
Entre 2011 e 2013, anos em que residiu no Seminário Diocesano Nossa Aparecida, em Caxias do Sul, Luciano Dalmolin chegou a ter 35 colegas no internato. Ordenado padre em 2023, Dalmolin, 29 anos, foi o único entre os 36 rapazes a ter concluído o processo. O atual coordenador da Pastoral Vocacional da Diocese de Caxias do Sul é um exemplo que ilustra a razão da Diocese ter tomado a decisão, em 2018, de não abrigar mais crianças e adolescentes em regime de internato, diante da queda que se verificava a cada ano por esta procura.
- A Diocese fez esta a opção diante de uma mudança cultural e social. O Seminário sempre acolheu num contexto de famílias mais numerosas, com mais filhos, e que viviam em ambientes mais rurais. Com o tempo, o número de filhos diminuiu e o contexto social também foi mudando, o que fez diminuir muito a acolhida de seminaristas. Ao mesmo tempo, percebeu-se que não era tão saudável tirar um adolescente de casa tão cedo, e que seria melhor que ele vivesse bem o contexto familiar, para que, a partir dos 18 anos, ingressasse no Seminário. Diante disso, nós investimos nos grupos vocacionais, que ocorrem nas quatro paróquias da Diocese, onde os adolescentes são acolhidos em um ou dois sábados por mês para ter as primeiras experiências de oração e de comunidade - explica.
Natural de Paraí, cidade de onde saíram mais de 40 padres ao longo dos 100 anos da Diocese de Caxias do Sul (além de mais de 100 religiosos de outras congregações, como Capuchinhos, Irmãs Scalabrinianas, entre outras), Dalmolin percebe que, se por um lado há menos seminaristas nos dias atuais, por outro lado há menos desistências dos jovens ao longo do processo até a ordenação:
- Hoje a gente percebe que quem entra no Seminário dá este passo com mais maturidade, com mais consciência. Não quer dizer que esteja decidido, e a gente nem exige isso. Mas já há uma predisposição para trabalhar enquanto se enxerga essa possibilidade no futuro. Aqui é também uma casa para o discernimento vocacional. Para estudar, para fazer as experiências pastorais, que são o mais concreto da vida do padre, e, a partir destas experiências, decidir se é essa ou não a vontade dele.

Etapas de estudo e discernimento
Ao longo dos anos no Seminário os rapazes passam por diferentes etapas (veja no final da matéria). Atualmente três jovens serranos cumprem seu período no internato do Seminário Maior São José. Samuel Cavalli, 24 anos, e Lucas Franceschetti, 20, estão no período Discipular. Fernando Dal Pozzo, 18, está na fase anterior, a etapa Propedêutica.
A rotina no Seminário, que fica no bairro Nossa Senhora da Saúde, inclui aulas de canto, aulas de idiomas e momentos de oração. Nenhum deles diz já ter decidido se tornar padre, mas o trio concorda que o "sim" a Deus já foi dito, independente do caminho que seguirem dentro da igreja.
Mais velho dos três, Samuel Cavalli conta que o despertar para a vocação religiosa se deu quando saiu da casa dos pais, em Caxias do Sul, para morar em Pelotas, onde cursou bacharelado em Música.
- Foi diante daquela nova realidade, de morar sozinho, longe de casa, com novas responsabilidades, que me reaproximei da igreja e vi que tinha essa possibilidade de dar um sentido para a vida, unindo a música, a igreja e ajudar os outros. Também tinha, junto a isso, o medo que eu sentia da solidão, de me ver sozinho em algum momento em que meus pais faltassem - diz.

