Os olhos observadores do extraterrestre, conhecido como O Salvador, foram perspicazes em enxergar um problema no planeta Terra: o trânsito. Para alertar os seres humanos sobre os riscos que podem correr pela falta de atenção, o alienígena enviou uma carta que passou por planetas e viajou galáxias até chegar em Caxias do Sul. Com o título "Carta Aberta aos Habitantes do Planeta Terra", o texto feito pelo estudante João Pedro Pizzatto Bresolin, 14 anos, foi o vencedor da etapa estadual da 52ª edição do Concurso Internacional de Redação de Cartas dos Correios. O resultado foi divulgado na última segunda-feira (8).
Se colocando na posição de um super-herói de outro mundo, João contou na carta que viajava pelas galáxias para explorar o conhecimento e que, quando chegou na Terra, encontrou o trânsito indo em direção a um cenário trágico. A redação seguiu a proposta do concurso, que pedia aos estudantes de até 15 anos que se imaginassem como super-heróis com a missão de tornar todas as estradas do mundo mais seguras para as crianças. A carta deveria explicar quais superpoderes o super-herói teria para cumprir aquela missão.
"Essa sociedade tem potencial para viver em harmonia com a tecnologia, mas, para isso, a gente precisa do poder da conversa, do simples poder da conversa. Motoristas, priorizem as vidas, tenham paciência, respeito e juízo. Ao usar um carro, pense nos pedestres como alguém próximo a você. Por mais que essa solução soe de forma egoísta. Às vezes o egoísmo pode acabar sendo o elemento crucial para acabar com ele mesmo", conta o extraterrestre em um trecho.
A ideia de se colocar como um ser de outro mundo, conforme lembra João, surgiu a partir de um amor que compartilha com o pai desde a infância. Para dar ao texto um pouco da identidade própria, o tímido estudante decidiu unir o tema a um assunto que tanto admira.
— Desde pequenininho, sempre fui quase fissurado por planetas, espaço e galáxias. Sempre falei muito disso com meu pai. Ele também gosta, e lembro de ficar com ele horas da noite vendo o céu. Então, eu sempre tive esse amor. Tentei juntar algo que eu gostava com o tema, para relacionar. Tentei usar minha criatividade com algo que me representa mais, para realmente mostrar um pouco do que eu gosto. Quando soube da vitória, fiquei quase em choque, fiquei muito feliz de verdade — conta João.
A notícia da vitória estadual chegou na noite de terça-feira (9), enquanto João jogava videogame com os amigos. Com gritos de empolgação, a mãe do estudante chamou o filho para contar a novidade que recebeu por ligação. Mãe e filho acionaram o pai e as outras duas irmãs do estudante para contar a novidade. Minutos depois, um e-mail da professora de português confirmava a conquista. Além do sabor da conquista, a primeira colocação no Estado, rendeu premiações para o adolescente e para a escola, de R$ 2,3 mil e R$ 2,5 mil, respectivamente.
A iniciativa de propor aos estudantes o desafio de escrever cartas para o concurso internacional está presente há cerca de cinco anos na Escola Fundamental Jesus Bom Pastor, conhecida como Pastorinhas. Entretanto, essa foi a primeira vez que um aluno do local venceu uma das etapas. Para Cristina Casagrande, que atua na área administrativa do colégio há mais de 20 anos, a vitória foi gratificante para o corpo docente, que pôde ver que a metodologia aplicada para os alunos está dando frutos.
— Essa conquista é exemplar para todos eles (os alunos). A gente sempre incentivou a leitura aqui. Sempre tivemos projetos de leitura e as professoras de português sempre incentivaram a participação dos alunos nesses concursos. Essa foi a primeira vez que ganhamos, e acredito que isso faz com que os alunos tenham um exemplo para poderem se inspirar. Não sabemos o que ele quer ser quando crescer, mas esse exemplo do João é muito positivo, porque hoje em dia as coisas estão muito digitais e a parte escrita acaba ficando um pouco para trás. Então, nós, enquanto escola, valorizamos essa leitura e escrita para que eles possam se desenvolver nesse processo — afirma Cristina.
No terceiro andar da escola, a porta branca com cartaz colorido revela a sala de aula que foi cenário para que a carta do extraterrestre surgisse. Em frente ao quadro, a professora Adriana Barcarolo, que começou a trabalhar na escola neste ano, sugeriu inicialmente que os alunos fizessem uma pesquisa sobre o trânsito, para que tivessem dados e estatísticas referentes ao trânsito no Brasil e, dessa forma, pudessem escrever as cartas com dados e informações reais.
Conforme a professora, a ideia de pesquisa surgiu, principalmente, para que desenvolvessem o senso crítico e observador sobre o assunto proposto pelo concurso e o olhar deles mesmos sobre a cidade aonde vivem. A iniciativa do concurso busca ainda que as cartas convençam os leitores sobre o problema e solução escritos por cada um.
