
Municípios unidos, demandas fortalecidas e novas conexões com outras microrregiões. Próximo de completar um ano que a intensa chuva atingiu a Serra, os reflexos do maior desastre ambiental da história gaúcha são vistos não apenas na paisagem e estruturas das cidades, mas também em posicionamentos de lideranças locais. Ao mesmo tempo em que a chuva impôs separações pelos bloqueios de rodovias e destruição de pontes, aproximou os municípios da Serra das Antas, que perceberam necessidades coletivas após o episódio extremo.
É unanimidade entre lideranças regionais que as cidades para além do Rio das Antas, como Veranópolis, Nova Prata e Guaporé, precisam ser mais estruturadas para obter mais autonomia de centros regionais, como Bento Gonçalves e Caxias do Sul. Isso porque, a partir de maio de 2024, uma série de desafios se impôs sobre moradores, empresas e lideranças de municípios.
Durante dois meses, a BR-470 entre Veranópolis e Bento Gonçalves esteve completamente fechada. Desde julho, o trânsito é alternado entre comboio escoltado pela PRF, sistema para e siga e alguns dias de liberação total.
Sem acesso rodoviário às cidades de referência, manter tratamentos médicos e frequências em cursos superiores foram tarefas complexas. No segmento econômico, comércios e empresas da microrregião se desdobraram para criar rotas alternativas de recebimento e envio de mercadorias. Novos mercados foram explorados e a venda online intensificada. Contudo, os esforços não suprimiram os prejuízos acumulados.
Diante do cenário, que ainda é de reconstrução e retomada, a colaboração entre as cidades dessa fração da Serra se tornou essencial para pensar o futuro microrregional. Para o prefeito de Veranópolis, Cristiano DalPai, a influência coletiva pesa na esfera regional, dando aos municípios da Serra das Antas maiores chances de terem suas demandas atendidas.
— Vejo uma mudança cultural muito forte. Antigamente, os municípios trabalhavam de forma isolada. A partir desse evento climático surgiu o conceito de unificar ideias, buscar soluções em termos de microrregião. E esse é um conceito adotado pelos novos administradores. Se entende que precisamos crescer em conjunto —afirma Dalpai.
Para isso, o coletivo se articulou em um grupo de WhatsApp para debater pautas comuns. Participam da ação os chefes do Executivo de Veranópolis, Vila Flores, Fagundes Varela, Cotiporã, Nova Prata, Vista Alegre do Prata, Nova Bassano e Nova Araçá.
Vejo uma mudança cultural muito forte. Antigamente os municípios trabalhavam de forma isolada. A partir desse evento climático surgiu o conceito de unificar ideias, buscar soluções em termos de microrregião
Conexões com cidades próximas, mas não pertencentes à Serra, também englobam a estratégia de fortalecimento do grupo. Conforme o ex-presidente da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne), Valdir Fabris, municípios como Guaporé e Dois Lajeados se juntaram no ano passado à Associação dos Municípios do Alto Taquari (Amat).
A medida visa o crescimento do turismo que conecta Serra e Vale do Taquari. Só em 2023, o projeto do Trem dos Vales, um dos maiores no segmento que conecta Guaporé a Muçum, movimentou mais de 32 mil visitantes entre as regiões.
— Não vejo a situação como um possível desmembramento com a Serra, mas sim, outros caminhos para essas cidades conseguirem se fortalecer sem depender, exclusivamente da Serra — pontua o prefeito de Veranópolis.
Conexões rodoviárias são meta prioritária
Há pelo menos dois anos, a rede de rodovias que conecta e dá acesso às cidades do outro lado do Rio das Antas tem sido impactada por fenômenos climáticos. Em setembro de 2023, a cheia do Rio Taquari levou a ponte entre São Valentim do Sul e Santa Tereza, tornando o acesso a Guaporé, Serafina Côrrea, além das cidades vizinhas à ponte, mais dificultoso.
Em maio do ano passado, os intensos e volumosos deslizamentos de terra bloquearam a BR-470, entre Bento Gonçalves e Veranópolis, uma das principais conexões de toda a região. Ainda, diversas pontes foram perdidas com a cheia de rios. É o caso da ponte que conectava Guaporé com Anta Gorda e a ponte entre Guaporé e Arvorezinha.

A fragilidade das rodovias expôs a microrregião ao isolamento de outras cidades da Serra e do Vale do Taquari. Por meses o único acesso disponível era em direção à região norte, no sentido de Passo Fundo.
— No setor industrial, a região Norte exerceu papel fundamental no fornecimento de insumos à produção. Esse aspecto fez com que cada segmento do setor buscasse fontes alternativas de fornecedores e caminhos de chegada desses insumos. Por óbvio que isso trouxe um custo adicional que, sem dúvidas, impactou fortemente os negócios da região, retirando essas empresas do campo da competitividade no mercado nacional e, em alguns casos, internacional — afirma o presidente da Associação das Entidades Representativas da Classe Empresarial da Serra Gaúcha (CICs Serra), Edmilson Norberto Zortéa.
