Esquecida em promessas de sucessivos governos e refém de obras mal acabadas, a RSC-453 tornou-se uma das rodovias mais letais do Rio Grande do Sul. Entre os quilômetros 96 (Garibaldi) e 119 (Farroupilha), 40 pessoas morreram e 605 ficaram feridas nos últimos seis anos. Nesse período, a estrada, com intensa movimentação de motocicletas, automóveis e caminhões, tem no quilômetro 107, próximo ao acesso à localidade de Barracão, o quarto maior índice de acidentes fatais entre todas as rodovias estaduais gaúchas, conforme levantamento do Comando Rodoviário da Brigada Militar – só perde para as ERSs 239 (km 43), 240 (km 2) e 324 (km 83).
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Enquanto a ERS-122 e a BR-470 recebem investimentos e melhorias, esse trecho da 453 amarga uma rotina de descaso e abandono. Ligação importante para o escoamento da produção e para o tráfego dos moradores da Serra, a rodovia é o principal caminho para ir de Caxias a Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa. Somado, o PIB dos quatro municípios – cuja população é de mais de 640 mil pessoas – ultrapassa R$ 21 milhões. Há anos líderes regionais clamam pela duplicação dos cerca de 20 quilômetros da rodovia, além de controladores de velocidade e iluminação, melhorias que estancariam perdas econômicas e humanas.
O que se vê, porém, são pistas cheias de buracos, rótulas perigosas, falta de acostamento, ausência de luzes e placas, e remendos que expõem os condutores a manobras arriscadas. E não há indícios de que a situação vá mudar tão cedo. Com a troca da diretoria geral do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), o projeto de duplicação "está em revisão no momento", de acordo com o setor de Gestão de Projetos (DGP) da autarquia. Há 15 dias, a RSC-453 recebeu pinturas e uma operação tapa-buraco, medidas paliativas que pouco resolvem as péssimas condições de trafegabilidade local.
– Se podemos evitar, evitamos utilizar. A população deveria entrar com ações contra o Estado, pois as pessoas são assassinadas lá. O governo arrecada tributos e não dá contrapartida nenhuma para a gente. Só vemos choradeira e nada acontece. Com boa vontade, é possível melhorar – entende Carlos Alberto Paesi, presidente em exercício da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CICS) de Farroupilha.
Federalização e pedágio como alternativas
Cansados de esperar por uma recuperação que não vem e dificilmente virá, empresários e moradores da região apontam duas soluções imediatas possíveis para a 453: federalização ou instalação de uma praça de pedágio. Apesar de a cobrança ser normalmente rechaçada pela população (a exemplo da que existia no trecho da ERS-122, entre Caxias do Sul e Farroupilha, nos dois sentidos), ela é até bem vista neste caso devido às infindáveis promessas que não saem do papel.
– Por que não preparar uma concessão, uma parceria público-privada? O Estado conserta, coloca a terceira via e aí implantamos o pedágio. Não dá mais para correr risco de vida diariamente – sugere Carlos Alberto Paesi, presidente em exercício da CICS de Farroupilha.
Questionado pelo Pioneiro, o Daer não deu detalhes sobre o que será feito com a estrada. Enquanto isso, os prejuízos vão se acumulando. As empresas de ônibus pagam de 20% a 30% a mais em molas, amortecedores, pneus e combustível por causa da má conservação das pistas; os fretes estão acima dos valores de mercado pelos mesmos motivos; a produção, como um todo, onera o consumidor por causa da ineficiência; pais e mães temem que os filhos embarquem para estudar e não retornem para casa no final do dia.
– Nosso sistema é só rodoviário, dependemos que esteja ajeitado. Só falam que vai acontecer, vai acontecer, e não acontece nada! Quando vamos falar com o governador, ele só reclama – lamenta Ricardo Bidese, presidente da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne).
Em 2013, o Daer deu início ao Programa Restauro, que prevê a recuperação de 700 quilômetros de estradas pavimentadas. Financiado pelo Banco Mundial (Bird), ele promete renovar o asfalto, a drenagem e a sinalização das rodovias contempladas. Esse trecho da 453, de novo, ficou de fora (apenas o intervalo entre Lajeado Grande e Tainhas, em São Francisco de Paula, será beneficiado).
– Tivemos audiência com o Eliseu Padilha (ministro-chefe da Casa Civil), há cerca de um mês em Brasília, e ele pediu um tempo (para começar a dialogar sobre a federalização). Estamos brigando muito por causa da 453, é cansativo – desabafa Bidese.
"Ficamos com raiva só de pensar"
Volta e meia, o trabalho de uma comerciante – que pediu para não se identificar – é interrompido pelo estampido de colisões. Proprietária de uma cantina no quilômetro 107, a mulher convive diariamente, há mais de 10 anos, com a expectativa de presenciar cenas trágicas a poucos metros de seu estabelecimento. Desiludida com as promessas que não vingam, proibiu o filho, um adolescente de 14 anos, de andar de bicicleta próximo à rodovia:
– Cada vez que ele pega um ônibus para ir à escola, fico num medo que você não imagina. Para melhorar, como vai ser? São anos e anos. Ficamos com raiva só de pensar. E todo mundo paga.
O restaurante funciona em frente a uma rotatória, conhecida como Trevo do Barracão, que faz ligação com a ERS-444. O local, de sinalização precária, é um risco iminente de acidentes graves. À noite, o condutor mal consegue reconhecer onde é o centro da pista.
– O pessoal acha que a rótula dá acesso direto, mas tem de passar pelas duas pistas. Não tem nada indicando, é uma escuridão – relata a comerciante.
Perto dali, no quilômetro 116, o dono de uma banca de produtos coloniais emociona-se ao lembrar de uma imagem: uma caminhonete partida ao meio, duas crianças e uma mulher mortos.
– Foi há uns seis, sete anos. Os guris foram colocados no asfalto, deitados. Não quero nunca mais ver algo igual – conta Dionísio Ferrari, 76 anos, com os olhos marejados.
Os três filhos dele transitam rotineiramente pela RSC-453. Sempre apreensivo, ele ri quando questionado se percebeu alguma melhoria nos últimos 15 anos:
– Está é pior! Precisa duplicar tudo, o movimento é grande. Aqui falta muita coisa, só o que me resta é rezar a Deus.