CORREÇÃO: O nome da empresa que mantinha contratos com os trabalhadores baianos resgatados em operação contra trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves é Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, e não Fênix Serviços de Apoio Administrativo. A informação errada foi informada pelo advogado Rafael Dorneles da Silva, que se diz defensor da empresa investigada e ficou publicada do dia 27/02/2022 até 16h de 27/02/2022. O texto já foi corrigido.
Parte dos trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves chegou na Bahia nesta segunda-feira (27). De acordo com a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, o governo da Bahia se comprometeu em esperar os trabalhadores com equipes da assistência social em cada município de chegada.
Dos 207 trabalhadores resgatados na última quarta-feira (22), quatro baianos decidiram permanecer na Serra e outros nove resgatados são gaúchos. Os moradores do Rio Grande do Sul devem voltar para casa nesta semana, em direção aos municípios de Rio Grande, Montenegro, Portão e Carazinho. Os outros 194 homens foram divididos em quatros ônibus que deixaram Bento Gonçalves na última sexta-feira (24).
Na manhã desta segunda, três veículos estavam em Milagres (BA), a cerca de 1h30min de Feira de Santana, por volta das 11h30min. O outro veículo estragou por volta das 2h, no distrito de Vale das Cancelas, na Serra do Espinhaço, ao norte de Minas Gerais (MG).
Um dos trabalhadores, um homem de 41 anos, relatou que os passageiros do ônibus com problemas estão tranquilos, mas ao mesmo tempo frustrados com o atraso:
— Estamos bem, mas queremos chegar logo em casa —conta ele.
A previsão é de que todos os homens cheguem a Salvador ainda nesta segunda:
— Estamos em Milagres, onde paramos para lanchar. Daqui falta cerca de uma hora e meia até Feira de Santana onde vamos ser recepcionados pela prefeitura e pela imprensa. De lá seguimos para Salvador, que fica a 100 quilômetros de Feira de Santana — afirma outro trabalhador.
A maioria deles mora na capital baiana e os outros vão seguir para cidades do interior, onde vão reencontrar suas famílias.
Empresa têm até às 10h de terça-feira para acertar valores
Antes de deixar a Serra, os baianos receberam R$ 500 da Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, empresa que contratou os homens para trabalhar na safra da uva. O montante é de R$ 1.100.000 em verbas rescisórias, sendo R$ 100 mil pagos na sexta-feira (24) e R$ 1 milhão que deve ser acertado ao longo desta segunda em depósitos bancários.
O pagamento dos direitos trabalhistas será feito via agência Caixa nas cidades dos residentes. Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Fênix tem até às 10h desta terça-feira (28) para apresentar, nos autos do inquérito civil, a comprovação dos pagamentos.
— Hoje (segunda-feira) estamos acompanhando a situação. O prazo encerra amanhã (terça-feira), então eles precisam realizar as operações ao longo do dia para que consigam completar tudo até o prazo estipulado — explica a Procuradora do Trabalho de Caxias do Sul, Ana Lucia Stumpf Gonzalez.
Ainda segundo a assessoria do MPT, caso a empresa não quite os valores haverá o ajuizamento de uma ação civil pública por danos morais coletivos, além de multa correspondente a 30% do valor devido.
Relembre o caso
O caso dos trabalhadores em situação análoga à escravidão foi denunciado após seis homens conseguirem fugir do local onde eram mantidos e buscar contato com a Polícia Rodoviária Federal, que prestou auxílio e deu início à operação. Um dos denunciantes já havia gravado vídeo com um celular e publicado em uma rede social reclamando das condições de trabalho. Ele relata que foi agredido pelos supostos empregadores por isso. O homem contou à polícia que aproveitou quando os agressores foram atender uma ligação e pulou de uma janela, correndo até um mato próximo do local onde estava. Ele e mais dois trabalhadores, que estavam com ele, aguardaram até as 3h da quarta-feira (22) para sair e pedir ajuda.
