"Terceira Guerra Mundial". "Maior desafio da humanidade". "Principal problema coletivo da atualidade". Definições como estas, que partem de cientistas brasileiros e internacionais, explicam a urgência em discutir e agir contra a mudança climática, causadora de fenômenos extremos como os que o Rio Grande do Sul tem vivenciado, como a estiagem que por três anos seguidos afeta o setor agrícola, ou as fortes tempestades causadoras de enchentes como as que provocaram dezenas de mortes no Estado nesta semana. Entre a sensação de impotência diante de um problema global e a urgência de tomar atitudes para mitigar danos e adaptar as cidades para a vida neste novo normal, não há mais espaço para negar o colapso do mundo como o conhecíamos.
Tanto períodos cada vez maiores de secas ou as chuvas mais intensas, quanto as ondas de calor ou de frio igualmente incomuns, têm na origem a elevação da temperatura média no Planeta Terra, que tem como principais causas a emissão de gases do efeito estufa na atmosfera e o desmatamento desenfreado de florestas. Na comparação com o período pré-revolução industrial, o planeta está 1,2ºC graus mais quente. A grande luta firmada em 2015 no Acordo de Paris, principal tratado internacional sobre o combate às mudanças climáticas, é para evitar que este número chegue a 1,5ºC até o fim deste século.
Tornar mais eficazes medidas que contribuam para conter o aumento sistemático da temperatura no sentido de evitar perdas ambientais e humanas ainda maiores, fazendo cumprir o Acordo de Paris, é o tema que tem pautado cada edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP. Professora de Direito da UCS e presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RS, Alessandra Lehmen esteve na COP 28, realizada em Dubai em dezembro do ano passado. Na ocasião, participou de painéis em que foram abordados temas de comércio internacional, greenwashing (termo que indica a apropriação injustificada de virtudes ambientais por parte de empresas, a fim de explorar por meio do marketing e das relações públicas) e o papel do Direito no enfrentamento das mudanças climáticas. Alessandra compartilhou com a reportagem um pouco sobre o que se discute no encontro que reúne as principais autoridades ambientais do mundo.
- O objetivo do Acordo de Paris é o de limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, ou, pelo menos, bem abaixo de 2ºC. No Acordo de Paris, cada país informa sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que é definida de acordo com a realidade local e revista periodicamente, pois precisa ser cada vez mais ambiciosa. Um problema sempre debatido nas COP é o fato de que a ambição coletiva demonstrada nas NDC, ainda que as metas nacionais fossem integralmente cumpridas, não é suficiente para atingir os objetivos de estabilização climática. Por isso, há grande expectativa para a COP 30, que acontecerá em 2025 em Belém, já que, nela, os países apresentarão a segunda rodada de suas NDC - pontua.
A professora ressalta como outra pauta recorrente no debate internacional o financiamento climático. A discussão avança na busca por caminhos para reorganizar a economia de modo que recursos financeiros fluam para a transição para a economia de baixo carbono, sobretudo em países muito dependentes de combustíveis fósseis, e para mitigar perdas e danos, o que envolve a transferência de recursos a países em desenvolvimento. Mas onde se encaixa o Brasil neste contexto?
- O Brasil tem um perfil de emissões de gases de efeito estufa diferente do de países desenvolvidos: nestes, as emissões se concentram, de modo geral, nos setores de energia, industrial, de transporte e de resíduos. No Brasil, embora também haja emissões significativas desses setores, a maior parte das emissões vem de desmatamento e uso da terra. O Brasil tem grande potencial para liderar a transição à economia de baixo carbono, e está em um bom momento para isso, como presidente pro tempore do G20 e país-sede da COP30 - destaca Alessandra.
Cenário favorece surgimento de novas doenças
Eventos como a estiagem ou tempestades intensas e cada vez mais frequentes estão entre os que o imaginário social associa de maneira mais óbvia ao aquecimento da temperatura no planeta. Mas o cenário de colapso climático traz ainda como uma espécie de efeito colateral o surgimento de novas doenças e a disseminação de doenças já existentes.
O biólogo Joel Henrique Ellwanger, doutor em Ciências, tem como foco de sua atuação acadêmica pesquisar o papel da mudança climática no surgimento e no agravamento de doenças infecciosas. O pesquisador aponta que casos de cheias, em que as pessoas entram em contato com água contaminada, favorecem surtos de leptospirose. Áreas de alagamento, por sua vez, aumentam a presença de mosquitos e podem contribuir para a epidemia de dengue e outras doenças transmitidas por mosquitos. O efeito mecânico que a água exerce sobre a vegetação também contribui para a perda da biodiversidade, outro fator que facilita o surgimento de novas doenças.
- Precisamos colocar em prática ações de mitigação e de adaptação em termos de saúde pública e de planejamento urbano, como reduzir focos de proliferação de mosquitos, aumentar o sistema nacional de produção e aplicação de novas vacinas, mas sem esquecer das mudanças estruturais, que são principalmente a redução do desmatamento, redução dos gases de efeito estufa vinculados à pecuária, uso e queima de combustíveis fósseis e também não esquecer do papel da preservação dos outros biomas, como o Pampa, aqui no Rio Grande do Sul. Sem medidas estruturais para reduzir a emergência de novas doenças, estaremos apenas "enxugando gelo".
