
No dia 4 de maio de 2024, chegar e sair da comunidade de São Gotardo da Linha Demari, no interior de Bento Gonçalves, só era possível de helicóptero. Deslizamentos de terra, causados pela chuvarada que castigou o Rio Grande do Sul no ano passado, impediram o acesso à localidade, como em tantos outros pontos da Serra.
A chuva intermitente que atingiu o Estado naquele mês deixou famílias ilhadas em suas comunidades, entre elas a de Honorata Demari, com 92 anos na época. Fora de casa e abrigados no salão da comunidade, o grupo aguardava o resgate aflito com a possibilidade que novos deslizamentos pudessem atingir as residências.
A casa de Honorata, que mora com uma irmã de 89 anos e uma cuidadora, não chegou a ser atingida, mas foi a proximidade com os deslizamentos que fez com que a decisão de sair fosse tomada:
— Já tinha bastante gente na igreja, mas levaram as avós lá também porque tinha possibilidade de que a terra descesse — conta a sobrinha Vera Lúcia Demari.
No quarto dia de isolamento, o resgate chegou e pousou no campo de futebol ao lado da igreja.
A salvação veio de helicóptero, pilotado pelo empresário catarinense Rafael Carrard, 41, e pelos companheiros do Grupo Especialista em Resgate de Alto Risco (Gerar), o bombeiro Carlos Nataniel de Barros, 37, e o gestor em desastres, Kleber de Moura, 40.
Aquela, então, foi a primeira vez que Honorata sobrevoou as terras em que cresceu para pousar, sem ferimentos, sã e salva no Aeroclube de Bento Gonçalves.
Depois de realizar novos resgates e reencontrar a senhora que resgatou, Carrard fez um convite em tom de promessa: assim que tudo ficasse bem, ele levaria Honorata para um passeio de helicóptero.
— No ano passado, levamos dois dias para conseguir chegar na Serra. Tivemos que pousar em Gravataí antes porque a condição climática não permitia o voo. Quando conseguimos, ficamos cinco dias voando do nascer ao pôr do sol. A gente desembarcava as pessoas e já recebíamos um novo endereço para ir. O salvamento da Honorata foi simbólico porque foi a penúltima viagem daquele dia — se emociona Carrard.

"Tudo era rio"
O reencontro entre a idosa e os seus salvadores ocorreu em março desse ano. De volta a Bento Gonçalves, o grupo conseguiu sobrevoar a região com um cenário diferente daquele de 2024, de clima seco e céu azul.
— A primeira vez foi com muita chuva, tudo era rio, nunca vi uma coisa igual. Dormimos três noites no salão da igreja, depois ficamos dois meses morando na cidade — lembra o piloto.
Vera Lúcia acompanhou o passeio da tia neste ano e, durante o sobrevoo, apontou locais conhecidos para a senhora, como o Rio das Antas e o centro de Bento.
— Ela amou, acho que olhando de cima conseguiu entendeu melhor tudo que aconteceu durante a chuvarada — disse.