— Cheguei na sala de aula, expliquei sobre o prêmio e falei que gostaria que eles realmente escrevessem sobre o que estava acontecendo no trânsito. Falei que precisavam pesquisar, anotar estatísticas, anotar como estão as estradas, dei em torno de uma semana e pouco para eles pesquisarem e pensarem e na outra semana fomos escrever. Expliquei a estrutura da carta aberta e em um período e pouco eles terminaram. Precisa ter esse processo de pesquisa, porque, sem esses argumentos verdadeiros, não tem como escrever. Precisava dessas estatísticas, porque não podemos inventar estatísticas, especialistas, precisa ter essa pesquisa — conta Adriana.
A proposta da carta foi sugerida para duas turmas da escola e, seguindo o edital da competição, cada instituição de ensino poderia ter duas cartas como finalistas. A partir de uma seleção que contou com três profissionais do local, o texto de João e de outro aluno foram enviados.
A importância da personalidade própria para a conquista
Para os alunos Eduardo Tamagnone Dobler, 14 anos, e Mateus Comerlatto Rossato, 14, que compõem o "trio parada dura" de amizade do vencedor, a conquista de João é mérito da dedicação dele. Felizes pela história, os amigos fazem uma pequena exigência.
— Estamos muito felizes por ele, o mínimo que ele tem que fazer agora é comprar um cachorro quente para gente, caso contrário vamos ficar muito tristes (risos). É emocionante essa vitória, porque é uma coisa de valor e também porque é uma conquista dele. A gente tá aqui para apoiar e dar os parabéns. A gente ficou dizendo que a ideia dele era muito maluca. Maluca, mas boa, tanto que deu certo — contam os amigos.
Para João, que pode explorar espaços até decidir o que quer ser quando crescer, a conquista estadual foi uma descoberta pessoal, que permitiu entender que acreditar na própria ideia e confiar no gosto pessoal por planetas é o segredo para conquistar diferentes mundos.
— Acho que essa vitória me mostrou que a criatividade não precisa seguir uma métrica certinha, não precisa seguir algo que alguém vai te impor. É até importante ter um pouco disso, mas ninguém precisa ter limite para escrever o que quer ou fazer o que quer. E isso é em qualquer área da vida. Você pode ser você mesmo e isso dá certo. Às vezes, a gente fica pensando em agradar os outros, mas o que a gente menos espera, o que está mais dentro de nós, pode ser o mais legal e o mais interessante. Acho que o prêmio me ajudou a perceber isso — afirma o vencedor.
Carta Aberta aos Habitantes do Planeta Terra
"Eu venho de um planeta distante. Na minha terra nenhum nome nós temos. Nessa terra eu sou chamado de extraterrestre, ou até mesmo de O Salvador. Para ser sincero, nunca gostei muito disso. Eu viajo de planetas em planetas, galáxias em galáxias e o meu principal objetivo é passar e explorar o conhecimento. Para mim, o conhecimento é uma dádiva universal, que se enriquece ao proporcionar a sua transmissão.
As pessoas veneram minha habilidade de conversar ou até mesmo de convencer. Mas eu gostaria de poder aprimorar isso, que eu chamo de meu super poder pessoal. Em uma das minhas expedições por esse planeta, eu percebi como as pessoas, e até mesmo o trânsito, estão indo por um caminho trágico. As ruas e rodovias se tornaram armadilhas para as crianças e para o resto da população também. Aqui estou eu para solucionar esse problema.
Segundo dados do Ministério da Saúde do Brasil, em 2021 foram registradas mais de 31,468 mil mortes no trânsito, sendo essa também a principal causa de mortes em crianças e adolescentes. Em muitos dos planetas que eu já visitei, eu percebi aprimoramentos incríveis de infraestrutura, que aumentaram significativamente a segurança no trânsito. Tais como: ciclovias únicas para as bicicletas, com telas e sinaleiras, rodovias sem buracos e sem danos. Mas a gente tem um fator chave.
É fato que nada disso adianta sem antes conscientizar toda a população. O simples poder da conversa pode ser a solução para esse azul e límpido planeta. Os automóveis não são animais selvagens, todos têm que ser controlados por alguém.
Então, lembre-se: você, motorista, porta uma arma capaz de matar. Uma arma capaz de destruir famílias, capaz de acabar com um lindo romance ou mesmo de matar inocentes crianças. Precisamos conscientizar a população desde cedo. Essa sociedade tem potencial para viver em harmonia com a tecnologia, mas, para isso, a gente precisa do poder da conversa, do simples poder da conversa.
Motoristas, priorizem as vidas, tenham paciência, respeito e juízo ao usarem um carro. Pense nos pedestres como alguém próximo a você. Por mais que essa solução soe de forma egoísta. Às vezes, o egoísmo pode acabar sendo o elemento crucial para acabar com ele mesmo.
Com isso, eu encerro meus pensamentos. Acredito poder ajudar a todos deste lugar, tornando assim esse mundo inteirinho um lugar digno de se habitar. Por favor, respeitem o que deve ser respeitado.
Aqui eu me despeço. Atenciosamente, o extraterrestre, ou melhor, super-herói de outro mundo".