seriam festas, por exemplo. O que configura este tipo de assédio é que a conduta do autor tenha cunho sexual e seja contra a vontade da vítima. O modo mais comum deste abuso é a popularmente conhecida "mão boba".
No caso da semana passada, quando um idoso de 60 anos foi preso em flagrante em um ônibus na BR-116 por agir contra uma menina de 12 anos, o flagrado alegou que encostou em algumas passageiras acidentalmente, pois o ônibus estava cheio. Para o delegado Fernandes, este argumento é comum justamente por existir uma certa subjetividade na interpretação do que é um ato libidinoso.
— Cada caso é um caso e tem de ser analisado à luz das suas peculiaridades bem como das provas que são apresentadas a autoridade policial. É preciso analisar como foi este "suposto esbarrão": como encostou, quantas vezes encostou, qual a área que foi tocada... Enfim, há uma infinidade de elementos que podemos nos deparar num caso concreto — opina o chefe da DPCA.
É neste sentido que a Polícia Civil ressalta a importância da colaboração de testemunhas. Quanto mais passageiros do ônibus concordarem em relatar o que viram naquele dia, mais fácil será comprovar o crime.
— Quanto mais pessoas ajudarem, melhor será a prova no inquérito e a instrução do processo criminal. Se não, fica a palavra de um contra outro. Não que se minimize a conduta dele ou que retire a credibilidade da palavra da vítima, mas quanto melhor a prova, melhor para uma condenação — ressalta a delegada Carla.
Sobre o caso da semana passada, o delegado Caio relata que, diante dos elementos existentes, o inquérito pode ser concluído em dois dias com o indiciamento do flagrado. Duas testemunhas relataram que o ônibus não estava tão cheio a ponto dos passageiros precisarem ficar encostados uns nos outros e que a menina teve dificuldades de se livrar da situação, pois estava pressionada pelo homem. O idoso, que não possuía antecedentes, foi beneficiado com habeas corpus e aguarda em liberdade a manifestação do Ministério Público (MP) sobre o caso.
A LEI
Importunação sexual
Artigo 215-A
:: Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.
Pena: de um a cinco anos de reclusão, se o ato não constituir crime mais grave
Estupro
Artigo 213
:: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena: de seis a dez anos de reclusão