Bailes marcantes, carnavais, festas temáticas e de debutantes e shows nacionais que movimentaram Caxias do Sul por décadas tiveram a antiga sede do Recreio Guarany como palco. Localizado na Avenida Júlio de Castilhos desde a inauguração, em 1931, o prédio pode ganhar outro destino, ou novas histórias, após anos de ociosidade. Com a decisão do Conselho Deliberativo, o Recreio da Juventude optou por colocar a estrutura à venda. Quem passa pelo ponto, em Nossa Senhora de Lourdes, pode ver as placas de “vende" ou "aluga".
Como explica o presidente-executivo do Recreio da Juventude, Diego Biglia, após a fusão do clube com o Recreio Guarany, em 2011, a antiga sede ficou presa a um processo com o locatário. O imbróglio foi resolvido um pouco antes da pandemia, quando veio a decisão da entidade. Um dos motivos é que parado, este patrimônio também gera despesas para ser mantido.
— Na verdade, o salão social nós já temos. Teríamos que destinar para outro tipo de uso. Teve um momento que foi definido no Conselho pela venda ou locação, até para atentar o mercado e ver como o mercado se posiciona. A pandemia atrapalhou bastante e, agora, que retomou a situação — explica Biglia.
O investimento para o uso do espaço também é considerado grande, pelos problemas de conservação do prédio. Apesar da intenção de venda ou locação, o Recreio da Juventude não descarta utilizar o local no futuro ou negociar uma troca ou parceria.
— Está tudo dinâmico hoje em dia. As demandas crescem muito rápido e se modificam — observa Biglia.
As propostas recebidas são avaliadas pelo Conselho Deliberativo do clube, formado por membros eleitos e por ex-presidentes. O valor que o prédio está avaliado, no momento, não é divulgado por estratégia de mercado da entidade.
Marca na história de Caxias
O colunista social João Pulita destaca que o Clube Índio, como era carinhosamente chamado o Guarany, “revelou-se um marco na sociedade caxiense dirigido por atuantes e dedicadas personalidades”, como os presidentes-executivos e os departamentos jovens. O comunicador relembra ainda os grandes eventos realizados na sede da entidade.
— O extinto Recreio Guarany ainda é uma lacuna desde seu fechamento no circuito social. A entidade, que à época possuía uma intensa programação, em especial com os inesquecíveis bailes de carnaval (eram três intensas noites que se encerravam ao amanhecer com um serviço de sopa de agnoline para recuperar as energias), os gauchescos, de debutantes e outros temáticos, como o Anos Dourados — descreve Pulita.
A sede, inclusive, dava espaço para bandas caxienses e recebia shows nacionais, como A Cor do Som, Camisa de Vênus e Barão Vermelho.
Pulita relembra ainda a Taba Índia, como era chamada a boate que recebia a nova geração e também associados de clubes co-irmãos, como Recreio da Juventude, Recreio Cruzeiro, Clube Juvenil e Reno Piscina Clube. O colunista social destaca também que foram incentivadores-dirigentes os casais Roberto e Norma Minuzzi, Adão e Carmem Fogaça e Nelson Machado da Silveira e Eunelba Fogaça Machado da Silveira, bem como a promoter do local naqueles tempos, Jacira Aquino, que teve uma especial projeção. Nas festas, um dos animadores que marcaram época foi Gilberto Giongo, o DJ conhecido como Beto GG.
Nos embalos dos clubes caxienses
Glamour, pistas de dança lotadas, filas pelas ruas caxienses, música disco e muita empolgação. É assim que o DJ Gilberto Giongo, 70 anos — completando 50 de carreira neste ano —, recorda das festas na antiga sede do Recreio Guarany e também em outros clubes caxienses. Por 27 anos tocando nos bailes e festas das associações, Beto relembra daqueles tempos como um filme de Hollywood.
— Em matéria de boate (o auge) foi a década de 1970 até final de 1980, onde a Boate Oca, como também era conhecida, bombava. Foi a maior discoteca do Rio Grande do Sul entre clubes. Em 1979, quando fizeram a discoteca na parte de trás do clube, foi que virou discoteca mesmo, coisa de cinema, tipo aquele filme, Os Embalos de Sábado à Noite (estrelado por John Travolta). Foi o auge, foi aquela época que marcou — descreve o DJ.
Outras atrações marcantes do Guarany eram a boate infantil, para a “gurizada” de até 16 anos, os inesquecíveis carnavais, que o DJ destaca que “eram os melhores”, e os bailes para casais, principalmente entre os anos 1960 e 1990. As reuniões dançantes, realizadas em todos os clubes caxienses, também ficavam marcadas pelas bandas que se apresentavam, como Os Pedreiros, Os Geniais e Banda Itamone.
Beto GG, que também trabalhou em emissoras de rádio de Caxias, conta que viveu “a melhor época” dos clubes caxienses. Nos anos 2000, com a chegada de casas noturnas e outros estabelecimentos que foram modificando a noite caxiense, os clubes, aos poucos, perderam força. De ano em ano, perderam associados. O último suspiro da sede social do Recreio Guarany, como conta o DJ, foram os bailes para casais, nos anos 2000, que atraíram um público que não tinha mais tantas opções em Caxias.
— Hoje, Caxias sente falta. Não tem mais aquele glamour dos clubes, onde nós ficávamos, quando jovens, na beira do salão, vendo as gurias passar e ficávamos de olho, para conforme a música, tirar elas para dançar. Tínhamos um período maravilhoso em matéria de música e opções para viver a noite. Hoje, tem dezenas de opções, mas aquele glamour de clube, a parte social, não tem mais. O povo sente falta justamente disso, dos bailes, das coisas diferentes que tinha — acredita o DJ.
Sede social do Clube Juvenil para aluguel
Outra sede social passa por situação semelhante ao do antigo prédio do Recreio Guarany: a do Clube Juvenil. De acordo com a assessoria de imprensa do clube, o espaço segue disponível para aluguel, para empresas que possam querer ocupar parcial ou totalmente. Como o edifício foi tombado como patrimônio histórico de Caxias, ele não pode ser modificado.
Ainda conforme a comunicação do Juvenil, a agenda para o espaço social do clube também segue disponível, mas para agendamentos a curto prazo. Hoje, por exemplo, os eventos podem ser agendados até março do ano que vem.
Aos poucos, o cenário dos clubes caxienses volta a se modificar. Não há mais sedes sociais com agendas cheias ou até mesmo o próprio espaço, como tinham Guarany, Cruzeiro e Juvenil. Dos tradicionais, apenas o Recreio da Juventude mantém o salão social.