A manhã de domingo (13) começou com um mutirão entre os moradores dos sobrados interditados na Rua Luiz Gaio, no bairro São Luiz, em Caxias do Sul. Passados cerca de 20 dias desde que o conjunto habitacional apresentou problemas estruturais, os residentes tiveram permissão para entrar em sete das 10 unidades para retirar móveis, eletrodomésticos e itens pessoais.
A ação se iniciou às 8h e foi supervisionada por uma equipe técnica, contratada pelos próprios moradores. Os sobrados números 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 foram avaliados individualmente pelo engenheiro Josué Pezzi, que liberou a ação de forma gradativa.

— A análise dessa ação foi planejada há dias. Primeiro, fizemos uma observação com drone. Depois, estudamos quais sobrados tinham condições de ser acessados. No terceiro momento, examinamos em quais desses seria possível entrar para retirar os móveis — explica.
Durante a manhã, os pertences das unidades 4, 5, 6, 9 e 10 foram removidos pelos próprios moradores com ajuda de equipes de mudanças. A mobília das unidades 7 e 8 não foi retirada por opção dos residentes.

A moradora Kamila Demori da Anunciação, 35 anos, foi uma das pessoas que teve a permissão para acessar a residência e recuperar a mobília e objetos pessoais. Segundo ela, os pertences retirados estão sendo encaminhados para espaços alugados, casas de amigos ou familiares.
— A gente deu prioridade para retirar documentos, roupas, móveis e também eletrodomésticos. É uma grande alegria poder tirar as nossas coisas. O sentimento é de gratidão e de esperança para recomeçar uma vida nova — celebra.
Residente do conjunto habitacional, Cristiane Alves dos Santos, 47, aguardava ansiosa a vez para entrar no sobrado em que vivia para recuperar os pertences.

— A sensação é, às vezes, de aflição, de angústia, de alívio, porque a gente conseguiu tirar pelo menos o pouco que temos. Querendo ou não, nosso coração fica aqui, porque é um sonho que a gente está vendo se desmoronando aos poucos. Mas também fica a esperança de um novo recomeço — se emociona.
A situação mais grave se concentra nos sobrados 1, 2 e 3, que apresentam rachaduras espessas, deformidades em janelas e portas, além de terem a calçada estourada. A análise inicial feita pelo engenheiro Josué Pezzi, indica "chances remotas" de entrar nessas unidades para recuperar pertences e móveis.
Risco na vizinhança

A situação dos sobrados 1, 2 e 3 teve reflexos diretos em outro imóvel: o prédio vizinho. Em 25 de março, quando o conjunto de sobrados foi interditado, um dos blocos do prédio vizinho teve o mesmo destino.
Isso porque as três unidades correm risco de colapsar e cair sobre a lateral do prédio, atingindo dormitórios de oito famílias que residem ali. Desde então, os moradores vizinhos também deixaram a moradia e se abrigaram em casa de familiares.
— Saímos com roupas e documentos, o que era mais importante. Os carros também foram retirados, porque o estacionamento fica bem embaixo dos sobrados. Nós precisamos retirar o gás de todos os blocos, porque caso os sobrados caíssem, iriam atingir também os botijões — explica a síndica Catiane Corrêa Pereira Rech, 36.
Conforme ela, os moradores buscaram orientação jurídica para solicitar uma demolição controlada dos sobrados. Contudo, o engenheiro contratado pelos moradores dos sobrados pontua que a ação é complexa e precisa ser estudada detalhadamente para acontecer.
— O primeiro passo foi retirar o sobrepeso das unidades em que foi possível entrar. Depois, o indicado seria se debruçar em ações para escorar essas unidades. Vou orientar os moradores a contratarem uma empresa especializada nisso. Também vamos conversar com o técnico do prédio do lado para somar as informações que ele tem — indica Josué Pezzi.
No início de abril, a Procuradoria Geral emitiu um parecer recomendando que a demolição dos sobrados não fosse feita pela prefeitura de Caxias do Sul. A justificativa é de que "não cabe ao município alocar servidores e máquinas para atendimento de demanda particular, salvo em caso de interesse público, que não ocorre na presente situação".
Cerca de 20 dias sem casa
Desde 25 de março, os moradores do conjunto habitacional deixaram os sobrados devido ao risco das estruturas colapsarem. Na madrugada desse dia, os residentes foram surpreendidos por estalos e rachaduras nas estruturas, tendo que deixar o local rapidamente.
Desde então, o grupo está acampado em frente às moradias para manter a vigilância sobre os pertences. Isso porque há receio de que os sobrados possam ser furtados. O suporte dos vizinhos tem sido essencial para a permanência do grupo, que utiliza os banheiros para tomar banho e recebe água e energia elétrica cedida.

Segundo Kamila, os moradores dos sobrados têm intercalado a permanência no local, permitindo o retorno para o trabalho e ao mesmo tempo a segurança dos pertences de todos.
— Desde o ocorrido estamos aqui, nas barracas. Nos dividimos para ficar sempre alguém olhando, cuidando dos sobrados. Nós não temos mais a assistência da Guarda Municipal faz algum tempo. Então, tivemos que assumir tudo.
Em nota, a prefeitura de Caxias do Sul alegou que ajudou nos primeiros dias do fatocom suporte da Defesa Civil, segurança com a Guarda Municipal, banheiros químicos, emissão de laudo técnico e informações sobre os seus direitos pela Secretaria da Habilitação. O auxílio ocorreu até que as famílias pudessem se organizar visto ser uma área particular, isto é, processo de competência dos próprios moradores.