Avaliações como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), apesar de não serem os únicos aspectos a medir a qualidade do ensino, ajudam a identificar tanto o que está dando certo quanto as disparidades do ensino público.
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A reportagem conversou com dois profissionais dedicados à educação para buscar um esboço sobre como avançar. Confira:
:: Delcio Antônio Agliardi, mestre em Educação membro do Observatório de Educação da UCS:
Novas formas de comunicação
– O Ideb se constitui a partir de dois indicadores, proficiência em português e matemática e também o fluxo (taxa de aprovação). Em português e matemática existe uma questão envolvendo a comunicação na pós-modernidade, ou seja, o domínio da língua materna. Entendemos que isso está impactando a proficiência. O pensador francês Roger Chartier diz que a pós-modernidade alterou a ordem do discurso e com isso gerou confusão na língua materna, gerou novas formas de comunicação.Falta de identidade_ Estamos vivendo uma era de mobilidade humana. Um determinado bairro pode receber um número de migrantes que não vão permanecer na escola. Só que escola se faz com identidade, com processo histórico, é um conjunto de questões que afeta o aprendizado.
Crise
– Outra questão é que estamos vivendo duas grandes crises em termos educacionais, da alfabetização e da escolarização. Quanto à primeira, tem a ver com o ciclo da alfabetização, que não se dá no primeiro ano. Já na escolarização temos três níveis: anos iniciais, em que o Ideb é melhor; anos finais do Ensino Fundamental, em que o Ideb cai; e Ensino Médio, que só se agrava. Nem uma resposta política, seja de ordem das avaliações externas das práticas pedagógicas, pode ser encarada apenas no interior da escola. Há fatores além dos muros que são determinantemente claros: por exemplo, filhos de pais que leem vão melhor em português, porque têm essa dimensão clara dentro da cultura familiar. Escolas que têm vulnerabilidade, em tese, terão menor proficiência em português e matemática e em aspectos que o Ideb não pega, como cidadania. A questão da escolarização e da alfabetização corresponderia hoje a dois produtos: cultura e questões de ciência e tecnologia. Nós precisamos da escolarização para chegar a ter tecnologia, ela é uma questão basilar e vinculamos ao desenvolvimento da sociedade brasileira.
Ideb não é suficiente
– Não podemos dar respostas simplórias a um problema complexo. Depois, não podemos tornar o Ideb o único indicador da educação. Dizer que uma escola é melhor do que a outra por causa do Ideb é uma irresponsabilidade. Não se pode levar o Ideb fora da conjuntura, da realidade, que é muito problemática. Não é de hoje que uma criança que não dorme bem, não come bem, não aprende bem.
Caminhos
– Trabalhar na gestão das escolas três grandes questões: exercício radical da democracia escolar, que pressupõe o direito de aprendizagem a todos; reconhecer, pelas ciências da educação, que a criança tem ritmos e formas diferentes de aprender, portanto, não dá para padronizar tudo; ter ensino que mobilize conhecimento, porque as crianças estão muito vinculadas às escolas e pouco ao saber. A escola precisa levar isso em consideração na sua gestão, que a escola tem que ser um lugar que desperte o prazer por aprender.
:: Maria Beatriz Luce, professora UFRGS, ex-integrante do Conselho Nacional de Educação e ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação:
Condicionantes sociais e culturais
– Existem fatores da formação histórico-cultural, mas principalmente político-econômica do país, que nos fazem ter contextos com desigualdades muito grandes, em termos educacionais, na comunidade e nas famílias. Obviamente, isso é um condicionante importante do desenvolvimento da criança ao ingressar na escola e que também acaba influenciando nas suas possibilidades de desenvolvimento, apesar da atuação da escola. Por isso, é importante sempre compreender que as políticas educacionais e o trabalho da escola integram um conjunto de fatores. A escola é um poderoso instrumento de desenvolvimento das crianças e dos adolescentes e de uma região, mas não consegue reverter os demais condicionantes do desenvolvimento social e cultural sozinha.
Poucas políticas contra a desigualdade
– É sempre igualmente importante vermos a atuação das secretarias municipais e estadual de educação, em termos de contar com programas de formação continuada de professores e de coordenação pedagógica, articulada com políticas de saúde, assistência social, proteção à criança e à juventude. Mas as nossas redes ainda precisam desenvolver uma ação, uma gestão que vise a diminuição das desigualdades escolares. Por exemplo, há indicadores que nos mostram que há desigualdade na formação dos professores, na experiência dos professores, na qualidade da coordenação pedagógica e da gestão escolar. Precisamos atuar para combater as desigualdades em ambas as esferas, interna e externa, além de notar que há desigualdades dentro das escolas. Precisamos ter política de elevação da qualidade das condições de educação e ao mesmo tempo em que atuamos para combater as desigualdades. São poucas as políticas da gestão do sistema estadual e dos municípios que são endereçadas a combater as desigualdades.
Conquistas
– Os dados Ideb nos mostram uma situação de desigualdade que queremos combater, mas são reveladores do sucesso que nós tivemos no avanço das condições de direito à educação no país. Ou seja, por que temos hoje maiores desigualdades e não temos resultados tão bons nessas provas? Porque nós conseguimos ampliar o acesso à escola, temos hoje na escola crianças e adolescentes que estão tendo mais anos de escolarização, e temos crianças cujos pais não tiveram acesso. É uma conquista, mas que nos dá agora uma tarefa de segunda geração, que é diminuir as desigualdades, levantando o padrão de qualidade.
Caminhos
– Investir em políticas com valorização dos profissionais da educação, que se faz com qualidade da formação inicial, na licenciatura, com a exigência de que só atuem professores com ensino superior, com formação continuada como qualquer profissional, fazendo cursos de pós-graduação, especialização, e dar condições de trabalho. Por exemplo, diminuir o número de escolas em que os professores trabalham para que possam se dedicar mais uma mesma escola e com menos alunos, para assim conhecer mais a comunidade, trabalhar coletivamente. Ter remuneração que seja atraente e que o magistério não seja uma última opção, que existam incentivos a continuar estudando.
– Investir em assistência social, segurança do trabalho, aumento da renda familiar.
– Investir na infraestrutura da escola, oferecer uma escola com instalações adequadas, com biblioteca, pátio, lugar para alimentação, qualidade de materiais didáticos e tecnologias, ainda há escolas sem internet boa, ou em que ela não está acessível, ficam sem usar tablet e outros elementos que são indispensáveis hoje em dia. Não se pode sonegar do adolescente uma porta importante do acesso a informações.
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Cristiane Barcelos
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