A queda no número de visitantes na microrregião impactou diretamente no comércio e turismo, que viram os faturamentos caírem até 50%. Zortéa estima que só no comércio, há cidades que dependem quase que exclusivamente de região para manter os negócios abertos. Há registro de pequenas empresas que realizaram demissões e, em casos mais extremos, encerraram as atividades.
Nesse sentido, lideranças regionais defendem que o governo do Estado dê maior celeridade nas obras das estradas que conectam a microrregião com outras localidades.
— O que se busca é o restabelecimento das conexões o mais breve possível, principalmente em relação à construção da nova ponte de Santa Bárbara, sobre o Rio Taquari, e a recuperação da BR-470. São obras essenciais e estratégicas para que as cidades se recuperem no campo dos negócios e tenham mais segurança quando se fala em saúde, educação e turismo — argumenta Zortéa.
Veranópolis desponta como referência
Nos meses que seguiram à chuva que devastou o Estado, ações de resposta para o atendimento dos moradores da microrregião foram implementadas em Veranópolis. A cidade ganhou uma unidade de tratamento oncológico junto ao Hospital Comunitário São Peregrino Lazziozi.
A iniciativa do Tacchini Saúde já atendeu a 48 pacientes em nove meses de funcionamento. Além de moradores de Veranópolis, moradores de Nova Prata, Nova Bassano, Cotiporã, Guaporé e Vila Flores foram beneficiadas com o espaço, recebendo o tratamento nas terças-feiras.
— Foi uma ideia que surgiu justamente pela chuva e o bloqueio da BR-470. O trajeto das cidades até Bento Gonçalves se tornou mais longo e com isso, os pacientes tiveram dificuldades de se deslocarem. O retorno também era um problema, porque muitos passavam mal depois de receber a quimioterapia. Agora eles têm acesso ao tratamento mais perto de onde moram — pontua o médico oncologista de referência, Magnus Rodrigues.
Na área da educação, instituições de ensino que atuam na microrregião da Serra das Antas, têm se estruturado para abrir novos cursos. É o caso do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), campus Veranópolis. Para além dos dois cursos de graduação e dois cursos técnicos, a instituição se prepara para a abertura de quatro novas formações.
— No início deste ano foi publicada uma portaria que prevê o aumento do nosso quadro de professores. Mesmo que um projeto de lei precise ser enviado, analisado e aprovado pelo congresso, já temos a expectativa de debater com a comunidade quais as demandas para os novos cursos — explica o diretor do campus, Amir Tauille.
A Universidade de Caxias do Sul (UCS), fortaleceu as ofertas nos campus de Guaporé e Nova Prata. Atualmente as duas unidades ofertam oito cursos de graduação, facilitando o acesso ao ensino superior, sem a necessidade de deslocamento dos estudantes.
Outra ação em andamento é a estruturação do aeródromo de Veranópolis. Segundo o prefeito Cristiano DalPai, o município está projetando o cercamento e o sistema de abastecimento da estrutura aérea.
— A ideia é que tenhamos essa alternativa pronta para casos em emergenciais. A pista já está asfaltada, só falta adequar a estrutura às exigências da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em uma possível interdição da BR-470, o aeródromo volta a ser nossa conexão com outras cidades próximas — explica.
Os planos da influência regional para fortalecer a Serra das Antas
A nova gestão da Amesne, coordenada pelo prefeito Sérgio Chesini, de Garibaldi, aposta na organização coletiva para cobrar o governo do estado sobre as demandas locais. Conforme Chesini, uma reunião entre os 37 líderes integrantes da Amesne está agendada para ocorrer em maio, ainda sem data.
Durante o encontro, em Nova Milano, interior de Farroupilha, os prefeitos se reunirão com o Secretário da Reconstrução Gaúcha, Pedro Capeluppi. A ideia é que cada gestor possa fazer um diagnóstico da cidade no pós-chuva e as principais demandas locais.
— Agora estamos na fase de análise de como está a situação das cidades. A partir da mesa redonda com o secretário, vamos levar nossas necessidades para o Governo do Estado e estabelecermos um cronograma de trabalho em cima dessas prioridades — pontua o presidente da associação.

Conforme o Chesini, essa será a oportunidade para que os gestores da Serra apontem ao governo do estado as obras em espera que são essenciais para a retomada econômico social. Para ele, as prioridades devem se centrar nas pontes levadas pelas enchentes que ainda não foram reconstruídas.
— A ponte de Santa Bárbara, por exemplo, terá uma cobrança permanente. Não apenas para que comecem logo as obras, mas para que sejam concluídas rapidamente. Sabemos o quanto a falta dessa ligação implica em prejuízos para os municípios. Por outro lado também precisamos de desassoreamento em nossos rios e pavimentações de estradas vicinais e barreiras de contenção para futuros riscos — indica.