O frio intenso afeta principalmente a população que vive nas ruas. Em Caxias do Sul, as baixas temperaturas dos últimos dias – na sexta-feira, a mínima foi de 0ºC, segundo o 8º Distrito de Meteorologia – castigaram esses moradores. Apesar de a prefeitura oferecer serviços de apoio a pessoas em vulnerabilidade social, muitos rejeitam a ajuda e continuam dormindo ao relento.
Na manhã de sexta-feira, quando os termômetros marcavam 2ºC, Andrei, que prefere não ter o rosto e o sobrenome divulgados, e outros quatro moradores de rua dormiram sobre pedaços de papelão na Rua Ernesto Alves, área central da cidade.
– Não tem problema se é muito frio. Aqui, a gente dorme até abraçado se precisar – conta ele, que tem 25 anos e, há três, vive na rua.
Questionado sobre os motivos que o levam a não procurar um dos albergues da cidade, Andrei diz que é mais fácil ficar pelo Centro, já que as pessoas ajudam com alimentos e cobertores.
– Na rua, a gente não precisa dar satisfação para ninguém, além de recebermos muita ajuda das pessoas – garante.
A liberdade que a rua oferece é o motivo principal para que pessoas como Andrei optem por viver ao relento.
– Na verdade, não é bem uma questão de eu preferir ficar na rua. Acontece que eu me sinto melhor aqui do que no albergue. Posso dormir até a hora que quiser, depois cuido de alguns carros e consigo um trocado para comprar comida – afirma Marciano (que também não quis revelar o sobrenome), 32, que é natural de Gramado.
Andrei, Marciano e outros seis moradores de rua foram abordados na manhã de sexta por uma equipe do Pop Rua, serviço da Fundação de Assistência Social (FAS) que atua na cidade desde 2012.
Segundo Julio Cezar Chaves, diretor do Pop Rua, os moradores não podem ser obrigados a sair das ruas.
– O nosso trabalho é oferecer ajuda para que, por meio dos serviços oferecidos, eles possam deixar as ruas. Mas, mesmo com o frio, eles relutam em aceitar o nosso apoio. É um trabalho de formiguinha. Pegamos pela mão, damos banho, comida, encaminhamos para os albergues, mas, no dia, seguinte eles já estão dormindo na rua de novo – ressalta Chaves.
Dar esmola pode prejudicar
Diferentemente do que se pensa, dar cobertores, comida e dinheiro para os moradores de rua, além de não ajudar, também prejudica o trabalho de quem tenta tirá-los dessa condição.
– É pela esmola que muitos deles escolhem continuar na rua e não ir para os albergues. É o cobertor quentinho e a comida que estimulam eles a voltar para aquele lugar todos os dias. Por isso, pedimos para a população não fazer isso e, sim, orientar para que eles procurem os serviços de assistência social – explica Márcia Rejane Scalabrin, educadora do Pop Rua.
Rodilon Gonçalves Godin, 27 anos, é um velho conhecido do serviço. Nas abordagens diárias, ele já aceitou por diversas vezes ajuda da FAS. Porém, na manhã de sexta-feira, recusou. Godin passou a noite dormindo na calçada da Rua Machado de Assis, no bairro Medianeira, sem cobertor e com uma jaqueta doada.
– Hoje não vou ir. Já me deram café, pão e uma maçã. Estou alimentado e pronto para encarar o dia – garantiu, sem se queixar do frio.
Atualmente, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, Caxias do Sul tem 233 moradores de rua. Destes, 95% são homens e 85% naturais da cidade.
– Eles estão na rua, em sua maioria, por causa das drogas. É o vício que os estimula a ficar mendigando. Por mais que a gente ofereça ajuda, infelizmente a droga os derruba novamente – lamenta Márcia.
De acordo com o pneumologista Luciano Grohs, ficar exposto ao frio intenso sem proteção é extremamente prejudicial à saúde.
– A hipotermia é só uma das consequências. Dormir no frio, sem roupas adequadas, principalmente, aumenta os riscos de desenvolver alguma doença respiratória e piora os sintomas da gripe, podendo levar à morte – afirma.