Sem medidas estruturais, estaremos apenas "enxugando gelo
JOEL HENRIQUE ELLWANGER
Biólogo, doutor em Ciências
Entre os fatores que podem contribuir para evitar um futuro distópico para o Brasil, Ellwanger considera que a ação individual pode ter um poder decisivo. Não apenas adotando hábitos mais sustentáveis, mas também fazendo cumprir o papel de cidadão político em um país democrático:
- Ações a nível individual têm um impacto tanto efetivo, mas também político. Quando as pessoas optam por consumir menos carne por estar conscientes do papel da pecuária no aquecimento global, por exemplo, também é um ato político. O uso maior de transporte coletivo ou de bicicleta, para diminuir o consumo de combustível, é outro fator importante. Mas é imprescindível fortalecer a agenda política ambiental brasileira, e isso só irá se dar elegendo políticos comprometidos com essa causa, principalmente com a cobrança por mais recursos para fortalecer os órgãos de fiscalização.
O que Caxias faz a respeito?
Em fevereiro deste ano, durante a 34ª Festa Nacional da Uva, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente aproveitou a alta circulação de pessoas para fazer uma pesquisa de percepção sobre as mudanças climáticas. Foram aplicadas três perguntas, a fim de saber se os entrevistados sentiam que o clima estava mais quente; se tiveram perdas econômicas ou sociais devido a eventos climáticos, e se conheciam alguma ação que o poder público estivesse desenvolvendo na área ambiental.
A pesquisa revelou que 93% dos entrevistados já tinham percebido o aumento nas temperaturas médias. Também mais da metade, 53%, respondeu já ter tido algum tipo de prejuízo relacionado a mudanças climáticas, como perdas em lavouras ou necessidade de remoção. Outra grande maioria, 91%, respondeu desconhecer qualquer ação da prefeitura para o enfrentamento do tema.
Além de pensar em como dar mais visibilidade à pauta, uma pesquisa de percepção, que deve se repetir na próxima Semana do Meio Ambiente, tem como objetivo ajudar a nortear ações mais efetivas por parte da prefeitura, que está em fase de elaboração do seu plano de ações climáticas. A bióloga da Semma Vanise Sebben traz alguns apontamentos sobre a atuação da prefeitura no sentido de preparar Caxias para um melhor enfrentamento da nova realidade posta a partir da emergência do clima.
- Algumas ações são mais facilmente percebidas pela população, outras menos. Temos mapeamentos geotécnicos de áreas de risco, que nos mostram onde o movimento do solo é mais passível de sofrer alguma alteração, onde há mais riscos de deslizamentos de rochas ou maior possibilidade de alagamentos. A partir do mapeamento, damos prioridade a regularização de áreas que estão em áreas de risco. Regularizar um loteamento, fazer uma reurbanização que leve em conta aspectos bem pontuais de cada lote, é uma forma importante de adaptação. Desde 2016, a prefeitura faz o diagnóstico de toda a arborização urbana, com árvores que correm risco de cair, especialmente em cima de casas, e fazendo a substituição delas. Outras ações importantes envolvem ampliação de galerias e de piscinões, que retêm a água que cai em Caxias e escorre para o Vale do Taquari ou Vale do Rio Caí, com o objetivo de diminuir a velocidade de escoamento e o impacto para as comunidades que vivem naquelas áreas - destaca Vanise.
Toda e qualquer atividade econômica e social terá de considerar a necessidade de suportar uma chuva de 650mm num final de semana
VANISE SEBBEN
Bióloga da Semma, em Caxias
Vanise ressalta que a mudança climática é um tema complexo, especialmente pelas muitas variáveis que escapam ao controle territorial. Gases poluentes que são emitidos na Europa ou nos EUA impactam diretamente na atmosfera de países do hemisfério Sul, da mesma forma que o desmatamento na Amazônia reflete igualmente no clima no Rio Grande do Sul. O controle de bacias hidrográficas impactadas pelas enchentes, como a do Rio Caí e do Rio Taquari-Antas, deveria ser feito pelo governo Federal, que não o faz de forma efetiva e assim prejudica populações que não têm o poder de agir para evitar as consequências.. De todo modo, pensar a Caxias do Sul do futuro requer considerar a mudança climática em cada ação:
- Todos os planos municipais que envolvem planejamento ou gestão, desde planos de segurança alimentar, de assistência social, já têm um eixo destinado apenas a mudança climática. Porque toda e qualquer atividade econômica e social que o poder público for fazer, terá de considerar a necessidade de suportar uma chuva de 650 mm em um final de semana, por exemplo. Da mesma forma, tal atenção será prestada a questões de sustentabilidade, sobre como manter nossa agricultura forte e competitiva diante dessas mudanças, ou como evitar a perda da biodiversidade, que acarreta diversos problemas no ciclo da água.