Ainda na quarta, uma operação conjunta de PRF, Polícia Federal (PF) e MTE flagrou 180 homens no alojamento, em situação precária de hospedagem, higiene e alimentação. À equipe, trabalhadores relataram que sofriam violência verbal, física, ameaças de morte e eram alimentados com comida estragada. Após o primeiro flagrante, outros 27 homens foram resgatados, na quinta, e encaminhados ao ginásio.
O aliciador da mão de obra e administrador da empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, Pedro Augusto Oliveira de Santana, chegou a ser preso ainda na quarta, mas foi liberado no dia seguinte após pagar fiança de R$ 39.060. Natural de Valente (BA), o empresário está sendo investigado. Ele trabalharia na região, com prestação de serviço, há pelo menos 10 anos, conforme o MTE.
Os homens resgatados atuavam, principalmente, na colheita da uva, em propriedades rurais do município. As três vinícolas — Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton —, citadas pelos trabalhadores e que contrataram o serviço terceirizado da prestadora, afirmaram em notas não ter conhecimento da situação em que os homens eram expostos até a operação, e que irão colaborar com a investigação. As investigações seguem com o MTE, Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal (PF).
Colheita da uva
Na quinta-feira (23), a reportagem apurou que os trabalhadores eram ligados à empresa terceirizada Oliveira & Santana, que fornecia a mão de obra para produtores para a colheita da uva e também para três vinícolas, para atuar no descarregamento de uva pós-colheita. As vinícolas seriam Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi.
Por meio de assessorias de imprensa, as três empresas citadas na operação se manifestaram.
O que diz a Aurora:
"NOTA À IMPRENSA
A Vinícola Aurora se solidariza com os trabalhadores contratados pela empresa terceirizada e reforça que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão.
No período sazonal, como a safra da uva, a empresa contrata trabalhadores terceirizados, devido à escassez de mão-de-obra na região. Com isso, cabe destacar que Aurora repassa à empresa terceirizada um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas.
Além disso, todo e qualquer prestador de serviço recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café da manhã, almoço e janta.
A empresa informa também que todos os prestadores de serviço recebem treinamentos previstos na legislação trabalhista e que não há distinção de tratamento entre os funcionários da empresa e trabalhadores contratados.
A vinícola reforça que exige das empresas contratadas toda documentação prevista na legislação trabalhista.
A Aurora se coloca à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos."
O que diz a Salton:
"A empresa não possui produção própria de uvas na Serra Gaúcha, salvo poucos vinhedos situados junto a sua estrutura fabril que são manejados por equipe própria. Durante o período de safra, a empresa recorre à contratação de mão de obra temporária. Estes temporários permanecem em residências da própria empresa, atendendo a todos os critérios legais e de condições de habitação. A empresa ainda recorre, pontualmente, à terceirização de serviços para descarga. Neste caso, o vínculo empregatício se dá através da empresa contratada com o objetivo de fornecimento de mão de obra. No ato da contratação é formalizada a responsabilidade inerente a cada parte. Neste formato, são 7 pessoas terceirizadas por esta empresa em cada um dos dois turnos. Estas pessoas atuam exclusivamente no descarregamento de cargas. Através da imprensa, a empresa tomou conhecimento das práticas e condições de trabalho oferecidas aos colaboradores deste prestador de serviço e prontamente tomou as medidas cabíveis em relação ao contrato estabelecido. A Salton não compactua com estas práticas e se coloca à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo."
O que diz a Cooperativa Garibaldi:
"Nota à imprensa
Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às práticas da empresa Oliveira & Santana no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação relatada.
Informa, ainda, que mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia.
Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado.
A Cooperativa aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes.
Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito.
Desde já, no entanto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos."
Além de vinícolas, 23 proprietários rurais contratavam serviços de trabalhadores resgatados em Bento. Os nomes dos 23 não foram divulgados. A investigação ainda aponta que os trabalhadores atuavam na carga e descarga da uva em vinícolas e na colheita da uva nas propriedades rurais.