Samuel considera o Seminário como o lugar propício para se conhecer melhor e encontrar o seu lugar dentro da vida religiosa que escolheu seguir:
- Estou vivendo o sonho de seguir minha vocação. Há um caminho até dar o sim definitivo, mas a gente vai construindo algumas certezas. E a minha certeza é que amo a Deus, amo a igreja e quero ajudar a igreja, que precisa de novas lideranças, seja de leigos, de casais, de religiosos ou de padres. Na diversidade de dons que a gente tem, aqui posso descobrir qual será o lugar que Deus irá me chamar para estar.
Para Lucas Franceschetti, ser padre já era um sonho de infância antes de ser um projeto de vida. O jovem conta que, com cinco anos, brincava de celebrar missas na casa da família, em Nova Prata:
- Minha família tinha muito envolvimento com a igreja, tanto meus nonnos quanto meus pais. Eu queria ser coroinha, mas era muito pequeno e não podia, por isso brincava de ser padre. Anos mais tarde, na catequese, o convívio maior com os padres me deu abertura para conversar sobre esse desejo que a gente não sabe explicar, apenas sente, de viver para Deus. E, aqui no Seminário, posso ter o tempo e viver as experiências necessárias para discernir se é isso mesmo o que quero.
Cumprindo a etapa de Discipulado, que envolve a atuação nas diferentes pastorais da Diocese, Lucas participa da Pastoral Carcerária. Todo sábado pela manhã, vai com outro religioso até o Presídio Regional de Caxias do Sul (Apanhador) para levar uma palavra de acolhimento.

- É um momento de levar a palavra de Deus como um conforto para aquelas pessoas que estão passando por uma situação difícil, enquanto apenados. Está sendo uma experiência muito rica e importante para ajudar a me entender melhor neste processo de discernimento - avalia.
Na renúncia, a aproximação com Deus
Também de Nova Prata, o mais jovem do trio, Fernando Dal Pozzo, cresceu admirando o sacerdócio, nas missas e eventos religiosos em que ia com a família. Mais tarde, estudou canto, aprendeu a tocar violão e fez um curso de Teologia para leigos, até ser convidado a ser acólito, ajudando na celebração das missas. Atualmente passando pelo ano propedêutico, Fernando cumpre com uma das etapas obrigatórias desta fase, que é participar da pastoral da Saúde. Todas as quintas-feiras, o jovem vai ao Hospital Pompéia para passar um tempo em visita aos doentes.
- É, principalmente, uma pastoral de escuta, em que a gente se coloca à disposição para escutar as dificuldades daqueles que desejam partilhar o seu sofrimento e suas preocupações - explica.
Entre horas dedicadas ao estudo, ao envolvimento comunitário e a oração, o encontro com a vocação religiosa envolve renunciar a momentos de diversão com os amigos e também do convívio com a família. Os jovens concordam, contudo, que o sacrifício vale a pena, ao mesmo tempo que os ensina a valorizar ainda mais cada momento com as pessoas queridas.
- A gente renuncia a ter um tempo maior com os pais, com os irmãos, com os avós, mas, sempre que temos a oportunidade de estar junto com eles, é um tempo muito melhor aproveitado e mais agradável. Acredito que a nossa firmeza na espiritualidade nos faz aproveitar melhor a presença da família e dos amigos. No início dói, por não ter a presença diária, mas com o tempo vai cicatrizando e ensinando tanto a nós quanto aos nossos pais - resume Samuel Cavalli.
AS ETAPAS ATÉ A ORDENAÇÃO
Retiro Vinde e Vede: é o primeiro contato do jovem com o Seminário, que é convidado a passar alguns finais de semana no Seminário Maior São José, conhecendo a rotina, as práticas e os momentos de oração.
Etapa propedêutica: fase introdutória em que o jovem, já como seminarista, conhece melhor a realidade paroquial e se aproxima da vida comunitária.
Discipulado: período em que os seminaristas passam pelo aprofundamento acadêmico, cursando Filosofia na Universidade de Caxias do Sul. Também nesta fase há o aprofundamento da atuação junto às pastorais.
Configuração: período em que o seminarista cursa quatro anos de Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre.
Síntese Vocacional: também chamada de etapa pastoral, é o último ano antes da ordenação. Nesta fase o seminarista irá viver por um ano em uma das paróquias da Diocese de Caxias do Sul, como um padre, já com a data de ordenação marcada*.
*Atualmente, o seminarista bento-gonçalvense Eduardo Cantelli está nesta fase. Ele reside na Paróquia Santa Rita de Cássia, no Santa Fé, em Caxias do Sul, e será ordenado diácono no dia 26 de abril para, posteriormente, ser ordenado padre em novembro.